segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

PARTE 03

Ao entrar no ginásio, Rose me olhou com um pouco de surpresa. Eu ainda estava com as roupas de ginástica, que usava no meu próprio treino, antes dela chegar. Eu fingi ignorar sua expressão, como sempre fazia com suas atitudes que não eram relacionadas às aulas. Durante os treinos com Rose, eu ligava o meu ‘modo negócios’, não me permitindo nenhuma reação ou atitude que não fosse estritamente profissional. Era minha maneira de me manter distante, mesmo estando tão perto. Perigosamente perto.
Eu tinha decidido que já era tempo de começar a ensinar Rose a lutar. Assim que ela terminou os alongamentos, eu me sentei em um colchonete, de forma que pude ficar bem em frente a ela e encará-la. Ela me olhou com bastante atenção, enquanto eu cruzava meus braços. Como não podia deixar de ser, ensinar a lutar somente pela luta não era da minha natureza. Eu tinha que fazer com que Rose tirasse uma lição de tudo aquilo.
“Qual é o primeiro problema que você vai encontrar ao confrontar um Strigoi?”
“Eles são imortais?”
Eu tive vontade de rir, mas me mantive sério. Este era mesmo um problema, com relação aos Strigois. Mas eu não precisava de um exemplo tão grande para o que eu queria lhe ensinar.
“Pense em alguma coisa mais básica.” Falei.
“Eles podem ser maiores do que eu. E mais fortes.”
“Isso torna tudo mais difícil, mas não impossível. Você pode usar a altura e o peso extra de uma pessoa contra ela.” Eu me levantei e simulei alguns golpes de ataque e contra-ataque, como se eu lutasse com um adversário invisível. Mostrei como se mover, como se desviar e como derrubar alguém. Ela me olhava completamente compenetrada e, eu podia dizer, impressionada. Essa era a técnica que lhe faltava. Eu a coloquei em pé e mandei que ela repetisse cada movimento que eu fazia, também lhe mostrando como trabalhar os seus reflexos. Sempre corrigindo as eventuais falhas.
Rose aprendia tudo rapidamente, com uma determinação invejável. Perto do final do treino, eu me posicionei em frente a ela, soltando os meus braços, tentando relaxar os meus músculos.
“Vá em frente.” Falei “Tente me bater.”
Sem hesitar, ela partiu para luta, tentando me dar um golpe no abdome. Prevendo aquele movimento, antes que ela pudesse me acertar, eu a bloqueei, a derrubando no tatame. Utilizei uma técnica que eu tinha acabado de lhe ensinar. Ela levantou prontamente, ignorando a dor e partiu novamente para mim, obviamente esperando me pegar fora de guarda. Era inútil. Meus sentidos dhampirs eram duramente treinados a antever cada ameaça que viesse a mim. Qualquer adversário que me atacasse seria bloqueado antes mesmo de me acertar, desde que eu estivesse em atento e isso. E ali eu estava. Ela tentou me atacar várias e várias vezes. Sem sucesso, como era de se esperar. Seus movimentos eram certos, ela seguiu exatamente o que eu tinha ensinado, mas ela precisava treiná-los.
Então, já exausta, Rose pediu um tempo, fazendo o sinal de um “T” com as mãos.
“Então, o que eu estou fazendo de errado?” ela perguntou ofegante, ainda tentando recuperar o fôlego.
“Nada.”
“Se eu estivesse fazendo tudo certo, eu já teria deixado você inconsciente.”
“Improvável. Seus movimentos estão certos, mas é a primeira vez que você tenta. Eu estou fazendo isso há anos.” Eu senti que tinha soado um pouco esnobe, mas não era minha intenção. Eu só queira que ela entendesse a importância de se praticar sempre.
“Tanto faz o quê você diz, vovô.” Ela zombou “Podemos tentar novamente?”
“Não temos mais tempo. Você não tem que ir se arrumar?”
Rose olhou para o relógio que tinha na parede e seu rosto se iluminou. Aparentemente, até aquele momento, ela não tinha se lembrado que deveria estar pronta para a Assembleia que teríamos com a rainha logo mais. Toda Academia estava convocada para isso. E já estava quase na hora.
“Droga. Sim eu tenho.” Ela respondeu e eu pude sentir que, se eu deixasse, ela treinaria luta comigo o restante da noite. Assumindo que a aula já tinha acabado, comecei a andar na direção da porta. E logo, meus instintos se alertaram. Poucos segundos de silêncio vieram de Rose. Um silêncio fora de hora. Ela iria me atacar. Eu tinha certeza. Por isso, acionei todos os meus reflexos, embora tivesse continuado a andar para a porta, agindo naturalmente. E então aconteceu. Rose partiu para cima de mim, dando um grito de guerra. Antes que ela pudesse me atingir, eu me virei como um raio e, em um único e rápido movimento, eu a peguei pela cintura, a derrubando no chão e imobilizando com o peso do meu corpo. Rose era extremamente leve.
“Eu não fiz nada de errado.” Ela gemeu, ainda imobilizada. Eu a segurava pelos pulsos, com seus braços um pouco acima da cabeça. Meu rosto estava no mesmo nível do dela, de forma que eu podia olhar em seus olhos. Eu não estava conseguindo prender um sorriso, era mesmo muito engraçado suas tentativas frustradas e sua decepção por não entender o que estava errado. Ela ia tentar a noite inteira e não conseguiria. Eu tinha certeza disso.
“O grito de guerra meio que lhe entregou. Tente não gritar da próxima vez.” Respondi baixo, olhando em seus olhos.
“Teria feito alguma diferença se eu tivesse ficado quieta?”
Eu pensei um momento, lembrando de como o silêncio que ela tinha feito anteriormente tinha me deixado alerta.
“Provavelmente não.”
Ela ainda respirava ofegante e eu podia sentir o ar que saia dela bater no meu rosto, trazendo a mim um pouco do seu cheiro. E como era bom. Um cheiro que começou a me deixar tonto de tão doce. Era inebriante. Eu ainda a segurava, o contato com a sua pele deixou de ser puramente profissional e se tornou carnal. Eu estava plenamente consciente de todo aquele contato físico que tínhamos naquele momento. Novamente eu não conseguia dominar o desejo que eu tinha por ela. Meu rosto estava há poucos centímetros dela e eu lutava contra a vontade louca de beijá-la. Ela parecia corresponder aquilo tudo, seus olhos mostrando que ela estava quase que se entregando por completo.
“Então, hum... você tem outro movimento para me mostrar?” Ela falou, ensaiando um tom firme, mas que não passou de um gemido trêmulo.
Foi quando um pensamento louco me ocorreu que me fez quase sorrir: ‘claro que eu tenho, Rose. Eu quero lhe mostrar como eu beijo.’ Obviamente, não falei aquilo que eu tinha pensado. Com um grande esforço, tentei fechar o sorriso que eu quase tinha formado, chamando todo resto de racionalidade, que eu ainda tinha, de volta para mim. Cada vez estava sendo mais difícil fazer isso.
Eu me afastei dela, me apoiando nos calcanhares e ficando em pé em um rápido movimento, fingindo que nada tinha se passado dentro de mim.
“Vamos. Precisamos ir.”
Eu sai do ginásio, sem olhar para trás, enquanto ela me seguia em silêncio, pisando duramente, como uma criança birrenta. Realmente eu estava tentando passar que tudo estava natural, mas um visível constrangimento estava entre nós dois. Eu não precisava fechar os olhos para sentir novamente o cheiro, a pele dela. Aquilo era estupido, eu sabia. Eu tinha por obrigação não alimentar isso, mas não conseguia. Era um sentimento que parecia ter vida própria e que a cada dia crescia cada vez mais livre em mim, por mais que eu tentasse prender. Eu só não sabia por quanto tempo mais eu seria capaz de resistir.
Já no meu quarto, tomei um banho rápido e vesti o uniforme formal dos guardiões, que consistia basicamente em calças e jaquetas pretas e uma camisa branca. Nestes dias mais frios, o uniforme era reforçado por um casaco mais pesado por cima, com o mesmo molde da jaqueta.
Caminhei apressadamente e me apresentei no salão principal do prédio dos guardiões, onde Alberta reuniu todos para passar as últimas coordenadas, antes de irmos para a recepção da rainha. Quando chegamos ao salão comum dos estudantes, vi que toda aquela correria das equipes de cerimoniais, mais cedo, não tinha sido em vão. Eles tinham conseguido transformar o salão do refeitório e a área comum em um lugar bem apresentável. Tudo estava decorado com rosas vermelhas e muitas velas. Estava tudo realmente digno para receber uma rainha. Todos os estudantes e professores tinham seus lugares marcados. Na parte central, estavam os Morois da realeza, cercados pelos que não eram da realeza. Na parte do fundo, estavam os dhampirs aprendizes. No centro e de frente para tudo, estava a rainha com seus nobres. Nós, os guardiões, ficamos alinhados rente à parede, formando um verdadeiro escudo ao longo do salão. Percebi de imediato quando Rose entrou no ambiente. Ela se vestia de uma forma extremamente simples, mas nem por isso deixava de ser linda, tanto, que sua entrada atraiu diversos olhares. Ela usava um suéter formal e calças pretas.
Eu procurei me focar no trabalho e não em Rose. A Academia estava ainda mais segura, uma vez que a segurança era reforçada pelos guardiões que acompanhavam a comitiva real, e nós não tínhamos nenhuma eminencia de ataques ali, mas isso não nos liberava do nosso trabalho.
Exatamente na hora marcada, a cerimônia começou, com a entrada da realeza. Eu observei como cada um se movia. Victor Dashkov estava entre eles. Ele era um príncipe real, mas sua maneira totalmente sofrida de caminhar despertou em mim uma grande piedade.
A realeza era formada por doze famílias reais que se reversavam no poder. O mais velho desta família recebia o título de príncipe ou princesa. Estas famílias também tinham representação no conselho real que ajudava o rei ou a rainha no governo. Esta realeza, como todas as outras, tinham seus rituais e foi o que nós assistimos antes do jantar começar. A rainha entrou com ar triunfante, vestindo um vestido vermelho e usando uma coroa em forma de tiara. Quatro guardiões a seguiram enquanto ela passeava pelos corredores, formados por mesas.
Ela passou rapidamente pela parte onde estavam os dhampirs, acenando respeitosamente e sempre sorrindo. Depois segui para o lado dos Morois, onde ela até falou com alguns estudantes. Então, ela se dirigiu a setor onde estavam os estudantes da realeza Moroi, onde, naturalmente, se demorou mais. Ela falou com cada um, sempre simpática e com palavras agradáveis, até chagar em uma especial.
“Vasilisa Dragomir.” Ela exclamou, parando em frente a Lissa. Eu percebi que Rose tinha se colocado em uma posição para observar melhor o que acontecia, era uma quebra de protocolo, mas ninguém notaria, já que todos estavam atentos ao que a rainha diria a Lissa.
“Nós ficamos sabendo que você retornou. Estamos felizes em ter os Dragomirs de volta, embora só reste uma. Lamentamos profundamente a perda dos seus pais e seu irmão, eles estavam entre os melhores Morois. Suas mortes foram uma verdadeira tragédia.”
Lissa ouvia a tudo com a tensão em seus olhos, com a respiração suspensa, sem sequer piscar.
“Você tem um nome interessante,” ela continuou. “Muitas heroínas de contos de fadas russos se chamavam Vasilisa. Vasilisa, a corajosa. Vasilisa, a bela. Elas eram mulheres diferentes, todas com o mesmo nome, todas com as mesmas excelentes qualidades: força, inteligência, disciplina, virtude. Todas realizaram grandes coisas, triunfando sobre seus adversários.”
Um silêncio sepulcral invadiu a sala. Todos estavam apreensivos para saber onde a rainha queria chegar, embora, já pudéssemos desconfiar.
“Da mesma forma, o nome Dragomir comanda o mesmo respeito. Reis e rainhas Dragomirs governaram de forma sabia, ao longo da nossa história. Eles usaram seus poderes de forma miraculosa. Eles mataram Strigois, ajudando os seus guardiões. Eles são da realeza por um motivo.”
Ela fez uma longa pausa. Lissa ergueu a cabeça, absorvendo o poder que sua família tinha entre os nobres.
“Sim,” a rainha continuou com seu discurso “você tem um nome poderoso. O nome representa a melhor qualidade que uma pessoa pode oferecer e, olhar para o passado, nos faz reviver os grandes atos de grandeza e valor,” ela fez outra pausa, de forma pensativa “mas você tem demonstrado que os nomes não fazem a pessoa. Nem tem qualquer influência no que essa pessoa se transforma.” Com estas palavras, ela virou as costas para Lissa e continuou sua passagem pela mesa.
Eu tinha que reconhecer que foi uma verdadeira humilhação pública. Se ela tivesse alguma advertência para fazer a Lissa, que falasse em particular. Toda sala parecia compartilhar o choque com Lissa. Ela era muito querida pelos estudantes e ninguém conseguia se opor a ela, de tão doce que era.
Assim que o jantar terminou, Lissa se levantou e saiu rapidamente para fora do salão. Rose a seguiu discretamente. Eu permaneci ali, em meu posto, ainda sem me mover, sem poder sair dali, até que as formalidades terminassem. Quando finalmente isso aconteceu, dei uma volta pelo salão a tempo de ouvir um grupo de alunos conversando.
“Onde está a nossa tão prestigiada Princesa? Não a vejo por aqui.” Mia Rinald falou para o grupo que lhe cercava, com seus olhos vasculhando o salão, obviamente se referindo a Lissa.
“Eu vi quando ela saiu em direção ao pátio da área externa, seguida por sua prima, Natalie.” Outra garota falou, com um sorriso malicioso.
“Então, vamos aos cumprimentos.” Mia falou ironicamente, liderando o grupo para fora. Eu pude sentir a confusão se formando, principalmente, porque Rose estava lá também. Imediatamente, comecei a seguir o grupo, mas uma mão tocou em meu braço.
“Guardião Belikov!” Victor Dashkov falou assim que eu me virei.
“Príncipe Dashkov.” Eu falei fazendo uma pequena reverência com a cabeça e tentando disfarçar, enquanto meus olhos seguiam o grupo que se afastava.
“Eu estava mesmo querendo lhe falar. Soube que você tem feito um notável progresso com Rosemarie. Ouvi falar que a melhora no comportamento dela está sendo visível, assim como a recuperação do tempo de treinamento perdido.”
Seus olhos me estudavam com bastante atenção, tive a rápida impressão que ele buscava alguma reação em meu rosto.Seus olhos verde-jade estavam fincados em mim. Mas eu me mantive neutro, como sempre era, em qualquer assunto.
“Rose ainda tem um longo caminho para recuperar. Ela está apensa no começo.”
“Sim, ela está.” Ele falou ainda me analisando. “Essa é a parte boa de ser tão jovem: ter tempo de sobra para recuperar o que foi perdido. Tempo é uma coisa que ela tem bastante, já que tem apenas dezessete anos.” Ele enfatizou bem a voz nestas últimas palavras e eu me perguntei se ele desconfiava do que eu estava sentindo por Rose. Não, era impossível dele saber de algo. Eu era bom em trancar meus sentimentos sobreo que quer que fosse. Além do mais, Victor nos via pouco, não tinha como observar isso.
“E Rosemarie teve muita sorte de ter você em seu caminho.” Ele continuou, com um pequeno e astuto sorriso “não são todos que podem ter um mentor com uma reputação tão bem construída como a sua.” Ele apontou para um grupo de jovens dhampirs que conversavam “por mais dedicados que sejam, eles nem se quer imaginam o que lhes aguardam fora dos portões da Academia.”
Eu permaneci sério, mas lembrei que aquilo era uma das coisas que eu mais falava para Rose. Olhei para o grupo de novatos para o qual Victor tinha apontado.
“De fato, eles nem imaginam.” Constatei.
“Bem, Guardião Belikov, fico muito feliz por você dedicar seu tempo a Rosemarie. Eu a conheço desde criança, sempre espero o melhor para ela.” Ele falou, já parecendo muito cansado. “Eu devo me recolher agora, mas ainda estarei na Academia, amanhã pela manhã. Gostaria de conversar com você um pouco sobre algo que me intrigou bastante: a ligação entre Vasilisa e Rosemarie. Você conseguiria um tempo para mim?”
“Claro, lhe procurarei amanhã, logo após o meu treino com Rose.”
Ele se despediu de mim e eu andei rápido, em direção ao jardim principal da Academia.
Segui para o pátio principal, onde tinha uma grande estátua de St. Vladmir. Era um lugar que seguia bem o estilo exterior da Academia, parcialmente coberto, para evitar que os raios de sol causassem incomodo aos Morois. Era cercado por árvores que tinham perdido as folhas por causa do outono e chegada do inverno. Também tinha vários pequenos caminhos que levavam a outros jardins. Andei rapidamente por eles, até que avistei Rose, Lissa e Natalie confrontando o grupo de Mia Rinaldi.
“É? Experimente me tocar agora e descubra isso.” Pude ouvir Rose falando raivosamente para Mia, enquanto eu me aproximava. Eu olhei para o grupo e meus olhos pararam nela. O que Rose estava fazendo? Se ela entrasse em uma briga agora, estaria espulsa. Andei e parei ao seu lado, cruzando os braços e me voltando para o grupo que se fechava em torno delas. Era tudo que Rose não precisava. Se envolver em uma confusão justamente quando a rainha visitava a Academia.
“Está tudo bem?” Perguntei com o rosto mais sério que eu tinha, olhando para cada um daquele grupo.
“Certamente, Guardião Belikov.” Rose respondeu com uma voz raivosa “nós estamos apenas trocando histórias familiares. Você conhece a de Mia? É facinante.” Pude sentir uma nota de ironia em sua voz.
“Vamos.” Mia falou, para seu grupo. Enquanto se afastava, olhou vingativamente para Rose. Eu os observei sair, me perguntando por que isso acontecia nas escolas. O mundo que os aguardava já era muito perigoso por si só, não era necessário que eles se levantassem uns contra os outros.
“Eu tenho que lhe levar de volta ao seu dormitório.” Falei secamente “Você não estava prestes a começar uma briga, estava?”
“Claro que não.” Rose falou sem tirar os olhos pelo caminho onde Mia e seu grupo tinha seguido “eu não começo uma briga onde as pessoas conseguem ver.”
“Rose...” Lissa falou baixo, sugerindo uma repreensão.
“Vamos.” Falei duramente para Rose. Eu não podia deixar que as horas de treinamento fossem arruinadas por pirraças estudantis. Olhei para Lissa. “Boa noite, Princesa.” Eu me virei e comecei a andar, esperando que Rose me seguisse.
“Você vai ficar bem, Liss?”
"Eu estou bem."
“Liss...”
“Eu já disse que eu estou bem. Você tem que ir.”
Eu continuei andando, sem diminuir meus passos, enquanto ouvia as duas se despedirem. Pouco tempo depois, senti Rose me alcançar. Nós seguimos para fora do jardim, indo em direção aos dormitórios dhampirs.
“Nós deveríamos acrescentar um treinamento extra de autocontrole.” Observei, externando meus pensamentos. Não bastava para Rose somente disciplina e seriedade. Ela tinha um temperamento explosivo que podia colocar tudo a perder, dependendo das ircunstancias. Ela deveria aprender a controlar seus instintos e tentar ignorar coisas que a tirassem do sério. Era uma coisa muito difícil de se fazer, mas não era impossível. De certa forma, era indispensável ao um guardião.
“Eu já tenho um abundante autocontro- Ei!” ela começou a falar, mas se interrompeu ao ver Christian Ozera passando, seguindo pelo mesmo caminho pelo qual tínhamos vindo.
“Você está indo ver Lissa?” Ela começou a andar atrás dele, furiosamente.
Definitivamente, ela precisava de aulas extras de autocontrole.
“E seu eu estivesse?” Ele falou de forma indiferente, parando com as mãos nos bolsos, despreocupadamente.
“Rose, não é hora para isso.” Falei duramente. Mas ela me ignorou deliberadamente, ainda se voltando para Christian.
“Por que você não a deixa em paz? Você está tão ferrado e desesperado por atenção que não consegue enxergar quando alguém não gosta de você.” Ele a olhou com raiva, mas isso não a impediu de continuar “Você é um tipo de assediador louco e ela sabe disso. Ela me contou tudo sobre sua estranha obsessão – de quando estão no sótão juntos e de quando você ateou fogo em Ralf para impressioná-la. Ela lhe acha esquisito, mas é muito bondosa para falar alguma coisa para você.”
Que história de sótão era essa?
Novamente, Rose estava sendo infantil e imatura. Ela não podia escolher as amizades de Lissa. Se Lissa tinha alguma coisa contra Christian, que ela mesma falasse para ele. O que as duas conversavam, ou não, deveria ficar entre as duas. Mas Rose estava traindo a confiança da amiga, revelando para Christian o que Lissa supostamente achava dele. Se é que o quê ela estava falando era verdade.
Ele ficou pálido, com o olhar totalmente negro acrescentou “mas você não é bondosa?”
“Não. Não quando eu sinto desprezo por alguém.”
“Já chega.” Coloquei toda dureza que pude em minha voz e comecei a andar novamente, passando claramente a mensagem de que era hora de ir e que não estava gostando da direção que aquela conversa dela estava tomando. Ela entendeu e começou a me seguir.
“Obrigado pela ajuda, então.” Christian falou ironicamente.
“Não há de quê.” Rose respondeu, com igual ironia.
Nós caminhamos em silêncio e deixei Rose em frente ao corredor que levava para a ala dos aprendizes. Segui para o meu quarto e não demorei a dormir, naquela noite.
Então, o telefone tocou. Ainda tonto de sono, levantei e olhei as horas. Passava das três da manhã, no horário vampírico.
“Pois não?”
“Guardião Belikov?” a voz atenta chamou do outro lado da linha “Aqui é Lana Kaster, da inspetoria dos dormitórios.”
“O quê aconteceu, desta vez?” perguntei, enquanto me levantava.
“Estou aqui com sua aluna Rose Hathaway.” Sua voz era baixa, quase um sussurro. “Ela insiste que precisa falar com você. Diz que é uma emergência e que precisa lhe reportar algo. Sua aparência é realmente preocupada.”
“Está bem. Estou indo.”
Desliguei o telefone já completamente em alerta. Para Rose me procurar no meio da noite assim, algo grave deveria ter acontecido. Troquei de roupa em um minuto e fui ao banheiro jogar uma água no rosto. Prendi meu cabelo para trás e sai descendo as escadas apressadamente. Abri a porta que levava ao hall principal e vi Rose em pé ao lado da inspetora. Pela sua expressão totalmente preocupada e angustiada, pude deduzir assim que a olhei.
“Lissa.”
Ela acenou e então, sem mais uma palavra, saímos do nosso dormitório e seguimos para o dormitório dos Morois. O sol forte brilhava lá fora. Era algo raro de nós vermos, já que seguíamos um horário noturno, mas era algo que eu adorava. Passamos pelos pátios, até chegarmos ao nosso destino.
Quando entramos no dormitório dos Morois, a inspetora nos laçou um olhar assustado, obviamente sem esperar uma visita como a nossa à uma hora daquelas, mas ela me olhou e não fez nenhum movimento para nos impedir de entrar.
“Ela está no banheiro.” Rose falou e seguimos para lá. Eu não fazia a mínima ideia do que estava acontecendo, ela não tinha adiantado nada, durante o percurso que fizemos até o dormitório e nem agora. Mas de uma maneira inexplicável, contrariando a minha própria forma de pensar, eu confiava em Rose e confiava no que ela estava fazendo. Então eu apenas a segui.
Quando chegamos em frente a porta do banheiro, a inspetora fez um gesto de quem ia entrar, mas Rose tomou a frente.
“Ela está muito chateada, deixe que eu fale com ela sozinha primeiro.” Rose falou e eu achei que seria mais prudente fazer isso, afinal de contas, ainda não sabíamos o que estava acontecendo, ao contrário de Rose, que podia sentir o que se passava com Lissa.
“Sim. Dê a elas um minuto.” Falei para a inspetora.
Rose caminhou até a porta, que estava trancada e deu três batidas suaves.
“Liss? Deixe-me entrar.”
Um soluço veio lá de dentro. Logo depois, a porta abriu e Rose entrou.
Nós aguardamos do lado de fora por alguns minutos que pareciam intermináveis. Sem controlar minha ansiedade, fui até a porta e bati. Eu precisava saber se estava tudo bem com Lissa.
“Rose?”
“Só um segundo” Ela respondeu.
Mais alguns minutos se passaram e a inspetora estava totalmente impaciente. Eu também, mas tentei me manter sereno.
“Não podemos ficar aqui fora esperando a noite toda.” Ela falou baixo para mim “Vamos ver o que está acontecendo.”
Eu assenti e ela se dirigiu até a porta.
“Nós estamos entrando.” Ela disse, enquanto empurrava a porta entreaberta. Assim que entramos, me deparei com uma cena chocante. Lissa estava completamente coberta de sangue. Sua roupa estava ensopada, havia também sangue no seu rosto e em parte dos seus cabelos. Ela chorava sem parar. Imediatamente, corri para ela, tentando descobrir o que tinha causado tudo aquilo.
“Não é meu,” ela se apressou em falar, olhando para mim, certamente percebendo minha expressão preocupada. “É... é do coelho...” sua voz ainda estava embargada.
Eu a analisei por um momento, procurando por algum ferimento que pudesse ter causado aquilo. Vi apenas dois curativos em seus pulsos, mas que pareciam pequenos demais para tanto sangue. Percebendo que realmente o sangue não era dela, fiz a pergunta mais óbvia.
“Que coelho?”
Rose a olhou com ar de quem queria fazer a mesma pergunta. Então, Lissa apontou para a lixeira do banheiro, suas mãos ainda tremendo bastante.
“Eu limpei. Para que Natalie não visse.” Lissa estava chorando e tremendo muito. Sua voz não passava de um sussurro.
Com um único movimento, eu e Rose olhamos dentro da lata de lixo. Imediatamente, Rose puxou seu rosto para trás, tentando superar a ânsia de vômito. Eu permanecei olhando lá dentro por um tempo ainda, tentando entender o que tinha ali. Lá tinha o que eu podia chamar dos restos de um coelho. Realmente, eu só sabia que era um coelho porque Lissa tinha falado. O animal estava totalmente dilacerado. Havia também muitas toalhas de papel, ensopadas de sangue e o cheiro era péssimo.
E caminhei até Lissa, lhe oferecendo alguns lenços de papel. Ela os pegou e eu m abaixei um pouco, para que pudéssemos fazer contato visual.
“Diga a mim o que aconteceu.” Falei mansamente.
“Eu cheguei há mais ou menos há uma hora e ele estava aqui. Bem ali, no meio do chão. Destruído. Foi como se ele tivesse... explodido. Eu não queria que Natalie o encontrasse. Eu não queria que ela se assustasse... então eu – eu limpei tudo. Então eu simplesmente não podia... não podia voltar...” Ela começou a chorar ainda mais. Minha mente girava tentando entender estas últimas palavras dela, mas elas não me faziam sentido.
“Ninguém deveria ser capaz de entrar nestes dormitórios! Como isto está acontecendo?” Exclamou a inspetora. E a ignorei e continuei.
“Você sabe quem poderia fazer isso?” perguntei gentilmente, tentando passar segurança para ela.
Chorando e tremendo, Lissa colocou a mão no seu bolso e tirou um pequeno papel escrito, encharcado de sangue. Ela me entregou e eu abri. Rose se aproximou para ler também.
Eu sei o que você é. Você não vai sobreviver estando aqui. Eu vou me certificar disso. Vá embora agora. É o único jeito de você, talvez, sobreviver a isso.
A inspetora finalmente assumiu seu papel e falou com atitude, perdendo todo choque inicial “Vou chamar Ellen.” Para mim, sempre soava estranho quando alguém chamava a Diretora Kirova pelo seu primeiro nome.
“Diga a ela que estaremos na clínica médica.” Falei, antes que ela saísse pelo corredor. Eu esperei que ela estivesse completamente fora de vista, para me voltar a Lissa “você deveria se deitar.”
Lissa parecia em estado de choque e ficou ali parada por uns momentos, sem se mover. Ela precisava descansar, estava claro que não podia ficar por mais tempo ali, revivendo aquele acontecimento tão macabro. Olhar para ela ali, tão frágil era preocupante.
Percebendo que ela não sairia do lugar, Rose a puxou pelo braço, suavemente.
“Vamos, Liss. Vamos sair daqui.”
Pouco a pouco, Lissa começou a andar e, bem devagar, conseguimos chegar a clínica médica. Nos horários normais, sempre havia um médico de plantão. Naquela hora da madrugada, só tinha uma enfermeira lá. Quando chegamos, ela se propôs a chamar um dos médicos da Academia, mas eu recusei. Lissa não estava ferida. Ela só estava assustada com o que tinha acontecido. “Ela só precisa descansar”
Lissa mal havia deitado em uma das macas, quando Kirova chegou com Alberta e mais dois guardiões, falando sem parar, nos enchendo de perguntas. Em uma atitude completamente protetora, Rose se colocou entre eles e Lissa, bloqueando a passagem.
“Deixem ela em paz! Vocês não estão vendo que ela não quer falar sobre isso? Deixem ela dormir um pouco, primeiro.”
“Srta. Hathaway.” Kirova se impôs para Rose “Você sendo inconveniente, como sempre. Eu nem sei o que você está fazendo aqui.”
Antes que Kirova começasse com um imenso sermão, àquelas horas da madrugada, eu bati em seu ombro e pedi para falar com ela, em particular. Ela consentiu em me seguiu até o corredor.
“Espero que você tenha uma boa explicação para tudo isso, Guardião Belikov. As regras não são mais respeitadas nesta escola? Até onde eu sei, o toque de recolher de Rose Hathaway não está suspenso. Tampouco suas restrições no que se refere a visitar Vasilisa. Não me admiro destas coisas terríveis estarem acontecendo! Tudo parece totalmente fora de controle.” Ela exclamou irritada, em um tom de voz totalmente inapropriado para o local.
“Diretora Kirova,”comecei falando baixo e firme “não existe quebra de regra alguma aqui e Rose está totalmente ciente de suas restrições-“
“Não é isso que eu estou vendo aqui-” Ela me interrompeu, eu continuei, ignorando seu comentário.
“Rose foi até a Princesa comigo. Eu a levei até o dormitório Moroi.” Senti meu sotaque russo soar forte, apesar do meu tom de voz estar calmo “Ela sentiu que Vasilisa estava com problemas, através da ligação e me alertou, afinal, eu sou o guardião da Princesa.”
“Que seja, mas você poderia resolver isso de outra forma. Não precisava trazê-la.”
“Eu achava que já tinha ficado bem claro que Rose era responsabilidade minha. Não estou interessado em descumprir regras, Diretora. Eu tive razões para trazê-la e estamos nos desviando do nosso foco com essa conversa. Existe alguém ameaçando a Princesa” mostrei a ela o bilhete ensopado de sangue que Lissa havia me entregue, “alguém que não fazemos a menor ideia de quem seja.”
Ela leu o bilhete rapidamente, sem tocá-lo e depois ficou pensativa por alguns momentos.
“Temos que começar uma investigação séria sobre isso. Descobrir de onde está partindo isso, é o nosso foco.” Falei e finalmente, pude ver compreensão nela.
“Nos reuniremos amanhã, para tratar disso.” Ela suspirou por fim.
“Perfeito.” Concordei “Por agora, acho prudente deixar Vasilisa descansando aqui.” Eu a olhei firmemente “Rose ficará com ela.”
“Guardião Belikov-“
“Vasilisa está muito fragilizada e ela precisa ter alguém que ela confie por perto. Não podemos ignorar a amizade das duas. Está decidido. Rose ficará.”
Ela respirou fundo, vendo que não tinha argumentos contra mim, caminhou novamente para a sala onde Lissa descansava.
“Você poderá ficar com ela por um tempo” Kirova falou duramente para Rose e depois se voltou para o restante das pessoas que ali estavam “Nós mandaremos os zeladores limparem e fazerem uma investigação no banheiro e no quarto da Srta Dragomir, e então discutiremos a situação com maiores detalhes, pela manhã.”
“Não acordem Natalie” Lissa sussurrou “Eu não quero que ela se assuste. De qualquer forma, eu já limpei tudo lá no quarto.”
Kirova a olhou, claramente duvidando que Lissa tivesse sido capaz disso. Permanecemos ali por pouco tempo, e depois saímos, deixando Rose e Lissa sozinhas.
Eu voltei ao meu dormitório, ainda intrigado com tudo que tinha acontecido.
Na manhã seguinte, depois do treino com Rose, fui encontrar com Victor Dashkov. Passei pelo prédio dos guardiões e lá já tinha um recado dele, avisando que ele já me aguardava em uma das salas sociais da ala dos visitantes. A academia possuía uma espécie de dormitório para visitantes, que tinha quartos confortáveis e amplas salas de estar. Geralmente, eram utilizados por pais que vinham visitar seus filhos na Academia. Quando cheguei, Victor estava sentando em um dos sofás, lendo o jornal do dia. Percebendo a minha entrada, ele abaixou o jornal e sorriu amigavelmente, enquanto o dobrava.
“Guardião Belikov!” Ele me saudou, estendendo a mão para uma poltrona à sua frente “Vamos, sente-se.”
“Príncipe Dashkov.” Respondi, inclinando levemente a cabeça, como forma de reverência e respeito.
Eu me dirigi para onde ele apontava e o olhei. Cada dia mais, sua aparência era chocante. Suas mãos tremiam bastante, quase sem forças. Sua pele tinha perdido toda vitalidade e sua voz soava sempre cansada.
“Eu soube do que aconteceu com Vasilisa ontem à noite. Uma lástima. Vocês já têm alguma idéia de quem poderia fazer isso com ela?”
“Ainda não. Eu vim diretamente do treino extra de Rose. Ainda não me reuni com a Diretora Kirova para tratar deste assunto. Farei isso logo mais.”
“Ah, Rosemarie. Ela tem se dedicado muito a estes seus treinos, pelo que eu ouvi.” Ele falou e seus olhos verde-jade me analisavam minuciosamente. Pelo menos eu tive essa impressão.
“Sim, ela tem.” Falei secamente. Ele ainda me olhou por um instante e suspirou, enquanto se acomodava no sofá.
“Acho que eu já lhe falei que ela tem muita sorte em ter um mentor tão dedicado-.” Ele falou, quase sorrindo, mas foi interrompido por um acesso de tosse.
Eu não respondi, apenas permaneci olhando para ele, mantendo meu rosto imparcial.
“Eu sei que você tem muitos afazeres aqui na Academia, não quero tomar mais do seu tempo,” ele continuou “por isso vou direto ao ponto, sem mais delongas. Fiquei muito curioso quando você mencionou, na outra ocasião, que Vasilisa e Rosemarie têm uma ligação. O que você sabe sobre isso?”
“Bem, Príncipe Dashkov, o que eu sei são apenas histórias. Uma delas do próprio St. Vladmir, que dá nome a esta escola.” Tentei ser o mais evasivo possível. Victor me olhou de forma astuta.
“Claro... Apenas histórias... É tudo que sabemos.” Ele fez uma pequena pausa e eu tentava imaginar onde ele queria chegar. “Uma destas histórias está se materializando bem na nossa frente. Uma ligação destas não aparece do nada, disso nós também sabemos. É preciso de dois elementos para que isso aconteça: um usuário do espírito e um shadow kissed.” Ele fez uma pequena pausa. “Eu suponho que você também saiba como surgem os shadow kissed?”
Claro que eu sabia. Eram pessoas que supostamente tinham morrido e depois tinham sido trazidas de volta por usuários do espírito. O espírito era um elemento muito raro, pouquíssimos Morois tinham esse dom, por isso, pouco se sabia a respeito.
Eu apenas assenti e ele prosseguiu “Vasilisa não se especializou em nenhum elemento que conhecemos. No entanto, ela possui certas características bem típicas de um usuário do espírito.” Ele se tornou pensativo, seus olhos olhando para um ponto distante, como se olhasse diretamente para o passado “Certa vez eu conheci um. Eles se parecem muito. Em sua essência, quero dizer.”
Eu ouvia tudo atentamente. Eu tinha lido bastante a respeito disso, vários arquivos guardados dos guardiões. Mas eu nunca tinha conhecido um usuário do espírito. Era realmente uma coisa fascinante. Victor, não se importando com o crescimento do meu interesse naquele assunto, continuou a discorrer tudo que sabia.
“Eles são capazes de feitos incríveis e isso é muito bom para os que os cercam... mas nada vem sem conseqüências. O poder do espírito é muito grande e isso causa um efeito colateral em seus usuários. Ele os deixa loucos. Completamente.”
“A Princesa me parece bastante saudável.” Eu provoquei, apesar de entender bem o que ele falava. Ele balançou impacientemente as mãos, acenando negativamente a cabeça.
“Não, não. É um processo gradativo. Ela é desenvolvida conforme o uso.”
“E onde Rose entra nisso tudo?” Perguntei sem mais conter a minha curiosidade e me arrependi no momento que as palavras saíram, pois Victor me olhou com um ar zombeteiro.
“Rose sempre lhe interessa, não Guardião Belikov?”
“Claro. Ela é minha aluna. Não está sendo um trabalho fácil treiná-la. Qualquer coisa que a desvie desse foco, deve ser conhecida. Ainda que seja uma ligação espiritual.” Tentei disfarçar, sabendo que estava soando idiota, levando a conversa para o lado profissional. Aparentemente não tinha adiantado. Era como se Victor pudesse ler meus pensamentos. Ele ainda me olhava com sorriso nos olhos.
“Como eu disse, você é um mentor muito dedicado.” Ele me olhou ainda por um tempo e depois prosseguiu. “Eu tenho grandes razões para acreditar que Rosemarie morreu no acidente que vitimou os pais e o irmão de Vasilisa. Você algum dia teve a curiosidade de ler o laudo da perícia?”
Eu respondi que não com a cabeça. Realmente esse acidente nunca havia me interessado.
“Bem, foi um acidente terrível. Principalmente no lugar onde Rosemarie estava. Acredite em mim, não tinha como ela sair viva dali. Os peritos atestam isso. Foi um verdadeiro milagre.”
“Você está sugerindo que Vasilisa a trouxe de volta a vida?”
“Sim. Como ela seria uma shadow kissed, então?”
“De fato, precisaria de um acontecimento deste para que elas desenvolvessem essa ligação.” Eu pensei alto, associando as peças. Eu tinha lido que a ligação só aparecia quando uma parte era trazida de volta a vida, mas eu nunca tinha associado isso ao acidente que elas tinham sofrido dois anos atrás. Definitivamente, eu teria que ler os laudos sobre este acidente.
“Isso me preocupa. E muito.” Ele me olhou seriamente “eu sou tio de Vasilisa – por afinidade, claro – ela não tem mais parentes. E Rosemarie, esta vitaliciamente ligada a ela agora. Uma jamais conseguiria viver sem a outra. Também podem atrair a cobiça de muita gente. A Diretora Kirova me mostrou o bilhete que foi deixado para Vasilisa, junto ao animal morto. Alguém mais sabe sobre isso. Alguém que não gosta dela.”
Eu podia ver a preocupação latente em seus olhos. “Você é o guardião de Vasilisa. Eu sei que é inútil lhe pedir isso, já que é a sua natureza dar a vida por seu protegido, mas eu só ficaria tranqüilo, se pudesse ouvir de você. Prometa que vai protegê-la dessa ameaça.”
Eu entendia plenamente seu desespero e necessidade em proteger Lissa. Mas eu nunca imaginei que ele pudesse ter tanta preocupação com a segurança de Lissa. Ele tinha razão, eu nunca deixaria um protegido meu em perigo.
“Eu prometo, Principe Dashkov. Jamais deixarei que qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, atinja a Princesa.”
Ele sorriu satisfeito, conseguindo, finalmente, relaxar.
“Eu preciso ir agora,” ele suspirou, parecendo que tinha feito muito esforço físico. “Meu avião já deve estar pronto para me levar de volta para casa. É sempre muito interessante conversar com você, Guardião Belikov.”
Eu acenei “Igualmente, Príncipe Dashov.”
Ele se levantou e eu o observei se afastar pelo corredor. Algo soava estranho nele, eu não sabia o que podia ser, mas as coisas não pareciam normais. Eu me perguntava qual perigo um senhor tão debilitado como ele poderia oferecer.
Ele desapareceu das minhas vistas e eu fiquei ali, por um tempo ainda, pensando em tudo que tínhamos conversado.
Quando saí do encontro com Victor, passei direto para a sala de Kirova, para tratarmos do que aconteceu no quarto de Lissa. Passei por vários grupos de alunos que se agitavam como se um fato novo tivesse ocorrido. Eu já podia imaginar o que era. Eles deviam estar ainda comentando sobre a visita da rainha. Cheguei ao meu destino, Alberta já estava lá, com Kirova, remexendo alguns papéis.
“Desculpem o atraso. O Príncipe Dashkov se demorou mais do que o previsto na conversa.” Me justifiquei.
Alberta levantou seus olhos, me entregando alguns papéis com fotos do coelho que Lissa encontrou. De fato, eu tinha uma boa resistência, pois consegui olhar para aquelas imagens horríveis sem ter qualquer reação.
“Não existe pista alguma. Nada de diferente foi encontrado na limpeza do quarto e do banheiro. Nem sequer sabemos com que esse coelho foi destruído, podia ter sido com qualquer coisa, até mesmo com as mãos.” Ela me falou, enquanto eu folheava os papéis. O pior é que era isso mesmo. Não havia cortes retos no animal e isso eliminava o uso de qualquer objeto cortante. De qualquer forma, tinha sido feito por alguém muito cruel.
“As câmeras de segurança da entrada do dormitório registraram algo?” Perguntei.
“Não.” Falou Alberta. “Nada de anormal. Os corredores dos quartos não possuem câmera, para proteger a privacidade dos alunos, nada foi registrado pelas câmeras das outras áreas. Nenhum estudante carregando um pacote ou algo que levantasse a nossa suspeita. Nem sabemos como alguém conseguiu trazer um coelho para dentro do campus. Na floresta que nos cerca, não tem esse tipo de animal.”
“Também interrogamos Natalie Dashkov” Acrescentou Kirova. “Mas ela ficou quase tão chocada quanto Vasilisa. Ela afirma não ter visto ou ouvido nada. Ela diz que dormiu a noite inteira e nada a acordou.”
Era realmente um grande mistério. Sem pista alguma. Sem qualquer pessoa que pudesse ser considerada suspeita.
“É realmente intrigante, tudo isso.” Falei em meio aos meus pensamentos. “Inclusive o fato da colega de quarto da Princesa não ouvir nada.”
“Chegamos a cogitar o fato de Natalie ter sido dopada.” Respondeu Alberta. “Mas o Príncipe Victor Dashkov não nos autorizou a examinar sua filha. Ele achou desnecessário e muito invasivo.”
Aquilo me intrigou ainda mais. Era uma clara falta de cooperação dele. Não combinava nada com a preocupação com Lissa, que ele tentou demonstrar mais cedo.
“Bem, não nos resta nada mais a não ser redobrar nossa vigilância.” Kirova falou, vencida.
“Podemos colocar guardiões em alerta. Eles podem ficar em lugares estratégicos somente para observar qualquer atitude suspeita. Recomendaremos que eles atuem com discrição. Quem fez isso, fará novamente, principalmente se pensar que não vamos fazer nada. Que não demos atenção ao fato.” Eu sugeri e as duas pareciam felizes com a minha idéia.
Quando sai da sala de Kirova e segui para uma das minhas aulas, percebi que o agito anterior tinha aumentado. Quando virei um dos corredores, no caminho da minha sala de aula, pude ouvir um grupo de garotas Morois conversando. Diminui os meus passos ao ouvir o nome de Rose em alto e bom som.
“... mas Rose Hathaway sempre foi assim. Uma vadia. Imagino o que ela aprontou enquanto esteve fora, sem toda essa vigilância da Academia... Deve ter aprimorado suas técnicas.” A garota falou maliciosamente e as demais riram em concordância. Ao verem que eu me aproximava, a conversa se tornou quase um sussurro inaudível. Normalmente, eu ignoraria esse tipo de coisa, mas não me contive em ir até elas.
“Senhoritas, eu suponho que já estejam atrasadas para suas aulas.” Falei duramente, parando de braços cruzado em frente ao grupo. Meu rosto não deveria ser o muito amigável, pois elas me olharam assustadas e se dispersaram quase que imediatamente. Será que ninguém nunca se cansaria de comentar sobre Rose e Lissa?
Prossegui com minha aula, sempre escutando alguns murmúrios. Eles estavam realmente mais agitados que o normal. Tive que parar para pedir atenção da turma várias vezes. Ao terminar, chamei um dos alunos que era um dos mais indisciplinados e fracos da turma, chamado Greg Helvas. Não era muito do meu feitio fazer isso, mas eu estava sentindo cheiro de algo grande acontecendo entre os alunos e ninguém me contaria o que era, de bom grado.
Coloquei uma cadeira de frente para outra, bem ao estilo interrogatório, e apontei para que ele se sentasse. Lancei um olhar altamente furioso para ele, de forma que ele entendesse que eu não tinha tempo e nem paciência para brincadeiras. Ele me olhou com um certo pavor.
“O que está acontecendo?” Perguntei diretamente.
“Guardião Belikov, eu não tenho culpa de nada.” Ele se defendeu, quase tremendo de medo. “Toda essa história começou pelos Morois.”
“Que história?”
“Sobre Rose Hathaway.”
“Sr. Helvas, você deve saber que não tenho o dia inteiro para jogar conversa fora com você. Portanto, fale logo!” Disse, enquanto me inclinava para frente, apoiando os meus cotovelos próximo aos joelhos, de forma que fiquei ameaçadoramente frente a frente com ele.
“Bom... Bem... É que... A-Aquele J-Jesse Zeklos” Ele começou, sem conseguir juntar as palavras. Eu podia ver pequenas gotas de suor brotarem de sua testa. Novamente o Zeklos. Senti toda onda furiosa daquela noite que o flagrei com Rose voltar a mim.
“Ele contou a todos da escola que Rose serviu como alimentadora de Lissa, enquanto elas estavam fugindo. Disse que Rose contou isso a ele, bem digamos, errr...” Ele começou falando rápido, quase sem respirar mas parou neste ponto, se sentindo constrangido “ele disse que ela contou a ele quando eles dormiram juntos.”
Eu não podia acreditar que aquele garoto Zeklos tinha feito isso. Tentei guardar toda aquela mistura de sentimentos dentro de mim, enquanto ele continuava.
“Jesse disse que Rose é uma meretriz de sangue. Que ela deixa que os garotos Morois bebam seu sangue, quando dorme com eles. Ralph confirmou tudo. Ele disse que também já tinha feito isso com ela.”
Eu olhei para ele, sentindo que minha fúria estava sendo irradiada por aquele olhar. Mas quando minhas palavras saíram, foram surpreendentemente calmas e controladas.
“Muito bem, Sr. Helvas. Acho que eu já tenho o bastante. Obrigado pela sua contribuição. Pode ir.”
Ele ainda estava assustado, tanto que demorou a entender que eu o tinha liberado. Quando ele finalmente se levantou para sair, eu segurei o seu braço, ficando em pé ao seu lado. Ele devia ter pouco mais de um metro e setenta, de forma que pareceu minúsculo perto de mim. Eu o olhei por cima, minha voz saiu sombria.
“Não quero ver você novamente contando esta história por aí. Essa não é uma postura que deve ser vista em um futuro guardião. Agora vá!” Ele assentiu, balançando rapidamente a cabeça e saiu quase correndo.
Eu tentei colocar meus pensamentos em ordem, ao mesmo tempo que tentava trancar tudo dentro de mim. Eu não podia sair brigando com todos que falassem maldades sobre Rose. Isso só alimentaria mais rumores e fofocas. A cada dia que eu convivia com Rose e eu a conhecia mais, sabia que as histórias contadas sobre ela raramente eram verdade. Ela não era uma garota com tanta experiência com rapazes como contavam. Eu podia ver uma pureza e ingenuidade vinda dela, principalmente quando eu deixava escapar um olhar não tão profissional. Definitivamente, ela não era esse tipo de garota que falavam. Muito menos, uma meretriz de sangue. Eu tinha certeza disso. Era algo dentro de mim que me dizia que ela não era assim.
Uma parte da fofoca era verdade. Ela tinha sido alimentadora de Lissa, durante a fuga, mas até isso eu entendia com clareza. Rose estava apenas seguindo seu sentimento de dever. Ela sabia que Lissa morreria sem sangue e esta foi a forma de livrar a sua protegida da morte. Não era apenas os Strigois que ameaçava a vida dela. Era aquilo que as pessoas não conseguiam alcançar. Rose entendia o que era ser uma guardiã e isso a fazia uma das melhores que eu já tinha visto.
Resolvi procurar por Rose para saber como ela estava. Sai pelo campus, observando cada grupo reunido. Todos pareciam comentar a mesma coisa. Aquela história maldosa tinha se espalhado como pólvora.
Passei por frente da porta da sala do Sr. Nagy onde Lissa e Rose tinham sua última aula do dia. Olhei pela fresta do basculante de uma das janelas que dava para o corredor interno. A aula estava perto do final e o pobre do Nagy não conseguia conter a turma em polvorosa. Parecia que todas as aulas do dia tinham sido dessa forma. Esse novo assunto era realmente o mais quente dos últimos tempos para eles.
Procurei Rose entre os alunos e ela estava, como sempre, sentada ao lado de Lissa, seus olhos olhando furiosamente para Jesse Zeklos. Christian estava virado para elas.
“Isso é loucura. Rose nunca – Rose?” Lissa falou, quase chorando. Eu afiei ainda mais meus ouvidos dhampir para captar a conversa. Elas sentavam há duas fileiras da janela, não era difícil de ouvir o que falavam. Provavelmente estavam tomando ciência daquela conversa toda, naquela hora. Rose ainda olhava de forma compenetrada para Jesse e Ralph, que estavam quase ao lado delas. Ela parecia que podia matá-los a qualquer momento. O professor estava de costa, fazendo uma longa anotação na lousa e, aparentemente, não notou todo aquele drama que se desenrolava ali.
“Nós não fizemos nada que você não queria que nós fizéssemos.” Ele sorriu cruelmente “e nem pense em encostar um dedo em nós. Se você brigar, Kirova irá lhe expulsar e você viverá como uma meretriz de sangue.”
Ele tinha razão, pelo menos nesta última parte. Rose não poderia ceder a provocação e partir para briga. Seria o seu fim. Pelo que eu via de Kirova, ela não relevaria por mais que eu argumentasse, caso isso ocorresse. Torci mentalmente para que Rose não reagisse. Senti todo meu corpo ficar tenso, enquanto observada tudo. Toda classe pareceu dividir a mesma tensão que eu, pois um grande silêncio tomou conta dela.
Rose encarou os dois. E algo diferente passou por seu rosto. Sim, existia muita raiva e uma grande fúria neles, mas um ar de sabedoria também tomou conta dela. Em vez de responder com socos e pontapés. Ela simplesmente se levantou e saiu da sala, ao mesmo tempo que o sinal tocava. Lissa saiu atrás dela. Eu me movi rapidamente para fora, para que ninguém me visse ali. De longe, eu ainda pude ver as pessoas caçoando e rindo dela. Rose tinha se tornado uma grande piada para todos. Ela simplesmente agia como um zumbi, abaixando a cabeça e andando rápido, com se quisesse fugir. Lissa não saia do seu lado, como uma fiel escudeira, mas não havia nada que ela pudesse fazer para calar a boca da escola inteira.
Desisti de falar com Rose sobre isso. Confesso que fiquei impressionado com a sua reação diante de tudo. Em outras ocasiões, eu jamais imaginaria que ela engoliria a tudo calada. Era sempre esperado que ela reagisse sempre de forma tempestiva. Fui para o ginásio, logo ela chegaria para seu treino, então assumi que não comentaria nada a não ser que ela mencionasse o ocorrido. Eu não queria que ela ficasse constrangida e não queria que ela sentisse que teria que me dar explicações. Para mim tudo já estava mais que explicado. Era um rumor maldoso, inventado para provocá-la, para prejudicá-la, para denegrir a sua imagem. Eu não daria importância a isso.
Eu esperava que ela fosse chegar com um péssimo humor, cheia de piadas ácidas e descarregando tudo nos golpes das lutas. Mas, novamente, fui surpreendido. Rose entrou no ginásio, calada e com olhar perdido. A impressão que eu tinha era que ela começaria a chorar a qualquer momento. Eu não tinha tido idéia que tudo teria uma dimensão tão grande para ela. Eu queria dizer para ela que tudo passaria mais rápido do que ela imaginava, que logo essa fofoca seria substituída por outra e ninguém mais lembraria disso. Mas eu não falei nada. Ela agiu tentando passar uma força, obviamente envergonhada por tudo. Eu não queria que ela ficasse ainda mais constrangida, então agi como se nada tivesse acontecendo.
Eu tentei ser o mais amigável possível e deixar o clima mais leve, mas nada parecia adiantar. Quando o treino terminou, ela saiu, colocando sua mochila nas costas, sem sequer se despedir, andando rápido e de cabeça baixa, da mesma forma que eu a tinha visto fazer diante das chacotas. Fiquei olhando ela se afastar, sentindo um grande aperto no meu peito. Então tomei uma decisão. Eu não podia calar a boca das pessoas, mas podia fazer algo que a deixaria bastante feliz.
Terminei de guardar todos os equipamentos no quarto de suprimento e fui resolver algumas coisas. Quando tinha passado a hora de socialização dos estudantes, já próximo do toque de recolher, fui até o dormitório Moroi e pedi para a inspetora chamar Lissa.
A inspetora me olhou de forma interrogativa, mas eu não dei maiores explicações. Poucos minutos depois, Lissa surgiu pela escada. Eu a chamei para um canto, longe dos ouvidos da inspetora.
“Guardião Belikov. Que surpresa. Algo aconteceu? Algo com Rose?” ela começou a ensaiar um desespero. Eu me apressei em acalmá-la.
“Não, Princesa. Fisicamente Rose está bem. Mas eu suponho que toda esta história que corre por aí não fez muito bem a ela, emocionalmente, quero dizer. Então, imaginei que você poderia falar com ela, por uns instantes.”
“Ah, como eu gostaria disso!” Ela exclamou, mas olhou para baixo, de forma muito triste. “Mas eu não tenho permissão para vê-la fora do horário das aulas, não posso entrar em seu dormitório. E a nossa ligação é só por um lado. Eu não consigo sentir como ela está.”
“Eu posso lhe levar até ela.”
O rosto dela se iluminou completamente “Você faria isso? Seria quebrar as regras de Kirova.”
Eu dei o que seria a sombra de um sorriso, por alguns momentos eu revivi os meus anos de escola “A Diretora nunca saberá, se formos rápidos e discretos, vamos.” Lissa sorriu ainda mais, provavelmente nunca imaginando que ouviria aquilo de mim. Ela me seguiu quase saltitando.
Passamos discretamente pelo campus, sempre procurando o caminho menos utilizado pelas pessoas, passando pelas sombras. Chegamos ao prédio do dormitório dhampir e demos a volta para entrar por uma passagem que raramente era utilizada e quando era utilizada, somente guardiões passavam por lá. Era uma espécie de saída de emergência. Pedi que Lissa aguardasse ali, no pequeno hall que separava a entrada do corredor, enquanto eu ia buscar Rose.
Cheguei em frente a porta do quarto dela, e dei duas batidas leves. Poucos instantes se passaram e somente silêncio vinha dali de dentro. Aguardei um pouco mais, até que a porta abriu, revelando uma Rose totalmente abatida. Seu rosto estava inchado e seus olhos bastante vermelhos. Ela havia chorado e muito. Eu não pude deixar de estudar seu rosto, sentindo meu peito apertar. Saber que alguma coisa tinha causado tanto sofrimento a ela doía muito em mim. Tive vontade de abraçá-la dizer que estava tudo bem, mas eu não podia fazer isso. Não podia revelar meus sentimentos para ela. Desviei meu olhar dela, fixando em um ponto distante do quarto, tentando guardar dentro de mim tudo que eu estava sentindo por vê-la daquela maneira.
“Você está bem?” Perguntei gentilmente.
Ela me olhou fixamente, e eu pude ver que, apesar de sua aparência fragilizada, havia muita força e determinação nela.
“Não importa como estou, lembra? Lissa está bem? Tudo isso irá afetá-la.”
Rose era realmente fascinante. Com toda aquela turbulência passando por sua vida, ela ainda conseguia colocar Lissa em primeiro lugar. Aquilo era mesmo incrível. Algo difícil de se ver, mesmo em um guardião. Eu não falei nada, apenas pedi para que ela me seguisse, fazendo um sinal com a mão.
Nós passamos em silêncio pelas alas. Rose estava totalmente intrigada e absorvida pela curiosidade, provavelmente, tentando imaginar para onde eu a estava levando. Passamos para a parte de trás e eu lhe apontei a porta “cinco minutos.” Avisei.
Sem se conter de curiosidade, Rose caminhou rapidamente e passou pela porta. Pela fresta, pude ver que ela se lançou nos braços de Lissa, que lhe retribuiu com um abraço apertado. Resolvi dar a elas um momento de privacidade, então me afastei da porta, mas fiquei por perto, vigiando os corredores, cuidando para que não viesse ninguém. Conversar um pouco com Lissa faria bem a Rose. Muitos minutos se passaram, mais do que os cinco minutos que eu tinha dado a elas e eu estava agradecido por ninguém ter passado por ali. Já era a hora de interromper as duas, embora soubesse que elas teriam assunto para conversar a noite inteira. Coloquei o rosto para fora da porta.
“Você precisa entrar agora, Rose.” Falei “Antes que alguém encontre você.”
Rose começou a entrar e eu comecei a seguir para fora, levando Lissa ao seu próprio dormitório.
“Eu vou cuidar de tudo dessa vez, Rose. Tudo.” Lissa falou para ela, enquanto nos afastávamos.
Eu caminhei com Lissa por alguns momentos em silêncio. Até que ela resolveu falar, com muita mágoa na sua voz.
“É completamente injusto isso que ela está fazendo com Rose. É tudo para me atingir. É a mim que ela quer magoar.”
“Quem?”
“Mia Rinaldi. Foi ela que, de alguma maneira, convenceu Ralph e Jesse a espalharem essa mentira pela escola.” Eu não respondi e ela continuou “há muito tempo eu não vejo Rose chorar assim.”
“Isso irá passar. Em poucos dias, uma nova história tomará lugar dessa e ninguém mais lembrará disso.” Tentei parecer confiante.
“Seu eu não fizer eles pararem a nova história será sobre mim e Rose. De novo e de novo. Mas eu darei um jeito nisso. Eu sei como parar isso.”
“O quê você pretende fazer?” Perguntei casualmente.
“Eu vou voltar a ser o que eu era antes. Rose não gosta nada disso, e nem eu. Mas eu preciso fazer isso. Eu preciso.”
Ela não deu mais detalhes e eu não quis perguntar. Eu realmente não via maneira de Lissa proteger Rose. Ela falando isso soava quase que infantil. Rose era muito mais forte e corajosa, era difícil de imaginar qualquer pessoa protegendo ela. Deixei Lissa em seu dormitório e fui para o meu próprio quarto, ainda com os pensamentos turbulentos.
A imagem do rosto de Rose consternado ficou marcada em minha mente, eu não conseguia parar de pensar nela. Eu odiava ver a dor nos olhos dela, eu odiava ver que algo estava machucando tanto a ela. Eu sentia tudo aquilo me consumir internamente. Ao mesmo tempo que a minha razão me dizia que não, que eu não deveria me envolver nisso, que eu não deveria me importar com isso, que tudo não passava de pirraças estudantis, uma grande força me fazia quase enlouquecer de tanto que eu a queria. Eu queria poder tocar no seu rosto, beijar seus lábio, falar em seu ouvido que tudo ia passar. Eu queria poder ir com ela para longe de tudo isso aqui. Um lugar onde pudéssemos viver em paz. Mas isso não passava de um devaneio.
Outra coisa também me intrigava profundamente: a conversa que tive com Victor. Revirei diversas vezes na cama, com os pensamentos sem me deixar dormir. Assim que amanheceu, passei para o prédio dos guardiões, seguindo direto para o arquivo. Lá segui pelas estantes até encontrar uma pasta com a cópia do laudo do acidente que vitimou a família de Lissa.
Sentei em uma das mesas e folheei os papéis. De fato, foi um terrível acidente. As fotos do carro só mostravam um monte de ferro retorcido e o local onde Rose estava, nossa, estava totalmente destruído. Era realmente impossível alguém sair vivo dali. Li os laudos médicos sobre Rose. Ela tinha saído bastante machucada, mas seus machucados eram apenas externos. Ela não teve complicação interna alguma. O que era um milagre. Um verdadeiro milagre. Ninguém conseguia explicar aquilo. Victor tinha razão. Rose tinha morrido, durante o acidente e Lissa a trouxe de volta. Foi ali que o laço se formou.
***
Os dois dias seguintes foram sombrios. Lissa mudou sua atitude com as pessoas, e pouco a pouco eu podia notar que ela estava aparecendo mais entre eles, se destacando. Era como se ela estivesse querendo resgatar a sua popularidade.
Rose continuou sendo escorraçada por todos e para surpresa até de Kirova, não demonstrou reação alguma. Ou bem, não demonstrou reações típicas dela. Por via das dúvidas, mantive minha atenção nela, sempre a observando de longe. Não podia arriscar que uma explosão dela viesse acontecer. Mas não aconteceu. Ela andava sem encarar as pessoas, ignorando a todos e a tudo. Cada risada, cada comentário. Era como se ela não visse ou ouvisse nada. Também não comia direito e sua aparência deixava claro que ela também não estava dormindo bem. A única hora que ela parecia relaxar um pouco era durante os nossos treinos. Era como se ela tivesse feito do ginásio o seu refúgio. Eu não queria estragar isso, então nunca mencionei estes fatos para ela, antes, agi como se nada tivesse chegado a mim e fazia de tudo para que ela se sentisse confortável.
Naquele treino, eu saí para correr com ela, como vinha fazendo ultimamente. Não conversávamos muito durante isso, e quando fazíamos eram assuntos do próprio exercício. Depois, dei algumas aulas de como ela poderia usar como arma qualquer objeto que encontrasse. Rose pareceu gostar daquilo. E por fim, no final do treino, praticamos luta. A cada dia ela se aprimorava mais e mais, tanto que já estava conseguindo me acertar alguns golpes, embora eu conseguisse resistir bem a eles. Sua determinação era algo admirável. Naquele dia, ela estava particularmente mortal, provavelmente canalizando todo aquele aborrecimento para seus treinos. Tanto que me vi pedindo um tempo, após uma série de ataques dela.
Nós estávamos treinando ao ar livre, propositalmente para ensinar o corpo dela a suportar baixas temperaturas. A cada dia o tempo ficava mais frio em Montana.
Recolhi todos os equipamentos e levamos para dentro, onde ficava o quarto de suprimentos. Enquanto guardava tudo, eu observei Rose, como sempre fazia, disfarçadamente. Quando meus olhos bateram em suas mãos, percebi que estavam muito machucadas. O frio e o vento de lá de fora tinham feito um grande estrago nelas. Chegava até a sair sangue em alguns pontos. Logo, um grande instinto protetor tomou conta de mim e eu não pude me conter em ir até ela.
“Suas mãos!” exclamei e logo soltei um xingamento em russo. Rose me olhou admirada, eu sabia que ela já conhecia um palavrão em russo, embora eu sempre me recusasse a dizer a ela o que significava cada um. “Onde estão as suas luvas?”
Ela olhou para as mãos, demonstrando que não tinha percebido que estavam feridas.
“Não tenho nenhuma. Nunca precisei de luvas em Portland.” Ela falou quase que humildemente.
Eu xinguei novamente, desta vez me amaldiçoando. Como pude ser tão desligado? Como pude deixar de perceber que ela estava todo este tempo sem proteção nas mãos? Eu apontei para que ela sentasse na cadeira e fui pegar um kit de primeiros socorros.
Eu me sentei em frente a ela, e comecei a limpar o sangue com uma toalha molhada. Suas mãos estavam muito feridas, com cortes e bolhas por causa do frio. Elas eram pequenas, com dedos curtos, e apesar de toda atividade física severa e de todos os machucados, sua pele era fina e sedosa. Tentei afastar os pensamentos e as reações que aquele toque me causava.
“Vamos conseguir umas luvas para você.”
Ela olhou para as próprias mãos, com semblante bastante triste, observando enquanto eu trabalhava nos ferimentos.
“É apenas o começo, não é?”
“Do quê?”
“Eu me transformando em Alberta. Ela... e todas as outras guardiãs. Elas são todas acabadas. Lutando e treinado, sempre ao ar livre - elas não são mais bonitas.” Ela fez uma pequena pausa “Isso... essa vida. Destruiu elas. A aparência delas, quero dizer.”
Eu hesitei por um instante, e enquanto olhava para suas mãos pensei em todas as guardiãs que eu conhecia. De fato, a vida de treinos e combates trazia danos físicos não só às mulheres, mas a todos nós. Mas muitas delas eu duvidava que já tinham tido uma aparência melhor, algum dia. Eu olhei para ela, analisando cada detalhe dela, tentando imaginar como Rose seria daqui a alguns anos. De maneira nenhuma eu conseguia projetar uma imagem dela destruída ou acabada, como ela disse. Ela tinha uma beleza rara de ser ver em qualquer mulher. Uma beleza que sempre me golpeava quando eu a via. Uma beleza que quase me fazia perder todo senso do certo e do errado.
“Não vai acontecer com você. Você é muito...” ‘Linda. Droga Dimitri! O que você ia falar? Você ia confessar para Rose o que pensa sobre ela?’ Tentando me salvar daquele ato falho busquei mentalmente uma palavra profissional para consertar o que eu tinha começado a dizer, mas nada me vinha. Eu já tinha falado demais. Rose me olhava ansiosamente, aguardando a conclusão da frase.
“Não vai acontecer com você.” Foi só o que eu consegui dizer, por fim, e voltei toda a minha atenção para suas mãos novamente. Eu senti seus olhos em mim e isso fez meu coração disparar ainda mais. Eu lutava constantemente contra aquele sentimento, mas sempre era vencido. Sempre.
“Aconteceu com a minha mãe. Ela era linda. Eu acho que ela ainda é, mais ou menos. Mas não do jeito que ela era.” Sua voz saiu amarga. Eu conhecia Janine Hathaway. Eu já tinha encontrado com ela em vários eventos sociais, ambos acompanhando nossos protegidos. Ela era uma renomada guardiã, muito conhecida por ser extremamente letal. Ela também tinha um tipo de beleza exótica, mas não como a de Rose, elas não se pareciam. Todas as vezes que eu a vi, nunca percebi qualquer mudança drástica em sua aparência. Ela sempre me parecia a mesma.
“Eu não a vejo faz algum tempo. Ela poderia ter uma aparência completamente diferente agora, pelo que eu sei.” Ela acrescentou.
“Você não gosta da sua mãe.” Eu pensei alto.
“Você notou, foi?”
“Você mal a conhece.”
“Esse é o ponto. Ela me abandonou. Ela me deixou para ser criada pela a Academia.”
Eu tinha terminado de limpar os ferimentos e revirava a maleta de primeiros socorros em busca de alguma pomada cicatrizante. Quando encontrei, comecei a passar em cada ponto ferido. Massagear a mão dela não era uma tarefa fácil. O contato da pele dela não era algo fácil de se ignorar.
“Você diz isso... mas o quê ela poderia ter feito? Eu sei que você que ser uma guardiã. Eu sei o quanto isso significa para você. Você acha que com ela é diferente? Você acha que ela deveria ter desistido de tudo que queria para lhe criar, enquanto você passa metade da sua vida aqui, de qualquer forma?”
“Você está dizendo que eu sou uma hipócrita?”
“Eu estou dizendo que talvez você não devesse ser tão dura com ela. Ela é uma dhampir muito respeitada e deixou você no caminho para ser o mesmo.”
A mãe do Rose era uma grande guardiã. Havia poucas guardiãs em serviço e isso a tornava ainda mais respeitada. Era uma escolha rara de ser ver em uma mulher. E isso fazia com que eu a admirasse mais. A maioria das mulheres dhampirs seguiam a vida fácil de apenas criar seus filhos e receber homens Morois em suas casas. Era assim na minha família. Não era algo com que eu concordasse. Não era algo que eu aceitasse. Eu amava muito a minha mãe e minhas irmãs, mas eu não me orgulhava nada a maneira como elas levavam a vida. Algumas vezes, até me envergonhava disso, apesar de ser uma prática bastante comum entre as dhampirs. Eu queria mesmo que elas pensassem como Janine. Eu queria que elas tivessem seguido a carreira de guardiã e fossem conhecidas e admiradas por isso.
“Ela não morreria se me visitasse mais. Talvez você tenha razão. Só um pouco. Poderia ser pior, eu acho. Eu poderia ter sido criada por uma meretriz de sangue.”
Eu olhei para cima. As pessoas tinham muitos preconceitos com relação a mulheres dhampirs. Realmente, a maioria vivia para servir sexualmente os homens Morois, mas nem por isso elas deixavam de ser boas pessoas. E também, havia muitas histórias mentirosas envolvendo as comunidades onde estas mulheres viviam.
“Eu fui criado por uma comunidade dhampir. Eles não são tão ruins quanto você pensa.”
“Oh, eu não queria-“ ela falou, completamente constrangida. Provavelmente, ela nunca tinha parado para pensar de onde eu tinha vindo, qual era o meu passado.
“Está tudo bem” eu falei, a interrompendo. E realmente estava tudo bem. Ela não conhecia muito o mundo, o nosso mundo. Tinha muita coisa que Rose ainda precisava aprender. Muita coisa que ela não tinha nenhuma ideia que existia. Eu voltei a minha atenção para as mãos dela. Era uma boa desculpa para evitar os seus olhos, em alguns momentos.
“Então, você tem família lá? Cresceu com eles?” seu tom era bastante curioso.
“Minha mãe e três irmãs. Eu não as vi muito, depois que eu fui para escola, mas ainda mantemos contato. As comunidades são formadas por famílias, basicamente. Tem muito amor lá, não importa as histórias que você tenha ouvido.
“Sim, mas... não é estranho? Tem muitos homens Morois visitando também, você sabe...”
Eu permaneci passando a pomada nas mãos dela, mas meus pensamentos foram para a época que eu ainda vivia com minha família. Aquele sentimento sombrio que eu tinha quando meu pai chagava procurando minha mãe, me invadiu.
“Às vezes” minha voz saiu com uma nota de perigo.
“Eu – eu sinto muito. Eu não queria trazer à tona algo ruim.”
Eu comecei a sentir uma estranha onda de bem estar passar por mim. A companhia de Rose era muito agradável e me fazia sentir muito bem. Aquelas palavras delas soaram extremamente compreensíveis, como se ela pudesse sentir os danos que as divergências que eu tinha com meu pai fizeram em mim. Eu pensei naquilo por um tempo.
“Na verdade... você não deve acha que seja tão ruim.” Falei com um pequeno e triste sorriso “você não conhece o seu pai, conhece?”
“Não.” Ela negou com a cabeça “tudo o que eu sei é que ele deve ter um cabelo louco e legal.”
Eu olhei para cima. Rose tinha cabelos lindos. Eram escuros, quase pretos, lisos e brilhantes. Eles caiam pesadamente até o meio de suas costas, emoldurando seu rosto com perfeição. Pareciam ser extremamente sedosos. Eram lindos. Diferente dos cabelos da mãe dela que são ruivos e encaracolados. Definitivamente, ela não tinha herdado de sua mãe. Provavelmente tinha sido do seu pai.
“Sim, ele deve ter.” Novamente me peguei pensando alto. Voltei imediatamente meus olhos para as mãos dela, ainda sentido que eu podia conversar com por horas, sobre qualquer assunto. Não resisti em falar sobre mim “Eu conheci o meu.”
Rose me olhou impressionada. “Verdade? A maioria dos caras Morois não fica – eu quero dizer, alguns sim, mas você sabe, normalmente eles apenas –“ Ela tropeçou nas palavras, mas eu entendi o que ela queria dizer. Era raro um Moroi manter uma família de dhampirs com mulher e filhos, e era mais ou menos isso que meu pai fazia. Da maneira dele, é bem verdade.
“Bom, ele gostava da minha mãe.” Eu falei a palavra ‘gostava’ sentido uma certa repugnância. Ele não gostava no sentido de amar, mas gostava somente como alguém que o satisfazia e isso me deixava muito mal, pensar no relacionamento dos meus pais desta forma era algo péssimo de se fazer. Pelo menos para mim.
“Ele a visitava muito” eu continuei “ele é o pai das minhas irmãs também. Mas quando ele vinha... bom, ele não tratava a minha mãe muito bem. Ele fazia algumas coisas horríveis.”
“Como...” Rose hesitou, me olhando com muita cautela. Era impressionante como eu tinha a sensação que ela podia me entender, que com ela eu podia conversar. “Coisas de meretriz de sangue?”
“Como bater nela.” Falei diretamente, sem ressalvas. Eu já tinha terminado os curativos nas mãos dela, mas não conseguia parar de segurá-las.
“Oh, meu Deus.” Ela falou, apertando minhas mãos. Sua expressão era de bastante pesar “isso é horrível. E ela... ela simplesmente deixava isso acontecer?”
Minha mãe freqüentou uma Academia e foi treinada como qualquer dhampir para ser uma guardiã. Ela apenas não seguiu a carreira. Ela podia facilmente derrubar meu pai, impedir que ele tocasse nela. Mas ela nunca fazia, pois ela o amava.
“Ela deixava” falei tristemente e logo depois dei um pequeno sorriso, ao lembrar da minha atitude, na época. “Mas eu não.”
Parecendo que estava lendo meus pensamentos, Rose se tornou totalmente excitada com aquela história e diante da reação que eu provavelmente tive para aqueles fatos.
“Diga, me diga que você quebrou a cara dele.”
“Quebrei.” Eu não pude deixar de sorrir, frente à sua empolgação. Finalmente, depois de tantos anos, alguém tinha aprovado o que eu fiz. Minha mãe, minha avó e minhas irmãs, todas me recriminaram pelo que eu tinha feito. E até me culparam por um eventual afastamento dele da nossa família. Também, era a primeira vez que eu falava sobre isso com alguém que não fosse da minha família e Rose parecia definitivamente concordar comigo.
“Wow! Você bateu no seu pai.” Sua voz era totalmente empolgada “Eu quero dizer, isso é horrível... isso que aconteceu. Mas, wow, você é realmente bom.”
Ela tinha me elogiado? Eu não estava acreditando no que eu tinha acabado de ouvir. Ela achava que eu era bom?
“O quê?” Perguntei, ainda tentando processar o que ela tinha dito.
“Hum, nada.” Ela se apressou em mudar de assunto “Quantos anos você tinha?”
“Treze.” Respondi automaticamente, ainda pensando no que ela tinha falado antes. O fato dela ter mudado de assunto, deixava claro o que ela tinha falado. Ela tinha me elogiado e eu me sentia estranhamente feliz por isso.
“Você quebrou a cara do seu quando tinha treze anos?” Ela perguntou com uma grande admiração nos seus olhos. Rose era difícil de se ler. Por mais expansiva e aberta que fosse, era raro ela deixar transparecer o que achava sobre mim. Mas estava fazendo isso agora. Aquilo só me fez ter mais confiança para continuar a conversa.
“Não foi muito difícil. Eu era mais forte que ele e quase tão alto quanto. Eu não podia deixar ele continuar fazendo aquilo. Ele tinha que aprender que ser da realeza e Moroi não dava a ele o direito de fazer o que quisesse com as pessoas – até mesmo meretrizes de sangue.” Desabafei.
“Eu sinto muito.” Ela falou olhando diretamente em meus olhos e eu tive a sensação que podia contar a ela a minha vida inteira.
“Está tudo bem.” Falei com os nossos olhos fixados um no outro. Podia parecer uma ilusão infantil minha, mas a olhando assim, eu podia ver paixão neles. Não, isso não podia ser verdade. Eu era o adulto da história, não podia estar pensando nisso. Mas eu não conseguia evitar. Ao mesmo tempo em que eu me sentia totalmente assustado por ela me entender tão bem, eu gostava da companhia dela, eu me sentia à vontade com ela.
“Foi por isso que você ficou tão chateado sobre o Jesse, não foi? Ele também era outro da realeza, tentando tirar proveito de uma garota dhampir.”
Eu não consegui mais olhar para ela. Isso iria me denunciar a qualquer momento, eu sentia. Ela parecia poder ver a minha alma. Isso era estranho. Jesse tinha despertado mais do que isso em mim. Na verdade eu não me importaria se ele estivesse com qualquer outra garota dhampir, por mais esnobe que ele fosse, por mais imoral que isso parecesse. O que me incomodou foi o fato dele estar com Rose. Até hoje eu ainda não tinha conseguido medir o que tinha me causado uma reação tão enfurecida.
“Eu fiquei chateado com aquilo por várias razões.” Senti novamente que estava me abrindo demais e tentei inutilmente voltar a ser racional “você estava quebrando as regras e...” eu não consegui terminar. Rose era esperta, quanto mais eu falasse, mais ela perceberia que eu agi por motivos pessoais, naquele dia que a apanhei com Jesse Zeklos. Quase inconscientemente, olhei para ela, e vi que ela me olhava fixamente. Aqueles olhos castanhos e profundos que ela tinha pareciam me varrer por completo como um verdadeiro furacão. Senti um imenso calor crescer entre nós. Ela desviou seus olhos para baixo, com o rosto queimando em vermelho.
“Eu sei que você ouviu o quê as pessoas estão dizendo, que eu-“ sua voz era baixa e levemente constrangida.
“Eu sei que não é verdade.” Eu interrompi imediatamente. De forma nenhuma ela tinha que se justificar para mim. Rose não tinha culpa das calúnias que levantaram contra ela e eu não precisava que ninguém – nem mesmo ela – para me dizer que tudo era mentira. Eu simplesmente sabia que não era verdade.
“É, mas como você-“
“Por que eu conheço você.” Falei com convicção “Eu conheço o seu caráter. Eu sei que você será uma guardiã incrível.”
“Eu fico feliz que alguém saiba. Todos acham que eu sou uma irresponsável.”
“Do jeito que você se preocupa mais com Lissa do que consigo mesma...” Eu balancei negativamente a cabeça “Não. Você entende as suas responsabilidades mais do que qualquer guardião duas vezes mais velho do que você. Você vai fazer o que tiver ao seu alcance para ter sucesso.”
“Eu não sei se posso fazer tudo que é preciso.” Ela falou pensativa e com um semblante preocupado. Eu me perguntei sobre o que ela estava se referindo. Olhei para ela, abaixando uma sobrancelha e levantando a outra.
“Eu não quero cortar o meu cabelo.” Ela explicou.
Eu não acreditava no que estava ouvindo. Tudo que ela teria que abdicar em sua vida, todo o perigo que ela enfrentaria, ter que lidar com a morte todos os dias, nada disso estava preocupando Rose. Era realmente surpreendente e ao mesmo tempo curioso.
“Você não tem que cortar o seu cabelo. Não é requerido.” Falei, me esforçando para parecer sério e suprimindo uma grande vontade de rir. Eu não podia fazer isso, ela parecia realmente preocupada.
“Todas as guardiãs cortam. Para mostrar as suas tatuagens.”
Sem pensar em mais nada, eu cometi uma sandice. Obedecendo a um impulso, soltei as mãos dela e fui até os seus cabelos. Com uma habilidade que nem eu sabia que tinha, envolvi todas as mechas com meus dedos. O toque naqueles fios foi algo que eu desejei por vários e vários dias, várias e várias noites e meus pensamentos jamais chegaram perto daquela realidade. Eu queria poder fechar os olhos e absorver toda a sedosidade deles. Torci em volta dos meus dedos, de forma que o rosto de Rose ficou ainda mais visível. Eu tentei imaginar como ela ficaria com os cabelos curtos e não sabia dizer de que forma ela seria mais bonita. Mas os seus cabelos eram lindos demais para serem cortados, definitivamente, eu adorava aqueles cabelos. Lentamente senti os fios escaparem das minhas mãos, ao mesmo tempo que me dei realmente conta do que eu tinha feito. Rose me observava quase que totalmente entregue, como se aquele movimento meu tivesse feito nela o mesmo efeito que causou em mim.
Eu não consegui esconder o meu embaraço. Eu não consegui entender como baixei a guarda assim, tão facilmente. Imediatamente, chamei todo autocontrole que eu treinei por anos e anos, colocando novamente minha máscara dura de guardião.
“Não corte.” Falei rispidamente, enquanto me levantava e caminhava para a porta. Rose me olhava estupefata. Eu tinha que sair dali, eu não sabia por quanto tempo mais eu iria resistir a ela.
“Mas ninguém vai ver minhas tatuagens, se eu não cortar.”
Eu parei em frente a porta, sentindo minha dureza cair novamente. Será que Rose sempre iria me vencer? Olhei para ela, sentindo todo carinho que eu tinha por ela me invadir, e lhe dei um sorriso pequeno, porém sincero.
“Use-os presos.”

Um comentário:

  1. Muito feio isso querida plagiar historia alheia viu. Vou postar sua pagina em todos as páginas que tenho e que conheço relacionado a VA e vou pedir para não acessarem. E vou divulga a verdadeira autora. Coisa feia isso dá processo tá querida.


    PS: Segue a página da verdadeira autora com todos os livos.

    https://fanfiction.com.br/u/87279/

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