segunda-feira, 1 de julho de 2013

SHADOW KISS POR DIMITRI BELIKOV (POV)






Fanfiction que narra Shadow Kiss (Tocada Pelas Sombras), o terceiro livro da série Academia de Vampiros, sob o ponto de vista de Dimitri Belikov.

Classificação: +16
Avisos: Spoilers

Idioma: Português (Brasil)

Nota1: Os personagens, diálogos, história, cenários e contexto são criações de Richelle Mead na série Academia de Vampiros.

Nota2: Algumas partes não existem no livro, são criações minhas para construir a história pelo lado de Dimitri.


Seguem os links dos Capítulos da Fic:
PARTE 01 
PARTE 02
PARTE 03


PARTE 01


Aquela era uma manhã extremamente fria. Era perto do meio dia, no horário humano, isso significava que estávamos no meio da noite, para os vampiros. O campus da St. Vladmir estava calmo e silencioso. Aparentemente todos dormiam. Eu estava de plantão e fazia minha ronda, sem que nada fora da normalidade se mostrasse.
A Academia era protegida por fortes wards que impediam os Strigois de nos atacarem, mas a vigilância era necessária em um lugar repleto de estudantes dispostos a quebrar qualquer tipo de regra.
Quando passava próximo ao dormitório dhampir, me surpreendi com Rose passando em direção ao ginásio. O que ela fazia ali, naquela hora? Andei silenciosamente atrás dela, esperando para ver o que ela pretendia. Ela parou e olhou distraidamente para umas árvores sem folhas. Eu a observei por alguns segundos, me perguntando o que ela pretendia, ainda mais com a aquele frio todo que fazia. O sol brilhava, mas o inverno em Montana era bem rigoroso. Confesso que eu estava curioso para saber qual desculpa ela me daria.
“Você é sonâmbula?” perguntei, tentando não sorrir.
Ela se virou rapidamente e me olhou com uma expressão de quem havia sido pega desprevenida. Ela usava um roupão e chinelos. Ao me ver, ela passou rapidamente a mão na cabeça, numa tenta inútil de arrumar os seus cabelos que estavam totalmente emaranhados. Mesmo assim, eu ainda a achava linda.
“Eu estava testando a segurança do dormitório. É uma droga.” Ela falou olhando para o meu casaco. Eu tive vontade de sorri com a sua observação sobre a segurança, mas percebi que ela deveria estar morrendo de frio.
“Você deve estar congelando. Quer o meu casaco?”
“Estou bem” ela falou recusando “O que você está fazendo aqui? Também está testando a segurança?”
“Eu sou a segurança. É o meu turno”
Ela ficou totalmente embaraçada, por ter zombado do meu trabalho, mas tentou fazer um rosto sério.
“Bem, bom trabalho. Estou feliz por ter testado alguém tão habilidoso. Eu deveria ir agora.” Ela falou, já se retirando. Eu não ia engolir aquilo assim facilmente, ela iria, sim, me explicar o que ela pretendia fugindo do dormitório.
“Rose” falei, a puxando pelo braço. Inesperadamente, tocar nela me causou uma sensação, como se uma descarga elétrica passasse por mim, então a soltei imediatamente. Mesmo assim, a olhei de uma forma que ela conhecia bem.
“O que você realmente está fazendo aqui?”
Ela me olhou de forma pensativa e eu pude ver que ela falaria a verdade.
“Eu tive um sonho ruim. Precisava de ar”
“Então você simplesmente saiu? Você sequer pensou em quebrar as regras – e nem ao menos pegou um casaco?”
Ela me pareceu sincera, e eu assumi que ela estava sendo honesta, apesar de ser um motivo inusitado. Com todo seu histórico de indisciplina, sair para tomar ar, parecia algo insignificante. E era. Mesmo assim, ela não conseguia ver que era algo estúpido. Se algum outro guardião a pegasse ali, ela estaria numa situação bem complicada e essa sua explicação não seria tão bem aceita, como foi por mim.
“É. Isso basicamente resume tudo” ela falou.
“Rose, Rose” respondi com exaspero “Você nunca muda. Sempre agindo sem pensar”
“Isso não é verdade. Eu mudei bastante”
Aquelas palavras dela acionaram uma tecla dentro de mim. Ela tinha razão. Ela não era mais aquela garota despreocupada e alegre que eu tinha conhecido há poucos meses. Os acontecimentos das últimas semanas deixaram nela um olhar triste e uma expressão mais dura. Era uma forma dolorosa de amadurecer. Ela carregava culpa pelo ocorrido e isso realmente me preocupava.
“Você está certa. Você mudou”
“Bem, não se preocupe. Meu aniversário está chegando. Assim que eu completar 18 anos, eu me tornarei uma adulta, certo? Tenho certeza que naquela manhã eu vou acordar toda madura e tudo mais”
Eu dei um pequeno sorriso, ainda preocupado com a observação anterior. Era bem típico de Rose fazer uma piada quando a conversa ficava séria e ela se sentia incomodada. Eu já conhecia isso nela.
“Sim, eu tenho certeza disso. É daqui, ao quê, há um mês?”
“Trinta e um dias” ela falou com exatidão.
“Não que você esteja contando” falei e ela deu de ombros. Eu sorri novamente, Rose sempre me divertia, mesmo nas pequenas coisas. Permaneci naquela conversa amena “Eu suponho que você também tenha feito uma lista de aniversário. Dez folhas? Espaço único? Organizada por ordem de prioridade?” eu continuei sorrindo, esperando uma de suas respostas típicas. Mas, ao contrário, sua expressão se tornou séria.
“Não. Nada de lista.”
Eu inclinei a cabeça, para olhá-la melhor, fazendo meus cabelos caírem no meu rosto. Tentei enxergar algo mais em sua expressão, algo que me desse alguma pista do que se passava dentro dela. Coloquei meu cabelo de volta para trás, eles caíram novamente. Percebi que ela observou atentamente estes meus gestos. Mas eu já era acostumado com isso.
“Eu não posso acreditar que você não quer nada. Vai ser um aniversário chato” falei tentando manter o tom causal da conversa e trazer de volta a diversão que ela tinha antes, mas foi inútil.
“Não importa”
“O quê você – “ eu estava prestes a perguntar o que ela iria esperar do seu aniversário, já que não queria presentes, mas então eu entendi. Ela não queria algo material, algo que pudesse ser comprado e embrulhado. O que ela queria não podia ser colocado em uma lista de presentes. Ela de fato tinha amadurecido rapidamente, havia se tornado uma adulta antes mesmo de ter idade para ser uma. Novamente, aqueles pensamentos me assombraram.
Algo também me dizia que toda a sua tristeza também tinha a ver com o fato de não podermos ficar juntos. Era algo que ela parecia já ter entendido, mas que ainda tinha dificuldade em aceitar.
Confesso que eu também usava de todos os argumentos lógicos que eu podia para convencer a mim mesmo de que nunca poderíamos ficar juntos, mas o que eu sentia por ela era tão forte que, em certos momentos, superava qualquer pensamento coerente. Realmente, eu não queria lidar com aquele assunto, não naquela hora, então mudei a conversa para outro sentido.
“Você pode negar o quanto quiser, mas eu sei que você está congelando. Vamos entrar. Eu levo você pela porta de trás”
“Eu acho que é você quem está com frio” ela falou em um tom provocativo, enquanto caminhávamos por um caminho que levava aos fundos do prédio “Você não deveria ser resistente ao frio, já que você veio da Sibéria?”
“Eu não acho que a Sibéria seja como você imagina”
“Eu imagino que é o paraíso do gelo” sua voz soou pensativa, apesar de saber que ela tentou fazer uma piada.
“Então, definitivamente não é como você imagina”
“Você sente falta?” ela perguntou, me olhando de lado.
“Todo o tempo” e como sentia. Eu queria poder voltar, mas sabia que eu estava agora no caminho que eu mesmo tinha escolhido “Às vezes eu desejo-“
“Belikov!”
Uma voz soou atrás de nós. Eu conhecia bem aquela voz. Era Alberta. Eu não pude deixar e xingar baixo. Eu tinha evitado a conversa sobre o nosso relacionamento, mas esta que nós estávamos começando agora, era sobre algo que eu queria falar, ainda mas com Rose, que me entendia tão bem.
“Fique fora de vista” falei, a empurrando para um canto, próximo a uns arbustos. Eu retornei um pouco pelo caminho que estávamos fazendo e encontrei Alberta. Aparentemente, ela não tinha visto que Rose estava comigo.
“Você não está de guarda” falei, mantendo meu tom imparcial.
“Não, mas eu precisava falar com você. Só vai levar um minuto. Nós precisamos redistribuir os seus turnos, enquanto você estiver no julgamento”
“Eu já imaginava isso” falei me sentindo desconfortável. Eu ainda não tinha falado nada para Rose sobre o julgamento de Vistor Dashkov, e agora ela estava ouvindo tudo. Eu esperava que Alberta não entrasse em detalhes, ou se não, eu teria que lidar com uma Rose bem aborrecida, dentro de poucos minutos “Eu vou ter que dar uma pausa em todo o resto também – timing ruim” completei. No dia seguinte iniciaríamos a fase de prática de campo com os alunos do último ano. Eram seis semanas em que simulávamos todo tipo de ataque Strigoi, enquanto eles simulavam guardar um Moroi. Era uma fase dura e puxada tanto para os estudantes, como para nós, os instrutores.
“Sim, bem, a rainha funciona em seu próprio horário. Celeste vai assumir seus turnos. Ela e Emil vão dividir os seus horários de treinamento. Eles falaram que não se importam com o trabalho extra, mas eu pensei que você poderia dar umas orientações a eles, antes de partir, para diminuir o peso deles.”
“Claro” falei, sem querer me prolongar no assunto, ainda temendo que Rose ouvisse algo que não deveria ouvir, pelo menos, por agora.
“Obrigada. Isso irá ajudar muito” ela suspirou “Eu queria saber quanto tempo irá levar o julgamento. Eu não gostaria de me afastar por muito tempo. Era de se esperar que Dashkov já tivesse seu destino traçado, mas ouvi falar que a rainha está ficando incomodada em levar para prisão alguém tão importante da realeza”
Droga. Alberta tinha falado demais. Agora era fato. Eu teria que lidar com Rose. Se ia ser difícil explicar o porque dela não ter sido avisada que o julgamento tinha sido marcado, quanto mais explicar que ele iria correr sem a participação dela e Lissa. Isso era algo que eu teria que lidar.
“Eu tenho certeza que eles irão fazer a coisa certa” novamente, tentei finalizar o assunto, mas Alberta continuou.
“Eu espero que sim. E espero que só leve alguns dias, com eles falaram. Olha, está horrível aqui. Você se importa em ir ao meu escritório para podermos ver os horários?”
“Claro que não me importo, só deixe-me checar uma coisa antes” falei apontando com a cabeça para a parte de trás do prédio.
“Está certo. Vejo você logo.” Ela disse, se afastando.
Caminhei em direção aos arbustos onde Rose estava escondida, já me preparando para enfrentar sua fúria.
“Rose-“
“Dashkov? Assim como Victor Dashkov?” Ela saiu do seu esconderijo como um carro desgovernado. Agora eu tinha que falar a verdade. Não dava mais para negar ou esconder dela o que estava acontecendo.
“Sim. Victor Dashkov.”
“E vocês estavam falando sobre... você quer dizer...” ela estava muito surpresa com a informação que tinha acabado de ouvir “Eu pensava que ele estava preso! Você está querendo dizer que ele não foi julgado ainda?”
Eu a olhei com cuidado. Eu conhecia bem aquelas explosões que ela tinha e ali não era o lugar e nem hora para isso. Eu realmente entendia a indignação dela, mas também entendia que podia ser traumático se eles fizessem duas adolescentes reviverem aquele acontecimento.
“Ele está preso – mas não, não houve um julgamento ainda. Os procedimentos legais às vezes demoram um pouco.”
“Mas vai haver um julgamento agora? E você vai?” ela falou apertando os dentes.
“Semana que vem. Eles precisam que eu e alguns outros guardiões testemunhem sobre o que aconteceu com você e Lissa naquela noite.” A lembrança daquele episódio trouxe de volta a mim o mesmo sentimento que experimentei por ver Lissa em perigo.
“Pode me chamar de louca por perguntar, mas, hum, eu e Lissa vamos com você?”
“Não”.
“Não?”
“Não.”
Ela colocou as mãos nos quadris, assumindo uma postura defensiva “Olha, não lhe parece razoável que se vão falar do que aconteceu conosco, então que eles nos tenham presentes?”
Eu também achava que isso era razoável, mas também entendia os motivos que eles alegaram por não convocarem Rose e Lissa.
“A rainha e os guardiões que estão cuidando do caso acharam melhor vocês não irem. As evidências já são suficientes, e além do mais, criminoso ou não, ele é – ele era – uma pessoa muito poderosa da realeza. Os que sabem sobre este julgamento querem manter a discrição.”
“Então, você acha que se nos levarmos, vamos sair contando para todo mundo? Anda, camarada, você realmente acha que faríamos isso? A única coisa que queremos e ver Victor preso. Para sempre. Ou mais que isso. E se tem uma chance dele se safar, você tem que nos deixar ir.”
Para ser sincero, eu achava sim que ela sairia falando para todo mundo. eu lembrava bem aqueles acontecimentos de Spokane. Eu tinha dado a ela um informação confidencial de guardiões e ela rapidamente contou para seus amigos. Mas achei melhor não mencionar isso.
Além do mais, ela falava como se realmente acreditasse que aquela decisão cabia a mim. Talvez se eu argumentasse com as pessoas certas, eu de fato poderia conseguir com que elas fossem depor no julgamento. Mas eu acha difícil, visto que a rainha queria proteger Lissa de qualquer exposição. Eu também achava que era desnecessária a presença delas. Eu não achava saudável que elas, tão jovens, passassem por uma situação destas.
“Isso não é uma decisão minha”
“Mas você tem influência. Você pode falar por nós, especialmente se...” ela fez uma pausa e senti que a raiva em sua voz tinha diminuído “especialmente se existe alguma chance dele se safar. Existe esta chance? Existe a chance da rainha o deixar livre?”
“Eu não sei. Às vezes não temos como prever o que ela e os outros da realeza vão fazer” eu respondi sabendo que nós não iríamos chegar a lugar algum com aquela conversa. Os argumentos de Rose eram inúteis para mim, eu não poderia fazer nada para levá-las. Também estava ficando muito frio e eu precisava ver Alberta. Coloquei a mãos no bolso do meu casaco, retirei um molho de chaves e joguei para ela. “Olha, seu sei que você ficou chateada, mas não podemos conversar sobre isso agora. Eu tenho que ir encontrar Alberta e você precisa entrar. A chave do dormitório irá fazer com que você entre pela porta mais distante. Você sabe qual.”
“Sim. Obrigada” ela respondeu visivelmente aborrecida. Ela começou a caminhar para longe de mim e eu senti meu coração apertar. Eu realmente não gostava de negar o que quer que fosse a ela. Eu não gostava vê-la chateada.
“Rose” eu chamei e ela se virou para mim “Eu sinto muito”. Logo eu lembrei que eu ainda precisaria das chaves. Eu teria que entregá-las ao guardião que assumiria o próximo turno “é melhor você me devolver estas chaves amanhã”.
Sai dali e caminhei calmamente até o prédio dos guardiões, onde ficava o escritório de Alberta. Eu sabia que Rose não aceitaria a exclusão dela e de Lissa do julgamento. Lidar com ela ia ser uma tarefa difícil por um longo tempo, até que outra preocupação tomasse o lugar dessa em sua mente. Só me restava convencer Rose que esta não era uma decisão que me cabia. Eu sei que ela tem uma imagem inabalável minha, mas eu não era capaz de tudo. Eu era bem respeitado entre os guardiões e os Morois, mas minha influência tinha limites.
Cheguei até o escritório de Alberta e a porta estava entre aberta. Eu me aproximei e dei duas batidas, antes de entrar. Ela estava sentada em sua escrivaninha, ergueu seus olhos de alguns papéis, quando entrei.
“Com licença” falei, entrando.
“Ah, Belikov, sente-se” ela apontou para a cadeira em frente à mesa. “Eu estava agora mesmo olhando o cronograma da viagem. Você deverá se afastar por dois ou três dias, estamos sujeitos aos horários da rainha, então você sabe, qualquer cronograma pode sempre ser alterado, quando se trata dela... mas vamos considerar que tudo correrá dentro do planejado.” Ela me entregou alguns papéis, eu os olhei com cuidado. Lá tinham os horários dos vôos e das audiências. Fora isso, o tempo seria livre. Qualquer pessoa adoraria isso e iria aproveitar para ter um pouco de diversão, mas eu só conseguia me focar mesmo no julgamento. Realmente havia uma chance de Victor se livrar de uma condenação severa. Eu deveria partir com Alberta em uma semana.
“Aí também estão todas as escalas das suas aulas. Como você deve saber, amanhã começam as experiências de campo, teremos muitos estudantes para avaliar, é um péssimo período para nos afastarmos. Também tem as escalas dos treinamentos com Rose. Ela tem feito um grande progresso, não acho prudente deixá-la sem treinar, mesmo que por poucos dias. Você poderá fazer as alterações e anotações que achar necessárias”
“Claro, vou analisar tudo com muita atenção” eu falei olhando os papéis. Levantei os olhos e vi que Alberta me observava. Ela parecia pressentir que eu queria falar mais alguma coisa, então me senti encorajado “Guardiã Petrov, eu estive pensando, você não acha que seria bastante útil se Rose e Vasilisa prestassem depoimento durante o julgamento? Elas viveram o fato, poderia ter informações mais precisas sobre o ocorrido”
Ela me olhou pensativa por poucos segundos “Sim, Belikov, eu também pensei nisso, sugeri isso, na verdade. Mas existe uma grande teia tecida pela rainha por trás de tudo. Ela não gosta nada de Rose, a rainha imagina que ela está envolvida como seu sobrinho neto, o Lord Adrian Ivashkov, e entre nós, eu não duvido que ela esteja certa.” Aquelas palavras me causaram uma sensação quase incontrolável de ciúmes. Até a rainha estava vendo um envolvimento de Rose com Adrian. Alberta continuou “Nem preciso dizer que ela desaprova isso. Ela não quer Rose por perto. E quanto a Vasilisa... a rainha tem planos grandiosos para ela, não acha interessante ter seu nome envolvido em escândalos”
“Certo, eu posso compreender os motivos agora. Mas não acho que Rose devia ter envolvimentos amorosos agora – bem, ela tem muitas outras coisas para se focar - a experiência de campo, por exemplo.” Tentei contornar o meu incomodo “mesmo assim, o quê o Lord Adrian Ivashkov faz no campus da Academia?”
“Ele obteve uma autorização especial para ficar aqui até o verão. Ele quer praticar a magia com a Princesa Vasilisa. Eles são usuários do espírito. Podem ajudar um ao outro a entenderem melhor esse elemento tão raro. Devo dizer que a rainha aprova um pouco demais a aproximação destes dois” ela falou suspirando e, apesar de saber que Lissa namorava Christian Ozera, fiquei de certa forma aliviado por Rose não ser o alvo de Adrian. Bem, assim eu esperava.
“Tudo certo, então, Guardiã Petrov. Irei analisar tudo e lhe darei retorno o quanto antes” usei um tom fim de conversa na minha voz. Não queria mais continuar com aquele assunto, principalmente porque Alberta sempre parecia saber o que se passava dentro de mim, quando o assunto era Rose “Preciso ir agora, estou no meio do meu turno, tenho rondas a fazer”
Ela assentiu com a cabeça e eu voltei para o meu posto.
Sai do meu plantão e fui direto ao ginásio onde eu dava aulas extras para Rose. Os dias que eu tinha turnos à noite eram bem puxados, pois eu permanecia quase vinte e quatro horas sem dormir. Principalmente hoje que os estudantes novatos iniciariam as experiências de campo, que consistiam em seis semanas em que eles eram testados por nós, os instrutores, com todos os tipos de ataques, simulando Strigois. Isso possibilitava uma análise de suas técnicas para que pudéssemos melhorar os treinamentos, também era uma espécie de preparação para a vida real, embora eu tivesse que reconhecer de que a vida real era bem mais dura que qualquer simulação.
Naquela manhã, o meu treino com Rose foi silencioso. Conversamos muito pouco, somente assuntos da própria aula. Ela me devolveu silenciosamente as chaves do dormitório.
“Correu tudo bem, depois que eu lhe deixei? “ perguntei. Ela deu um breve aceno com a cabeça e foi se alongar.
Eu assumi que ela ainda estava um pouco de aborrecida por causa do julgamento de Victor. Mas eu percebi tinha algo além disso que estava a deixando intrigada, só que achei melhor não mexer nisso, por hora.
Após o treino, me preparei para a aula em que os estudantes conheceriam os Morois que iriam proteger durante as seis semanas da prática de campo. Todos os instrutores se reuniram e planejaram tudo. Que Moroi ficaria para cada novato e as razões, os mapas dos ataques, tudo para que a experiência corresse como desejávamos. Eu sabia que Rose não gostaria nada do que reservamos para ela.
Na hora marcada, nós nos organizamos em uma perfeita linha reta, em frente a arquibancada onde estavam os estudantes. Eles conversavam alegremente, Rose estava entre eles. Alberta pegou o microfone, atraindo a atenção de todos.
“Muito bem. Todos vocês sabem por que estão aqui” sua voz ecoou no silêncio, de forma forte “este é o dia mais importante da formação de vocês, antes de começarem os testes finais. Hoje vocês vão descobrir com qual Moroi será colocado. Na semana passada vocês receberam um folheto explicativo com todos os detalhes de como serão estas seis semanas. Eu tenho certeza que todos vocês leram tudo. Para recapitular, o Guardião Alto irá destacar as principais regras deste exercício.”
Stan pegou sua prancheta e começou a ler todas as regras que os estudantes já deviam conhecer muito bem. Todos ouviam em silêncio, eles realmente pareciam ansiosos para colocar em prática tudo que aprenderam nas salas de aula. Quando ele acabou, entregou a prancheta para Alberta.
“Ok. Irei chamar seus nomes, um por um, e anunciar com quem vocês ficarão. Nessa hora, venham até aqui e o Guardião Chase lhes darão uma pasta com informações sobre seus protegidos, como por exemplo, horários, histórico, etc.”
Um pequeno murmúrio veio das arquibancadas, mas Alberta não se importou. Ela leu a relação com voz firme de sempre, até que chegou no ponto que eu julgava crucial daquela manhã.
“Edison Castile” Alberta chamou e ele soltou um pequeno som. Ele estava sentado junto a Rose “Vasilisa Dragomir”.
Eu observei de longe, tanto Rose como Eddie ficaram em choque. Mas ele se recuperou logo e se levantou para pegar a sua pasta. No caminho ele olhou com uma expressão de quem pedia desculpas para Rose, que ainda estava atônita. Alberta continuou a chamada dos alunos, até que chegou em Rose.
“Rosemarie Hathaway” ela falou, sem se importar com o que diria a seguir “Christian Ozera”. Rose ficou paralisada, não respondendo e chamando a atenção de todos. “Rose Hathaway” a voz de Alberta se tornou dura, soando como se fosse uma repreensão. Uma colega, que sentava junto a ela, a acotovelou. Ela se levantou rapidamente, caminhando para o centro da quadra, pisando duramente. Seu olhar era de uma profunda fúria. Ela foi até o Guardião Chase e pegou a sua pasta e a estaca falsa que ela usaria.
Ainda com uma expressão incrédula, ela folheou os papeis da pasta que continha o dossiê de Christian. Alberta continuou a chamada dos nomes e isso pareceu testar a paciência de Rose. Ela teria que aprender a lidar com coisas que contrariasse a sua vontade. A vida nem sempre seria como ela sonhava. Quando tudo terminou, Stan mandou que todos o seguissem para a próxima fase da tarefa. Alberta se aproximou de mim e eu já sabia o que ela perguntaria.
“Você conseguiu checar aqueles cronogramas da viagem que lhe dei ontem”
“Sim, fiz algumas anotações, inclusive” eu tinha aproveitado o restante do meu turno para checar isso “eu acho que algumas simulações da prática-“
“O que é isso?” Rose havia interrompido o que eu falava. Eu e Alberta não tínhamos notado que ela se aproximara. Ela estava furiosa, apontando para a pasta com o nome de Christian Ozera. Eu sabia que mais cedo ou mai tarde ela reclamaria por não ter ficado com Lissa.
“É a sua tarefa, senhorita Hathaway” Alberta respondeu com a face em branco.
“Não. Não é. Essa é a tarefa de outra pessoa” ela respondeu por entre os dentes.
“As tarefas em sua experiência de campo não são opcionais. Assim como a sua designação no mundo real não será. Você não pode escolher quem irá proteger se baseando em um capricho ou humor, nem aqui e, certamente, nem depois da sua graduação”.
Alberta estava coberta de razão. O fato de Rose sonhar em proteger Lissa, isso não garantia a ela nada. E mesmo que ela conseguisse este posto, nada assegurava que seria eterno. Ela teria que lidar com qualquer pessoa para quem fosse designada. Não cabe ao guardião escolher isso. É o guardião que é escolhido.
“M as depois da graduação, eu irei ser a guardiã de Lissa! Todo mundo sabe disso. É lógico que eu fique com ela nisso”.
“E u sei que é uma idéia aceitável que você ira ficar junto com ela depois da graduação, mas eu não me lembro de nenhuma decisão obrigatória que diz que você ‘supostamente’ a terá ou qualquer um aqui na escola. Você vai para quem você for designada.”
“Christian?” ela falou jogando sua pasta no chão. “Você está louca se pensa que eu vou o guardar”
Quem parecia estar louca era Rose. Um guardião jamais poderia ter uma atitude dessas ao ser designado para alguém.
“Rose!” falei com uma voz extremamente dura “Você está saindo da linha. Não fale com seus professores assim!”
“Desculpe” sua voz era relutante, mas ela parecia um pouco envergonhada por ter sido repreendida “mas isso é idiota. Quase tão estúpido quanto levar Victor Dashkov a julgamento”
Eu não podia acreditar que Rose estava falando isso e justamente para Alberta. Ontem ela tinha afirmado que poderia ir ao julgamento, mantendo tudo em segredo e agora já estava contando o que sabia. Pior. Estava usando isso como uma arma. Isso surpreendeu Alberta.
“Como você sabe disso? Esquece – Lidaremos com isso depois. Por enquanto, esse é o seu protegido e você irá fazer isso.”
“Olha... eu não me importo... podemos trocar” Eddie falou atrás dela.
“Não, certamente você não pode. Vasilisa Dragomir é sua protegida” Alberta falou para Eddie. Depois se virou para Rose “E Christian é os eu. Fim de assunto.”
“Isso é idiota! Porque eu deveria perder o meu tempo com Christian? Lissa é a única com quem eu vou estar, quando nos formarmos. Se vocês querem que eu faça um bom trabalho, vocês deveriam deixar que eu praticasse com ela.”
Rose continuava sendo impertinente e imatura. Aquela já era uma decisão tomada e não iria ser modificada. Nós, os guardiões da Academia, nos reunimos e analisamos o histórico de cada aluno minuciosamente, antes de fazer a distribuição para esta prática. Não foi algo aleatório e nem planejado para prejudicar ninguém. Ao contrário, estávamos visando o bom preparo de todos eles.
“Você irá fazer um bom trabalho com ela” eu falei “porque você a conhece e vocês têm a ligação. Mas em algum lugar, algum dia, você poderá acabar com um Moroi diferente. Você precisa aprender a guarda alguém que você não conhece.”
“Eu já conheço Christian. Esse é o problema. Eu o odeio.”
“Melhor ainda” disse Alberta “nem todo mundo que você vai proteger será seu amigo. Nem todo mundo será alguém que você gosta. Você precisa aprender a lidar com isso.”
“Eu preciso aprender a lutar contra Strigois. Eu já aprendi isso na aula” ela deu um olhar triunfante pra Alberta “eu já fiz isso pessoalmente”.
“Tem mais neste trabalho do que técnicas, senhorita Hathaway. Tem todo aspecto pessoal – aspecto comportamental, se você preferir – que não comentamos muito em aula. Nós ensinamos a vocês como lidar com Strigois. Lidar com Morois é uma coisa que vocês têm que aprender sozinhos. E você, em particular, precisa aprender a lidar com alguém que não seja sua amiga há anos.”
“Você também precisa aprender como é trabalhar com alguém que você não pode sentir que está em perigo” eu acrescentei.
“Certo. Isso poderá ser um obstáculo, se você pretende ser uma boa guardiã – se você quer ser uma excelente guardiã – é importante que você faça como estamos dizendo”.
Eu senti que ela ia começar a protestar novamente, então eu a cortei, usando um argumento que eu sabia que seria forte contra ela. Eu sabia que teria que trazer a questão para Lissa. Rose era muito autoconfiante em si mesma.
“Treinar com outro Moroi também lhe ajudará a aprender como manter Lissa viva” falei.
“Como assim?” ela perguntou intrigada.
“Lissa tem uma limitação também – você. Se ela nunca tiver a chance de aprender como é ser guardada por alguém com a qual não tenha uma ligação psíquica, ela pode ficar em risco de ataque. Guardar alguém é uma relação que necessita de duas pessoas. Separar vocês duas nesta experiência de campo serve como aprendizado tanto para você, como para ela”
Ela ficou silenciosa, pensado no que eu havia dito. Eu tinha esperanças que ela entendesse que estávamos em uma etapa muito séria do treinamento. Não tínhamos mais espaço para caprichos e pirraças.
“E,” acrescentou Alberta “é o único protegido que você vai ter. Se você não aceitar, vou ter que lhe colocar fora da experiência de campo”
Sentindo que ela ia ter um novo rompante de raiva, eu lhe dei um olhar encorajador. Sem a experiência de campo ela não se formaria e, então não poderia ser guarida de Lissa, como tanto desejava. Ela podia sobreviver a estas seis semanas. Ela pegou a pasta que tinha jogado no chão, vendo que não tinha mais opções.
“Ótimo” ela falou relutante “eu vou fazer isso, mas quero que seja registrado que estou fazendo contra a minha vontade.”
“Acho que já descobrimos isso, senhorita Hathaway”.
“Tanto faz. Eu ainda acho uma ideia estúpida e logo vocês também vão achar.”
Ela se virou e saiu do ginásio pisando duro.
Olhei para Alberta que também observava Rose se afastar.
“Ela sempre foi assim: irreverente e impulsiva. Reconheço que ela teve uma grande melhora, com você sendo o seu mentor, mas algumas vezes ainda acho que ela tem muito o que aprender” Alberta falou, sem olhar para mim.
“Eu sei que ela ainda é um pouco imatura, mas tem um grande potencial. Precisamos acreditar nela e trabalhar com ela. Rose entende a essência de ser um guardião e isso é muito importante. Tenho certeza que ela será uma grande guardiã.”
Alberta não respondeu. Apenas me olhou por longos segundos. Sua expressão era inelegível. Eu a encarei, tentando manter meu rosto o mais imparcial possível. Ela realmente parecia saber de algo. Aquilo me incomodou.
“Preciso voltar ao meu escritório. Tenho algumas coisas a resolver. Você poderia encontrar comigo logo mais, preciso dar uma olhada nas anotações que você fez nos cronogramas da viagem.”
Eu acenei com a cabeça e ela se retirou. Eu permaneci ali, por um momento, mas logo fui o prédio dos guardiões, me juntar aos outros para combinarmos os ataques que faríamos aos novatos. Nós, instrutores, vestiríamos preto e passaríamos por Strigois, atacando os estudantes Morois. A ordem era não poupá-los de nenhuma forma. Os futuros guardiões precisariam ser testados. Ao final de cada ataque, nós faríamos anotações sobre o desempenho deles. No caminho, avistei, de longe, Rose conversando com Adrian Ivashkov. Balancei negativamente com a cabeça. Eu não gostava nada de Adrian, muito menos de vê-lo cercando Rose. Mesmo assim, não me aproximei deles. Eu tinha que manter meu foco no trabalho.
Entrei na sala de reunião do prédio dos guardiões e ainda aguardei um pouco. Logo, todos que participariam dos ataques no horário da tarde chegaram. Em pouco tempo, traçamos todas as estratégias. O meu primeiro ataque seria a um novato chamado Ryan Aylesworth. Era um estudante mediano. Ele estava protegendo Camille Conta. Na verdade, eu e mais quatro guardiões faríamos um ataque simultâneo. Ao terminar a reunião, passei para o escritório de Alberta, onde fechamos tudo que faltava para viagem.
O horário do ataque chegou e nós nos dirigimos até o caminho da sala onde eles teriam aula. Observamos, de longe. Os alunos retornavam do almoço e conversavam alegremente. Emil, e mais dois guardiões partiram silenciosamente para o combate. Seu alvo era uma garota Moroi protegida por Shane Reyes. Ele foi pego de surpresa. Todos os demais estudantes se afastaram e começaram a torcer pelo colega. Era a distração que eu precisava. Parti, sorrateiramente junto com outro guardião que me dava cobertura, e capturei Camille. Ela soltou um longo grito e eu não sabia dizer se ela tinha levado um susto com o ataque ou se realmente estava com medo de mim. Ryan estava muito distraído. Só percebeu o ataque momentos mais tarde. Mas tinha outra pessoa mais atenta ali. Eddie veio por trás e me golpeou na cabeça, me pegando desprevenido. Apesar dele não ser alvo do treinamento, foi uma atitude correta, já que havia um Moroi em perigo. Eu soltei Camille e me virei, em um único gesto para ele. Esse sim era um aluno muito bom, com um grande potencial. Eu o encarei, observei a sua postura, tentando antecipar mentalmente seus golpes. O outro garoto, Shane, se juntou a ele, lhe dando cobertura. Nós lutamos uma luta rápida e eles me “venceram” me empalando com a estaca falsa. Bem, eu diria que Eddie venceu, pois eu tinha, tecnicamente, “matado” Shane. Eu não tinha colocado muita técnica na luta e nem colocaria nas demais, já que para mim, eram lutas meramente simuladas. Eu conhecia a minha força e capacidade de combate e tinha um certo receio de machucar gravemente algum novato.
Rose, que estava próxima a eles, não entrou na luta, mas ficou atenta vigiando os arredores, com uma atitude bastante correta. Ao sairmos, demos breves elogios a Shane e Eddie. Principalmente Eddie por ter entendido que era um teste em conjunto e ter entrado para a defesa de Camille. Fizemos uma breve menção por Rose ter ficado de guarda e demos uma punição a Ryan por ter deixado seu Moroi desprotegido, por pura falta de atenção. Ao sair, acenei a cabeça para Rose, orgulhoso por ela ter se saído bem e ter entendido que o papel que cada um desempenha em uma situação adversa é muito importante.
Passei o restante da tarde andando pelo campus, salas de aula e áreas comuns, avaliando as posturas dos estudantes – nem todo nosso trabalho nessa experiência de campo se resumia em atacar os novatos, nós tínhamos que observar se o comportamento e as posições assumidas também eram adequadas e corretas – mas também realizei pequenos ataques. Quando retornei à sala de reuniões para sintetizar os relatórios da experiência da tarde, três guardiões conversavam com Alberta e a Diretora Kirova, um deles era Stan Alto. Todos me olharam, quando entrei. Senti que um problema sério tinha se formado. Só não conseguia imaginar qual era.
“Ah, aqui está você, Belikov” Alberta se dirigiu a mim, com profundo ar critico. “Imagino que você já tenha conhecimento do que aconteceu com a sua aluna." Eu neguei com a cabela e ela continuou "A senhorita Hathaway teve uma atitude repugnante durante seu primeiro ataque. Ela se recusou, deliberadamente, a defender o seu protegido. Isso é uma coisa inadmissível.”
Eu mantive minha expressão imparcial, mas, por dentro, fiquei momentaneamente em choque. O que Rose tinha feito?
“Desculpe, Guardiã Petrov. Ainda não tive conhecimento de nada. O que ocorreu?” perguntei mantendo minha voz firme e fria.
“Rosemarie Hathaway ficou imóvel durante o ataque que fiz a Christian Ozera” Stan bradou “Não se mexeu um milímetro sequer, ela não se deu nem ao trabalho de me olhar, ficou parada, como se nada tivesse acontecendo. Se fosse um ataque real, o protegido dela estaria morto. Morto. Um Moroi deixado propositalmente completamente indefeso, foi isso que ocorreu.”
Eu não tive palavras para responder aquilo. Rose deveria ter uma boa explicação para ter feito isso. Ela entendia o que era ser uma guardiã, eu me recusava a acreditar que ele tinha feito de propósito. Tinha que ter um motivo plausível.
“Ter um guardião capaz de uma atitude dessas é pior do que não ter guardião algum” Kirova acrescentou.
“Estou reunindo o comitê disciplinar dos guardiões imediatamente. Essa infração é gravíssima” Aberta disse, se voltando para Kirova “Extrapola o âmbito escolar. São vidas. Vidas que estão em risco.”
Eu apenas assenti com a cabeça. Eu não tinha argumentos para usar ali. Além do mais, não tinha ouvido o lado de Rose ainda. Parte minha se recusava a acreditar que tinha sido uma atitude intencional. Mas, por outro lado, eu tinha visto Rose ameaçar, hoje cedo, lá no ginásio, dizendo que nós íamos nos arrepender de ter colocado Christian sob sua proteção. Isso pesava contra ela.
Rose agora teria que enfrentar o Comitê dos Guardiões. A reunião deste comitê era algo raro que só ocorria quando um guardião, ou um novato, cometia uma infração gravíssima. Ele era altamente punitivo e impiedoso, afinal era formado por todos os guardiões do local onde o fato ocorria. Os guardiões não costumam tolerar atitudes irresponsáveis. Nós temos um lema a ser seguido, e quando somos graduados, prometemos guardar um Moroi acima de qualquer coisa. Eu já podia imaginar o que aguardava por Rose nesta reunião. E eu ainda não sabia o que fazer para ajudá-la.
Todos os guardiões da Academia, exceto aqueles que estavam no turno da segurança, se reuniram para assistir ao comitê disciplinar. Nós estávamos em uma das salas de reuniões, a maior delas, na verdade. Rose estava sentada à mesa, diante de Alberta, Emil e Celeste. Seriam eles que iriam arbitrar a pena disciplinar dela. Os outros guardiões estavam sentados em volta e eu estava entre eles. Eu ainda não tinha tido a chance de conversar com ela sobre o que aconteceu.
Confesso que quando tomei conhecimento, mais cedo, tive uma ponta de decepção ao saber daquela atitude dela, mas agora, a olhando ali, sentada junto a guardiões tão imponentes, vi tanta vulnerabilidade vinda dela, que senti meu coração apertar.
Alberta começou dando uma breve justificativa a todos do porque daquela reunião e pedindo para Stan narrar o fato. E ele o fez de forma autoritária. Quando terminou, ela se voltou para Rose, lhe dando direito a réplica.
“Pela última vez, eu não fiz isso de propósito”
“Senhorita Hathaway, você deve saber o porquê de estarmos com dificuldades em aceitar essa sua explicação” Alberta falou, obviamente se referindo ao fato de Rose estar apenas negando os acontecimento e não apresentar argumentos convincentes.
“O Guardião Alto a viu” Celeste acrescentou imparcialmente “você se recusou a proteger dois Morois – incluindo aquele cuja proteção lhe foi designada.”
“Eu não recusei! Eu... errei o alvo” Rose exclamou.
“Aquilo não foi um erro de alvo” Stan falou se voltando para nós, que assistíamos tudo imparcialmente. A presença dos guardiões ali era mesmo para intimidar Rose, não se esperava que algum de nós se pronunciasse. Depois ele se voltou para Alberta “Posso?” ela concordou e ele continuou “se você tivesse me bloqueado ou atacado, isso sim seria um erro de alvo. Mas você nem ao menos tentou. Você ficou parada como uma estátua e não fez nada.”
“Porque eu estou tendo problemas por falhar? Quero dizer, eu vi o Ryan falhar hoje cedo, mas ele não teve problemas por isso. Esse não é o objetivo de todos estes exercícios? Praticar? Se nós estivéssemos prontos, vocês já nos teriam lançado no mundo.”
A voz de Rose era firme e a cada momento eu me convencia que havia algo mais ali, algo que ela não estava mencionando. Realmente ela não reagiu ao ataque, mas não foi proposital. Alguma coisa a impediu. Eu podia ver isso claramente, só não conseguia ver o que era.
“Vocês ouviram?” Stan exclamou. Ele estava indignado, claramente trazendo emoções pessoais para sua voz “você não falhou, porque ‘falhar’ implica em fazer algo de fato.”
“Ok. Então eu congelei” Rose falou, mudando sua defesa de forma inteligente. Ela havia percebido que deveria usar outro argumento. Ela o olhou de forma astuta “isso não conta como falhar? Eu não agüentei a pressão e paralisei. Mostra que eu não estava preparada. O momento veio e eu fiquei apavorada. Isso acontece com os noviços o tempo todo.”
Era um bom argumento, mas ele não convenceria ao ser aplicado a Rose. Ela era conhecida por ser audaciosa e corajosa. Medo não era algo que fazia parte de seu histórico.
“Para uma noviça que já matou Strigois? Parece improvável” Emil replicou, dando voz os meus pensamentos. Rose olhou em volta, para todos da sala.
“Oh, eu entendo. Quer dizer que depois daquele incidente eu me tornei uma especialista em matar Strigois? Eu não posso entrar em pânico, sentir medo ou coisas do tipo? Faz sentido. Obrigada, caras. Isso parece justo. Muito justo.” Ela se afundou na cadeira, cruzando os braços. Alberta se colocou à frente da mesa, não se importando com a irritação de Rose.
“Nós estamos discutindo semântica. Detalhes técnicos não são o ponto aqui. O que importa é que nessa manhã você deixou bem claro que não queria proteger Christian Ozera. E de fato... e eu me lembro que você ainda deixou claro que estava fazendo isso contra a sua vontade e que logo nós veríamos o quão ruim esta ideia era. E então, quando o seu primeiro teste acontece, você se porta totalmente indiferente.”
Rose fez uma expressão de reconhecimento. Ela estava lembrando que realmente tinha falado isso. Eu a conhecia bem e, a cada momento, eu tinha mais convicção que ela não tinha feito de propósito, eu realmente confiava nela. Ela podia ter tido uma atitude imatura ao descobrir que teria que proteger Christian, mas ela não o deixaria em perigo gratuitamente. Era contra a sua própria natureza.
“É realmente sobre isso que estamos falando? Vocês realmente acham que eu não o protegi por causa de um tipo estranho de vingança?”
Os três guardiões a olharam fixamente.
“Você não é conhecida por aceitar as coisas com as quais não concorda de forma calma e graciosa” Alberta falou secamente. Então, todo o vestígio de paciência que Rose ainda tinha de esvaiu. Ela se levantou em um rompante, ardendo de raiva, apontando o dedo acusadoramente para Alberta.
“Isso não é verdade! Eu tenho seguido cada regra que Kirova me impôs, desde que voltei para cá. Eu tenho freqüentado todos os treinos práticos e obedecido todos os toques de recolher! Não existe razão alguma para que eu tenha feito isso como uma espécie de vingança! O que isso me traria de bom? Stan – Guardião Alto realmente não iria machucar a Christian, não era com se eu pudesse socá-lo até reduzi-lo a pó. A única coisa que eu conseguiria era ser arrastada para algo como isso aqui e encarar uma possível retirada da experiência de campo.”
“Você já está enfrentando uma remoção da experiência de campo” Celeste falou, sem rodeios.
“Hã?” Rose falou, com toda a coragem que possuía fugindo dela.
Eu achei que já tinha ouvido demais e já era hora de me pronunciar, afinal eu era o seu mentor e estava fazendo um duro trabalho com ela, não podia deixar que ela fosse cortada da experiência de campo assim, isso arruinaria a sua formatura.
“Ela tem um ponto” falei, ficando em pé um pouco atrás dela. Todos me olharam com expectativa “se ela fosse protestar ou se vingar, ela faria isso de outra maneira.”
“Sim, mas depois do que ela fez esta manhã...” Celeste começou falando, com uma expressão nada agradável. Eu dei mais uns passos à frente, me aproximando de Rose. Foi um gesto calculado. Era uma forma de mostrar que ela não estava sozinha, que havia quem a defendesse. Eu também sabia que a minha aparência era intimidante e imponente.
“Tudo isso é circunstancial. Apesar de tudo parecer suspeito para vocês, não existem provas de tudo isso. Removê-la da experiência – essencialmente arruinando a graduação dela – é um pouco extremo, sem se ter qualquer certeza.” Falei de forma fria e racional, chamando a razão para mim. Isso pareceu surtir efeito. Stan tinha narrado os fatos de forma muito emocional, desviando o foco de todos. O comitê ficou apreensivo, ponderando as minhas palavras. Todos olhavam para Alberta com muita expectativa. Ela acenou para Celeste e Emil e eles se juntaram em uma pequena conversa, falando muito baixo. Depois de alguns minutos, ela se voltou novamente para Rose.
“Senhorita Hathaway, existe algo que você queira dizer, antes de darmos as nossas conclusões?”
“Não, Guardiã Petrov. Nada a acrescentar”
“Certo. Aqui está o que nós decidimos. Você tem sorte em ter o Guardião Belikov para lhe defender, ou esta decisão poderia ser bem diferente. Nós estamos lhe dando o benefício da dúvida. Você continuará na experiência de campo e continuará protegendo o senhor Ozera. Você estará em uma espécie de provação.”
“Tudo bem. Obrigada.”
“E,” Alberta acrescentou, sem se importar com a postura humilde que Rose tinha assumido “como as suspeitas sobre você não foram inteiramente retiradas, você passará o seu dia livre desta semana prestando serviço comunitário”
“O quê?” Rose deu um pulo da cadeira e eu instintivamente segurei seu pulso, colocando mais força do que devia.
“Sente-se!” murmurei no seu ouvido e a puxando de volta para a cadeira “Fique com o que você conseguiu.”
“Se isso for um problema, você poderá fazer isso na próxima semana também” acrescentou Celeste “e nas cinco semanas após essa.”
Rose sentou e negou com a cabeça “Desculpe. Obrigada”
A reunião do comitê terminou e os guardiões, da forma eficiente de sempre, se dispersaram rapidamente. Ficamos só eu, Alberta e Rose na sala.
“Acho que você deveria ir até o seu protegido agora” Alberta falou para Rose.
“Posso falar, um minuto, a sós com ela?” eu perguntei a Alberta, que consentiu, provavelmente supondo que eu lhe daria uma bela bronca.
Não era isso que eu pretendia. Eu não via Rose como os demais estudantes da Academia. Eu a via no mesmo patamar meu, como uma igual. Não era como se ela fosse uma aluna a quem apenas ensinava. Eu também aprendia muito com ela. Além do mais, eu não conseguia ter raiva o suficiente dela para passar o sermão que todos imaginavam que eu lhe dava. Eu sempre preferia usar argumentos.
Alberta nos deixou sozinhos, a sala ficou vazia e silenciosa. Rose permaneceu sentada, quando eu caminhei para uma pequena mesa do canto que tinha café e algumas bebidas. Imaginei que com um pouco de chocolate quente ela poderia relaxar e se sentir mais a vontade para falar. A reunião do comitê foi bastante tensa, ela devia ainda estar nervosa com as acusações que recebeu. Confesso que eu estava cauteloso, também, pois estar só com ela sempre era algo que eu não sabia lidar com naturalidade. Percebi que ela me observava com apreensão.
“Você quer um pouco de chocolate quente?”
“Claro” ela tentou esconder a surpresa no seu rosto. Ela não estava esperando por aquilo. Provavelmente ela também estava esperando um sermão zen, como ela tanto detestava.
Eu peguei duas xícaras descartáveis e preparei o chocolate para mim e para ela “colocar dois pacotes é o segredo” falei, enquanto terminava o preparo, para parecer descontraído. Entreguei-lhe a sua xícara e caminhei em direção a uma varanda que ficava na parte anexa ao prédio, era um lugar bonito, pouco usado pelos guardiões, principalmente no inverno. Eu achei que era melhor conversamos em um lugar menos informal. A sala onde estávamos anteriormente era muito séria e eu não queria que a minha conversa com ela tivesse a mesma tensão da reunião do comitê. Rose me seguiu, ainda com a apreensão no seu rosto.
“Onde nós estamos – oh” ela exclamou ao entrar na varanda. Aparentemente ela não conhecia aquele lugar, os noviços não tinham acesso a todos os cômodos do prédio dos guardiões.
Eu fui até uma cadeira, tirei o pó e sentei. Ela ficou me olhando, assoprando o chocolate. Eu bebi o meu em um único gole, como sempre fazia. Eu gostava da sensação do líquido quente passando pela minha garganta. Rose se sentou em uma cadeira em frente à minha e o silêncio cresceu. Eu fiquei, por um momento, olhando para a minha xícara vazia, procurando a melhor forma de começar aquela conversa. Rose tinha tido um péssimo dia.
Eu não precisava olhar para ela para saber que ela me observava. Seu olhar era cortante. Continuei vasculhando os meus pensamentos, tentando buscar uma maneira dela sentir que podia confiar em mim e me contar o que a levou a uma atitude daquelas. O que estava a deixando tão nervosa. Não queria que ela se sentisse criticada ou repreendida. Eu apenas queria saber o que se passava dentro dela.
“O quê aconteceu lá?” perguntei levantando os meus olhos e encontrando os dela “você não perdeu o controle por causa da pressão.”
“É claro que foi” ela falou desviando os olhos do meu, olhando para a xícara “a não ser que você acredite que eu realmente deixei Stan ‘atacar’ Christian.”
“Não. Eu não acredito nisso. Nunca acreditei. Eu sabia que você ficaria infeliz, quando descobrisse quem seria o seu protegido, mas eu nunca duvidei que você faria o que fosse preciso para proteger a ele. Eu sabia que você não deixaria os seus sentimentos pessoais ficarem no caminho do seu dever.” Eu realmente acreditava piamente nisso. Eu acreditava nela, embora tivesse certeza de que ela não estava me contando tudo. Ela levantou seus olhos da xícara e me encarou.
“Eu não fiz aquilo. Eu estava brava... ainda estou um pouco. Mas quando eu disse que faria, eu falei sério. Eu acho que ele é bom para Lissa, ele se importa com ela, então não posso ficar chateada com isso. Eu e ele apenas colidimos, às vezes, mas isso é tudo. E, além do mais, nós nos saímos muito bem juntos contra os Strigois. Eu lembrei disso, quando estava com ele hoje, e toda aquele discussão sobre esta tarefa pareceu estúpida. Então eu decidi que faria o melhor que eu pudesse.”
Aquelas palavras de Rose soaram sinceras e me animaram. Ela parecia ter finalmente entendido tudo, mas, ela não tinha respondido a minha pergunta. Ela tinha desviado ao assunto, então retornei ao ponto.
“Então o que aconteceu durante o ataque de Stan?”
Ela desviou novamente o olhar, se concentrando na xícara vazia. Isso deixava claro que o que eu suspeitava. Ela tinha uma boa razão para o ocorrido, algo que ela não conseguia contar. Ela ficou pensativa por alguns minutos e eu a olhei, esperando pacientemente pela resposta.
“Eu não sei o que aconteceu. Minhas intenções eram boas... eu só... eu só fiz besteira.”
“Rose, você mente muito mal”
Ela me olhou surpresa. “Não é verdade. Eu já contei muitas mentiras boas na minha vida. As pessoas acreditaram nelas.”
Eu tive que sorrir. Ela, sem sentir, confessou que estava mentindo para mim.
“Eu tenho certeza disso. Mas não funciona comigo. Para começo de conversa, você não me olha nos olhos. E depois... eu não sei. Eu consigo perceber.”
Será que ela realmente pensava que eu não perceberia uma mentira sua? Aquelas palavras minhas a deixaram bem inquieta, ficando ainda mais evidente que ela não estava falando a verdade. Ela se agitou na cadeira, em um típico gesto de quem quer se retirar de um lugar.
“Olha, eu agradeço por você estar preocupado comigo... Mas na verdade, está tudo bem. Eu só fiz uma besteira. Eu estou envergonhada disso – eu sinto muito por ter envergonhado o seu incrível treinamento – mas eu vou me recuperar. Da próxima vez, o traseiro de Stan é meu.” Ela falou se levantando e se dirigindo até a porta, ainda sem olhar para mim. Eu não ia deixar que ela fosse sem me esclarecer tudo isso que se passava com ela. Eu estava preocupado, tinha um pressentimento que algo sério sairia dali. Então, eu me levantei rapidamente e com poucos passos, a alcancei, segurando o seu ombro. Ela congelou imediatamente com o meu toque.
“Rose, eu não sei por que você está mentindo, mas eu sei que você não faria isso sem uma boa razão. Se tem algo errado, algo que você tem medo de dizer aos outros – “
Ela se virou rapidamente para mim e pude ver que ela estava chorando. Realmente havia algo grande. Algo que estava a angustiando muito.
Ver Rose tão fragilizada assim era algo raro. Ela raramente demonstrava sentimentos tristes, sempre fazendo questão de passar a imagem de uma pessoa muito forte. Isso era o que me deixava mais preocupado.
“Eu não tenho medo” ela falou em meio ao choro “eu tenho os meus motivos e, acredite em mim, o que aconteceu com Stan não foi nada. Verdade. Tudo isso foi só algo estúpido, que teve suas proporções aumentadas. Não sinta pena de mim ou que você tem que fazer alguma coisa. O que aconteceu foi uma droga, mas eu vou superar e aceitar a marca negra. Eu posso cuidar de tudo. Eu posso cuidar de mim mesma.”
Eu olhei para Rose, tentando assimilar a que ponto tudo aquilo tinha chegado. Ela negava veementemente que estava escondendo algo mais sério, mas eu podia ver claramente. Ela estava sendo afetada por aquele problema. Ao que me parecia, ela não confiava em mim. O que ela pensava? Que eu a deixaria sozinha? Eu nunca a deixaria enfrentar qualquer coisa que fosse sozinha. Eu sempre estaria ali, como foi hoje na reunião do comitê dos guardiões, como eu estive tantas outras vezes.
Mas, estando com ela ali, chorando na minha frente, tudo que eu queria era poder confortá-la, eu ainda estava segurando o seu ombro, então eu apertei mais forte, controlando a vontade de puxá-la para um abraço. Ela tinha que entender que tinha o meu apoio incondicional.
“Você não tem que fazer isso sozinha” eu realmente queria ajudá-la. De qualquer forma que fosse. Eu pude perceber que ela estava dando muito de si para parecer forte.
“Você diz isso... mas diga a verdade. Você sai correndo procurando por ajuda, quando você tem problemas?”
Ela estava se comparando a mim? Neste ponto, éramos muito diferentes. Rose tinha pessoas que estavam realmente dispostas a muita coisa para ajudá-la. Diferente de mim. Eu tive que aprender a viver sozinho desde muito jovem.
“Não é a mesma coisa-“
“Responda a pergunta, camarada.” Rose falou me cortando, usando o ‘simpático’ apelido. Eu detestava quando ela me chamava de camarada.
“Não me chame assim.”
“Então, não evite a pergunta.”
“Não. Eu procuro lidar com os meus problemas sozinho” falei, sem rodeios.
“Vê?” ela falou, saindo do alcance das minhas mãos.
“Mas você tem muitas pessoas na sua vida em quem pode confiar. Isso faz tudo ser diferente.”
Eu me arrependi daquelas palavras no momento que elas saíram. Eu tinha falado demais, praticamente admitindo que eu não tinha pessoas em quem confiar. E eu realmente não tinha. Quando eu briguei com o meu pai, quando tinha treze anos, foi um ponto na minha vida que decidiu tudo. Ali eu decidi que não faria parte de uma comunidade dhampir e que não deixaria que as escolhas da minha família se refletissem na minha vida. Eu não concordava com as escolhas das mulheres da minha família, para ser honesto, por isso, me afastei delas e há um longo tempo não as vejo. Eu sinto falta de casa, mas já tinha decidido me afastar. Isso me deixou ainda mais isolado do mundo. Quando saí de Baía, para não mais voltar, não deixei somente família. Deixei amigos e toda a minha história para trás. Minha obstinação em ser um guardião se tornou todo o meu foco.
Hoje eu reconhecia que isso trouxe conseqüências para mim. Eu não conseguia ter uma vida social, construir e manter amizades. Eu vivia em um mundo só meu e não dava espaço para que alguém fizesse parte dele, me contentando em viver sozinho. Sozinho de verdade. Tudo mudou um pouco quando Rose surgiu na minha vida. Ela conseguiu tirar um pouco daquela solidão na qual eu vivia.
Ela ficou me estudando por alguns minutos, realmente entendendo o que eu tinha dito. Aquele olhar era um que dizia que ela estava vasculhando a minha alma. Era assustador como ela podia me conhecer tão bem.
“Você confia em mim?” ela me perguntou seriamente.
Eu hesitei por breves segundos. Eu cofiava nela. Ela era uma das poucas pessoas no mundo em quem eu confiava plenamente.
“Sim” respondi baixo.
“Então confie em mim agora. E não se preocupe comigo. Pelo menos desta vez” ela falou se afastando de mim.
Com estas palavras, ela saiu da sala e eu não a impedi, apesar de sentir que ainda tínhamos muito que conversar. A sala ficou vazia sem a presença dela e eu fiquei ali refletindo sobre a minha própria vida. Eu queria a ajudar de alguma maneira, mas novamente não sabia como.
Saí da sala e fui para o meu quarto, no dormitório dos guardiões. Eu tinha passado a noite em claro, de plantão e o dia hoje tinha sido bastante puxado. Eu sentia que precisava descansar, mas eu não consegui dormir. Então, peguei um dos meus livros de velho oeste e fiquei lendo, tentado afastar os pensamento da conversa que tive com Rose, na esperança do sono chegar logo.
******
Os dias seguintes correram dentro da normalidade. A prática de campo funcionava como planejado, eu me revezava entre os treinamentos com Rose, meus turnos de guarda e minhas participações nos ataques e avaliações dos alunos. Raramente um deles conseguia me vencer, mas isso não me impedia de levar alguns golpes.
Rose parecia bastante conformada por ficar com Christian e seu comportamento estava sendo exemplar. Vez por outra, eu lia os relatórios dos outros guardiões sobre os seus testes e sempre eram muito bons, inclusive do próprio Stan que elogiava mas com ressalva dela buscar se gloriar em uma participação dela em um ataque. Não conversamos mais sobre o que ocorreu no seu primeiro teste, mas eu fiquei bem atento às atitudes dela.
(1)Certo dia, quando cheguei para o treino da tarde, Rose me olhou com surpresa.
“Você não percebeu que está sangrando até a morte?” ela exclamou e eu toquei, intuitivamente, no lugar onde eu sentia um pouco de dor. Eu realmente não percebi que tinha cortado a minha bochecha em uma luta que tive antes de vir para o ginásio.
“Eu não exageraria tanto. Não é nada.” Falei, sem me importar de fato com aquilo.
“Não será nada até você ter uma infecção”
Era um exagero dela, um excesso de cuidado até. Algo com o qual eu não estava acostumado. Nós dhampirs não tínhamos o organismo tão frágil assim. Nós podíamos suportar mais do que isso.
“Anda!” ela falou, autoritariamente, apontando para o banheiro do ginásio. Eu não ousei desobedecer e segui até lá com ela.
“Rose, realmente não precisa desse cuidado todo. Você está exagerando. Depois do treino, eu lavarei o rosto durante o banho e amanhã já estará praticamente cicatrizado” falei protestando, mas ela não me deu ouvidos, antes pegou uma caixa de primeiros socorros, tirou um pouco de algodão e começou a limpar delicadamente o meu corte. Sentindo que ela não desistiria, fiquei quieto, tentando não pensar o quão próximos estávamos. O aroma que vinha dos seus cabelos, a respiração dela perto de mim, tudo contribuía para acender novamente o desejo que eu sentia por ela. Estes últimos tempos nós não tivemos recaídas amorosas, mas andávamos em uma pequena linha, prestes a ceder a qualquer momento.
Seus olhos me observavam atentamente, com a expressão tranqüila, e eu reuni todo autocontrole que pude para não me deixar levar por aquele olhar. Ela continuou limpando o corte e quando tocou nos meus cabelos, para afastá-los do meu rosto, senti meu corpo todo responder aquele toque de forma muito perigosa. Então, em um gesto rápido, puxei meu rosto para trás, me afastando dela. Sabendo que eu não resistiria a tanta proximidade por muito tempo, segurei a sua mão bruscamente.
“Chega” minha voz quase sem forças, denunciando o que eu estava sentindo “Eu estou bem” falei relutante, sem conseguir soltar a mão dela. Era muito difícil resistir a tanta paixão que percorria dentro de mim. Eu passava noites e mais noites em claro lutando contra este sentimento e geralmente achava que estava fazendo um bom trabalho, mas sempre era assim. Bastava um toque dela para eu saber que eu já tinha sido vencido por este sentimento.
A expressão de Rose mostrava que ela estava sentindo o mesmo, mas ela já tinha entendido que não podíamos ficar juntos.
“Tem certeza?” ela perguntou, também com a voz trêmula.
“Sim” falei suavemente, sentindo um imenso carinho por ela “obrigado, Roza”.
Eu soltei a sua mão e nós saímos apressadamente dali. Prosseguimos o treino em silêncio e quando terminou, cada um de nós seguimos os nossos caminhos. A sensação do toque dela ficou comigo por toda a noite. Não consegui dormir, toda vez que eu fechava meus olhos, a imagem dela voltava para minha mente. Foi uma longa noite.

O final de semana chegou e eu passei o sábado trabalhando. Como acontecia corriqueiramente, sempre tinha um guardião me pedindo para cobrir um plantão dele para que pudesse aproveitar o dia, se divertindo. Eu não tinha problemas com isso e sempre aceitava.
No domingo, acordei cedo e fui à missa, como de costume. Rose estava lá, mas a sua presença nem sempre era algo constante, ela não era religiosa. Para ser sincero, eu realmente duvidava que ela acreditasse em Deus. Mas hoje, tinha uma boa razão para estar ali. Ela teria que prestar serviços comunitários. Era ali, na capela, que estes serviços seriam realizados. Quando a missa terminou, todos rapidamente se dispersaram, a maioria seguindo para algum encontro social. Eu permaneci por lá, deixando Rose surpresa. Eu não tinha nada para fazer o dia inteiro, então resolvi ajudá-la no trabalho e, além do mais, era uma boa desculpa de passar um tempo com ela, sem compromissos.
“O quê você está fazendo aqui?” ela perguntou.
“Pensei que você poderia precisar de alguma ajuda. Eu ouvi dizer que o padre tem muita coisa para limpar.”
“Sim, mas não é você que está sendo punido. E esse também é o seu dia de folga. Nós – bem, todos os outros – passaram a semana batalhando, mas são vocês os caras que apanham nas lutas o tempo todo.” Ela falou olhando para os poucos ferimentos que eu tinha do meu rosto. Dentre todos os guardiões, eu era o que tinha menos machucados.
“O que mais eu poderia fazer hoje?” perguntei simplesmente.
“Eu poderia pensar em um monte de coisas. Provavelmente existe um filme do John Waynes, em algum lugar, que você não viu.” Ela tentou fazer uma piada, mas sua voz soou seca.
“Não, não tem” falei negando com a cabeça “ eu vi todos eles. Olha – o padre está esperando por nós”. Eu tinha visto o padre Andrew se aproximar. Ela se virou desanimada e fomos até ele.
“Agradeço a vocês dois por se oferecerem voluntariamente para me ajudar.” O padre falou sorrido e eu tive que me controlar para não sorrir também da expressão de Rose. Só eu era voluntário ali. “Nós não vamos fazer nada complexo hoje, mas realmente é um pouco chato. Nós vamos fazer a limpeza regular, é claro, e depois eu gostaria de organizar em caixas alguns materiais velhos que tenho no sótão.”
“Estamos felizes em lhe ajudar em tudo que precisar” falei solenemente, na intenção de deixar o padre à vontade diante da cara feia de Rose.
Como o padre tinha orientado, começamos o nosso trabalho limpando a parte central do templo. Rose ficou como chão e eu fui limpar e polir o móveis. Eu me concentrei no meu trabalho, tenanto fazer o melhor, não só por ser um trabalho em uma igreja, mas para dar exemplo a Rose. Ela limpava tudo, mas vez por outra me olhava de forma intrigada. Quando terminamos com a limpeza, o padre Andrew nos levou para s segunda etapa da tarefa que era a arrumação do sótão. Nós três nos sentamos no chão e o ele começou a jogar fora o que não queria. Foi quando Rose soltou uma pergunta ao padre que me deixou curioso.
“Ei, você acredita em fantasmas? Quero dizer, existe alguma menção deles” ela girou o dedo, apontando em volta para a igreja “nesse negócio?”
O padre Andrew ficou surpreso eu também, mas não demonstrei nada, ao contrário, fiquei quieto, aguardando o que mais viria dela. Ele parou o trabalho que estava fazendo e ficou pensativo.
“Bem... isso depende de como você define ‘fantasmas’, eu suponho”
“O ponto de tudo isso é que quando você morre, você vai para o céu ou para o inferno. Isso faz dos fantasmas apenas lendas, certo? Eles não estão na Bíblia ou algo parecido?”
“Novamente, isso vai depender da sua definição. Nossa crença diz que, depois da morte, o espírito se separa do corpo e pode, de fato, demorar um pouco para deixar o mundo.”
“O quê?” ela exclamou, derrubando uma peça de madeira que segurava. Felizmente não quebrou. “Por quanto tempo? Para sempre?”
Eu permaneci no meu trabalho, limpando vários livros empoeirados e colocando em caixas, conforme as orientações do padre. Mas continuei atento a conversa deles.
“Não, não. Claro que não” ele prosseguiu, contente por estar ensinando algo a Rose “elas voam para a face da ressurreição e salvação, que é o que forma a base da nossa convicção. Mas acredita-se que as almas podem ficar na terra de três a quarenta dias após a morte. Eventualmente elas recebem um julgamento temporário que as mandam para o céu ou inferno – embora elas não conheçam o seu destino até o verdadeiro julgamento, quando a alma e o corpo se reúnem para viver como um só.”
Rose ficou completamente pensativa. Ela parecia realmente interessada naquela história. Era muito difícil vê-la interessada em um assunto assim. Principalmente se fosse um assunto religioso.
“Sim, mas isso é verdade ou não? Existem realmente espíritos andando pela terra até quarenta dias após a morte?”
“Ah, Rose. A pessoa que questiona sobre a veracidade da fé não pode entrar em questões sobre as quais ela ainda não está preparada.” O padre falou isso se dirigindo a própria atitude dela. Ela aceitou aquelas palavras, ficando calada.
“Mas,” ele acrescentou “se isso lhe ajudar, muitas destas histórias sobre fantasmas são parecidas com as convicções do povo do leste europeu, que existem antes da expansão do cristianismo. Estas tradições defendem a idéia de que os espíritos ficam aqui por um pequeno período, após a morte – principalmente se a pessoa em questão morreu jovem ou violentamente.”
“Por que?” ela perguntou baixo “porque eles ficariam? Seria por... seria por vingança?”
“Eu tenho certeza que algumas pessoas acreditam nisso, da mesma forma que outros acreditam que isso acontece porque a alma teve dificuldade em encontrar a paz, depois de algo tão perturbador.”
“No que você acredita?”
“Eu acredito que a alma se afasta do corpo, como nossos pais nos ensinaram. Mas eu duvido que o tempo que a alma passa na terra seja algo que qualquer ser vivo possa perceber. Não é como nos filmes, com fantasmas assombrando prédios, ou vindo visitar aqueles que eles conheciam. Eu acho que estes espíritos são como uma energia ao nosso redor, algo além da nossa percepção, enquanto eles esperam para encontrar a paz. No final das contas, o que importa é o que acontece além da terra, quando encontram a vida eterna que o nosso salvador nos deu pelo seu grande sacrifício. É isso que importa.”
A mudança de humor de Rose foi notável. Ela assumiu uma expressão muito preocupada e, eu poderia dizer, assustada. Não me pronunciei durante o diálogo dela com o padre, mas fiquei intrigado. O que teria feito com que ela despertasse o interesse por aquele assunto assim? O padre também pareceu sentir a mudança nela e tentou a distrair.
“Há pouco tempo eu consegui alguns livros novos, com um amigo meu, de outra paróquia. Histórias interessantes sobre St Vladmir. Você ainda se interessa por ele? E por Ana?”
Aparentemente Rose já tinha feito alguns questionamentos, sobre outros assuntos, ao padre. Mas uma vez, isso me surpreendeu. Eu não imaginava que ela fizesse consultas justamente ao um padre.
“Sim, eu me interesso” sua voz era evasiva “mas eu acho que não vou conseguir ler isso tão cedo. Eu estou muito ocupada com tudo isso... você sabe, a experiência de campo.”
Depois daquelas palavras nenhum deles dois falou novamente. Eu, que já estava calado, permaneci calado, embora estivesse curioso para saber porque aquele interesse dela por fantasmas.
Terminamos de encaixotar tudo e o padre olhou para nós, satisfeito.
“Eu preciso que vocês carreguem estas para o campus fundamental” ele disse apontando para as caixas “deixe-as fora do dormitório Moroi. A Sra. Davis dá aulas de religião, na escola dominical, a algumas crianças, ela pode usar estes livros.”
Eu olhei para as caixas. Só conseguiríamos levar tudo com duas viagens. Nós pegamos as que pudemos e seguimos para o campus fundamental que ficava a uma distância bem considerável.
“Porque você este interessada em fantasmas?” perguntei casualmente, enquanto caminhávamos.
“Estava apenas puxando conversa”
Aquela frase dela me fez ter certeza que novamente havia algo. Ela estava mentindo mais uma vez, e ela só fazia isso quando queria esconder sério algo de mim. Isso estava se tornando corriqueiro? Ou tudo fazia parte do mesmo problema?
“Eu não posso ver o seu rosto agora, mas eu sinto que você está mentindo de novo.”
“Nossa, todo mundo está pensando o pior de mim, ultimamente. Stan me acusando de me gloriar-“
“Eu ouvi sobre isso” falei lembrando de ter lido os relatórios de Stan “Aquilo foi um pouco injusto da parte dele.”
“Um pouco, hum? Bem, obrigada, mas eu estou começando a perder a fé nessa experiência de campo e em toda a Academia.”
“Você não quis dizer isso” falei num tom reconfortante. Rose estava muito desanimada ultimamente, e eu sabia que ela tinha razões para estar assim, mas ela era muito jovem para perder a esperança.
“Eu não sei. A escola parece tão envolvida em regras políticas, que não tem nada a fazer na vida real. Eu vi como era lá fora, camarada. Eu entrei direto na toca do monstro. De algum modo... eu não sei se isso realmente nos prepara.”
“Às vezes eu concordo com você” falei e ela ficou totalmente surpresa. Mas essa era uma opinião minha também. Por mais que se treinasse, a vida real era bem mais dura do que qualquer simulação. Não existe nada que lhe prepare para o que você vai enfrentar, quando vidas estão dependendo de você.
“Realmente?”
Eu dei um pequeno sorriso. Ela ficou muito surpresa mesmo. “Realmente. Quero dizer, eu não concordo que os noviços sejam colocados no mundo quando têm dez anos de idade, ou algo assim, mas eu penso que a experiência de campo deve realmente ser em um campo. Provavelmente, eu aprendi mais no meu primeiro ano como guardião, do que em todos os meus anos de treinamento. Bem... talvez não tudo. Mas lá fora é uma situação absolutamente diferente.”
Ela me olhou feliz por eu ter a entendido e eu retribui o olhar. Era algo bom, concordar com Rose. Nós tínhamos pensamentos parecidos, talvez por isso nos déssemos tão bem. Eu olhei em volta e não tinha quem recebesse o material que trouxemos. Percebi que a caixa estava pesada para ela.
“Oh, nós estamos no meio do dormitório da escola. Parece que as crianças mais novas estão na próxima porta.”
“Sim, mas a Sra. Davis deveria estar aqui nesse prédio” falei colocando a minha caixa no chão “deixe-me tentar encontrá-la e ver onde ela quer que coloque isso. Eu volto logo.”
Eu me afastei e saí procurando sala por sala. Nada da Sra. Davis. Não sei como ela confiava em deixar tantas crianças sozinhas, sem supervisão de um adulto. Passei para o andar superior e a encontrei em uma sala que tinha uma pequena copa. Ela tomava um pouco de café, distraidamente, olhando pela janela.
“Sra. Davis?” falei batendo no portal da porta, que estava aberta.
“Sim?” ela falou, se virando “Ah, Guardião Belikov! O que lhe traz aqui?”
“Nós ajudamos o padre Andrews a fazer algumas arrumações hoje, depois da missa. Trabalho voluntário. Ele mandou algum material para as aulas dominicais” falei, procurando ser simpático.
“Ah, sim, claro. Nós precisamos muito de materiais novos. Também de trabalho voluntário. Sempre que quiser ajudar, será bem vindo.” Ela falou sorrindo, passando pelo corredor ao meu lado.
Quando retornamos, Rose tinha colocado sua caixa no chão, junto a minha e estava encostada na parede, conversando com uma garota Moroi, que aparentava ter por volta dos treze anos. A garota me olhou de forma impressionada, quando me aproximei.
“Ei, eu tenho alguém que quer lhe conhecer” Rose falou animadamente “Dimitri, esta é Jill. Jill, Dimitri”
Rose nos apresentou e fiquei surpreso com aquilo. Eu raramente vinha ao campus fundamental e não imaginava que os estudantes daqui me conhecessem e quisessem saber sobre mim. Ainda mais uma garota Moroi. Eu apertei a mão dela e percebi que ela ficou vermelha de vergonha. Ela era uma menina bem tímida, muito jovem, na verdade. Tão logo soltei sua mão, ela se despediu e saiu correndo. Eu não podia imaginar qual o assunto que Rose tinha para conversar com uma criança daquela.
A Sra. Davis guardou as nossas caixas e nós voltamos para pegar o restante.
“Jill sabia quem eu era” Rose falou no caminho de volta “estava tendo uma espécie de adoração ao ídolo acontecendo.”
“Isso lhe surpreendeu? Que estudantes mais novos possam lhe admirar?”
“Eu não sei. Eu ainda não tinha pensado nisso. Não acho que eu seja boa para o papel de modelo.”
Ela estava realmente com uma baixa estima nestes últimos tempos. Rose era uma estudante exemplar, claro, não era muito disciplinada, mas ela entendia bem o seu compromisso e estava se dedicando muito para superar as suas dificuldades. Isso era algo raro de se ver. Alguém com tanta capacidade de superação.
“Eu discordo. Você é esforçada, dedicada e se supera em tudo que faz. Você ganhou mais respeito do que pensa” falei, sabendo que com ela eu podia demonstrar toda admiração que sentia. Mesmo assim, tentei se comedido. Ela me olhou pelo canto de olho.
“Isso ainda não é suficiente para me levar ao julgamento de Victor.”
“Isso de novo não.”
“Isso de novo sim! Porque você não entende que isso é importante? Victor é uma imensa ameaça.”
“Eu sei que ele é.”
“E se ele for solto, ele logo começaria com seus planos loucos de novo.”
“É realmente improvável que ele seja solto novamente, você sabe. Muitos desses rumores de que a rainha poderá libertá-lo, é apenas isso – rumores. Você, de todas as pessoas, deveria saber bem que não se deve acreditar em tudo que escuta.”
Ela olhou fixamente para frente. Ela sabia que eu tinha razão. Mesmo assim, não se deu por vencida. Rose sempre foi muito persistente.
“Você ainda devia nos deixar ir. Ou, você devia deixar pelo menos Lissa ir.”
Eu concordava que a presença delas era importante para o julgamento. Elas viveram o fato e Lissa, pior, foi a maior vítima. Mas não era uma decisão que cabia a mim. Eu tinha tentado interceder para que elas fossem, mas era algo fora do meu alcance.
“Vocês está certa – ela deveria estar lá, mas de novo, não tem nada que eu possa fazer com relação a isso. Você continua achando que eu posso controlar isso, mas eu não posso.”
“Mas você fez tudo que podia? Você tem muita influência. Deve haver alguma coisa. Qualquer uma.”
Ela tinha uma imagem muito heroica de mim. Isso era algo que me incomodava. Eu tinha respeito das pessoas, justamente por se bem centrado e ponderado. Eu já tinha entendido o porque delas não poderem ir. Não podia sair lutando contra todos, como Rose queria.
“Não tenho tanta influência como você pensa. Eu tenho uma alta posição aqui na Academia, mas no resto do mundo dos guardiões eu ainda sou muito jovem. E, sim, eu falei por você.”
“Talvez você devesse ter falado mais alto.”
Lá estava ela, de novo, sendo impertinente. Ela não podia ver que não estava ao meu alcance? Que o pouco que eu tinha falado, já era muito diante de tantos interesses de pessoas da alta realeza que estavam em jogo?
Eu realmente não gostava quando Rose se portava como uma garota mimada. Ela não era isso. E também não estava gostando de novamente discutir algo que já estava resolvido. Ela tinha que entender que nem tudo era como nós desejávamos.
“Victor sabe sobre nós. Ele poderá falar alguma coisa” ela falou, com um tom mais suave e eu percebi que ela estava preocupada com isso.
“Victor tem coisas mais importantes para se preocupar, nesse julgamento, do que nós.”
“Sim, mas você o conhece. Ele não age exatamente como uma pessoa normal. Se ele sentir que está perdendo a chance de se livrar, ele poderá nos expor, como uma vingança.”
Isso era verdade. Victor era um vilão calculista, capaz de qualquer coisa para atingir seus objetivos. Ele foi a primeira pessoa a perceber que eu e Rose estávamos envolvidos e não pensou duas vezes antes de usar isso para seu próprio interesse. Dependendo da forma como ele expusesse essa situação, poderia ser catastrófico para as nossas vidas. A minha carreira e a de Rose estariam terminadas. Pior, eu poderia acabar condenado por sedução de menor. Eu nunca mais limparia a minha reputação depois disso. Mas, novamente, não era algo que nós podíamos mudar. Não havia como impedir Victor de falar. Estávamos nas mãos dele, sob este ponto de vista.
“Isso é algo com o qual teremos que lidar. Mas se Victor estiver decidido contar, ele fará isso com ou sem o seu testemunho” falei, pensando que, no final das contas, seria bem melhor que Rose não testemunhasse, para não despertar a fúria dele.
Nós dois ficamos em silêncio no resto do caminho até a igreja. Mas o silêncio de Rose não significava uma anuência. Quando chegamos lá, o padre Andrew disse que só teria mais uma caixa para a Sra. Davis e se afastou de nós.
“Eu farei isso. Você não precisa vir” Rose falou secamente.
Eu conhecia bem o que viria depois, quando Rose agia daquela maneira. Ela não aceitou que não podia participar do julgamento e quando ela não aceitava algo, ela não media as conseqüências para reverter a situação. Eu já podia até ver o tumulto que ela causaria. Isso seria péssimo, ela estava sob provação, como Alberta falou.
“Rose, por favor, não faça uma confusão por isso” pedi humildemente para ela.
“Eu preciso fazer isso” ela falou rangendo os dentes “E você não está me ajudando”
Aquela falta de compreensão de Rose fez meu controle ficar por um fio. Ela não podia me culpar por isso. Ela estava agindo com se o controle de toda essa situação fosse meu. Ela não se esforçava para compreender o meu lado, nem por um minuto. Eu não estava agindo contra ela, muito pelo contrário, eu tinha o mesmo interesse que ela.
“Eu estou ajudando você. Você realmente acha que eu quero ver Victor livre? Você acha eu quero nos ver em perigo de novo? Mas eu lhe disse. Eu fiz o que pude. Eu não sou como você – eu não posso fazer uma cena quando as coisas não saem com eu quero.” Falei lutando para ainda me manter em controle, mas estava muito difícil. Rose conseguia fazer isso comigo: me tirar do sério.
“Eu não faço isso.”
“Você está fazendo agora mesmo.”
Rose parou por um minuto, sua expressão mostrava que ela reconheceu que eu estava certo. Ela me olhou diretamente, mudando bruscamente de assunto.
“Por que você veio me ajudar hoje? Por que você está aqui?”
“Isso é muito estranho?” perguntei realmente sem acreditar que, à essas alturas, ela ainda não conseguia enxergar que eu apenas queria ficar mais tempo perto dela.
“Sim. Quero dizer, você está tentando me espionar? Descobrir por que falhei? Ter certeza que eu não ia me meter em nenhuma confusão?”
Eu olhei para ela por alguns minutos, tirando meus cabelos que caíram nos olhos. Ela de fato não conseguia ver o óbvio. Durante a semana meus dias eram preenchidos por trabalho. Nos finais de semana, todos iam para seus afazeres, inclusive a própria Rose. Para mim, essa era uma época de solidão. Neste domingo, eu apenas vi a chance de ter meu dia preenchido por ela. A chance de não ficar sozinho.
“Por que tem que existir algum motivo escondido?” perguntei sem tirar os olhos dela. A sua expressão não se suavizou.
“Por que todos têm um motivo.”
“Sim. Mas nem sempre são os motivos que você pensa. Até mais.”
Eu saí da igreja com uma confusão de sentimentos dentro de mim. Por um lado eu sentia um pouco de mágoa por ela pensar o pior de mim. Era quase com se ela achasse que eu a via como as outras pessoas viam. Por outro lado eu tinha gostado de passar aquela tarde com ela, e realmente me sentia muito mal por não poder levá-la ao julgamento.
Nós viajaríamos amanhã cedo e eu achei que era melhor tentar descansar um pouco. Cruzei o campus em direção ao dormitório quando uma voz me chamou.
“Belikov!”
Era Alberta. Na certa ela queria me dar algum turno de guarda para essa noite. Eu não tinha idéia de onde ela tinha saído. Mas eu não teria visto de qualquer forma, eu vinha muito distraído pensado nos últimos momentos com Rose. Mesmo assim me mostrei atento.
“Guardiã Petrov” falei acenando com a cabeça.
“Eu estive no seu quarto lhe procurando, também lhe procurei por toda Academia e não lhe encontrei. Tenho uma notícia para lhe dar.”
“Eu estava na igreja, ajudando Rose no seu trabalho comunitário.”
Alberta sorriu, algo que era raro de se ver. “Isso foi uma boa ideia, Belikov. Assim você se certificou que ela cumpriria com o seu dever, sem causar problemas ao padre Andrew.” Ela falou com um tom sábio.
“Você disse que tinha algo a me dizer” eu disse, me mantendo imparcial, apesar de não gostar dessa imagem rebelde que as pessoas traçavam de Rose.
“Acabei de receber um telefonema da Corte. A rainha decidiu que Rosemarie e Vasilisa devem testemunhar no julgamento. Elas viajarão conosco amanhã. O Lord Adrian Ivashkov também irá. A rainha consentiu que a Princesa levasse quem ela quisesse. Eu suponho que ela irá levar Christian Ozera.”
“São muitas pessoas para proteger. A Corte é segura, mas temos a viagem e, de qualquer forma, também não deixam de ser estudantes. Acho devemos rever aqueles cronogramas da viagem.” Eu já estava me focando no trabalho, como forma de manter minha mente distante dos sentimentos por Rose.
“Sim, claro, podemos ir ao meu escritório agora, se você não tiver outros planos”
Eu neguei com a cabeça e a segui até o prédio dos guardiões. Quando entramos na sala, eu não me contive em perguntar.
“O que fez a rainha mudar de ideia?”
“Eu não tenho muita certeza. O Guardião Croft não entrou em detalhes, mas, ao que parece, a rainha atendeu a um pedido do seu sobrinho neto.”
Eu não falei mais nada sobre aquilo, mas fiquei imaginando que Rose também deve ter insistido para que Adrian falasse com a tia. Desta vez ele tinha um ponto com ela. Tinha dado a ela o que ela tanto queria e eu não fui capaz de fazer.
“Belikov?” Alberta me chamou, cortando os meus pensamentos e eu tive a impressão que não era a primeira vez que ela chamava.
“Desculpe, Guardiã Petrov, o que dizia?”
“Eu falava que achava importante que Edison Castile também fosse, assim ele permaneceria na experiência de campo. E com Christian presente, nós também manteríamos Rosemarie em treinamento. Será uma boa prática para eles.”
“Claro. Eu acho perfeito.”

Nota (1): Essa parte não pertence a Shadow Kiss. Ela foi narrada como uma lembrança de Rose em Blood Promise. Mas como se refere a esta época, achei que poderia colocar aqui.