domingo, 31 de março de 2013

Frostbite por Dimitri Belikov (POV)





Fanfiction que narra Frostbite (Aura Negra), o segundo livro da série Academia de Vampiros, sob o ponto de vista de Dimitri Belikov.
Classificação: +16
Avisos: Spoilers

Idioma: Português (Brasil)

Nota1: Os personagens, diálogos, história, cenários e contexto são criações de Richelle Mead na série Academia de Vampiros.

Nota2: Algumas partes não existem no livro, são criações minhas para construir a história pelo ládo de Dimitri.


Seguem os links dos Capítulos da Fic:

Parte 01
Parte 02
Parte 03
Parte 04
Parte 05

PARTE 01

Estava quase amanhecendo, no horário humano, mas as sombras ainda cobriam as torres de pedra da Academia St. Valdmir, as deixando tão assustadoras quanto belas. O tempo tinha esfriado bastante, o que indicava que teríamos um inverno rigoroso. Parei com o carro em frente aos portões de saída e aguardei, aguardei e aguardei. Ela estava atrasada, como sempre. Sai de dentro do carro, me sentindo impaciente e encostei nele, olhando o relógio.
Eu iria levar Rose, minha aluna, para seu teste qualificador. Era um teste aplicado a alunos no primeiro ano, para verificar se eles estavam aptos para seguirem no treinamento para se tornarem guardiões. Como ela esteve ‘fora’ da escola nesse período, não pôde participar deste teste quando ele ocorreu para seus colegas de classe. Era um teste muito importante, um dos primeiros passos na carreira de um guardião. E, mesmo assim, Rose estava atrasada. Será que ela não teria senso de responsabilidade nunca?
Flocos de neve começaram a cair, lentamente, indicando que a nossa viagem não seria nada fácil. A figura de Rose me chamou a atenção, assim que a avistei de longe. Toda irritação que eu sentia por causa do seu atraso desapareceu quando ela apareceu correndo pelo pátio principal. Mesmo assim, mantive meu rosto forte, nada amistoso.
“Eu sei, eu sei.” Rose falou, assim que se aproximou, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa. “Desculpe, estou atrasada.”
Eu olhei sua expressão preocupada e suprimi um sorriso. Ela estava indo para um de seus testes mais importantes, era natural que estivesse nervosa. Também não deixei de admirar sua beleza. Ela estava com os cabelos soltos, como há um bom tempo eu não via. Ultimamente, Rose só os usava preso, como eu tinha aconselhado alguns meses atrás. E como eu achava lindo aqueles cabelos dela...
Rose também me olhava e percebi que estávamos parados um diante do outro, nos admirando e então, me dispersei. Fui até a porta do carro. Os olhos ainda dela me acompanharam.
“Quem mais está indo?”
Eu dei de ombros, tentando parecer casual. “Só você e eu.” Falei como se não fosse nada demais.
“É muito longe?”
“Cinco horas.”
“Oh.” Sua voz saiu quase que decepcionada, talvez ela estivesse esperando que fosse algum lugar mais longe que isso. Eu não sabia dizer se ela queria passar mais tempo sozinha comigo ou se queria passar mais tempo fora dos portões da escola. Rose é o tipo de pessoa que nasceu para ser livre, nunca gostou de nada que a mantivesse presa. E a escola, de certa forma, era uma espécie de prisão.
Nós entramos no carro e seguimos pela estrada, ainda escura. A nevada começou a ficar ainda mais forte, cobrindo o asfalto com uma fina camada de gelo. Qualquer humano teria que parar e seguir a viagem depois, mas nós dhampirs tínhamos os sentidos mais evoluídos e nada disso era um problema. Seguimos em silêncio, e eu evitava pensar nessa proximidade e no fato de estar sozinho com ela. Foquei meus olhos no caminho, mas percebia que ela me observava pelo canto dos olhos, de vez em quando.
“Eles normalmente não vêm até a Academia?” Ela perguntou, depois que já estávamos na estrada por um tempo. “Eu quero dizer, sou a favor da viagem de campo, mas porque estamos indo até eles?”
Durante os testes qualificatórios, os mais renomados e experientes guardiões iam até as Academias aplicar várias provas aos alunos. Não era algo que se pudesse estudar, pois tudo era muito subjetivo, tinha a ver com vocação de cada dhampir em ser um guardião. Como sempre, desde que voltou a St. Vladmir, Rose não estava seguindo totalmente a mesma rotina dos demais alunos. Em muitos pontos, ainda estava bem atrasada em relação a eles.
“Na verdade, você está indo até ele, não eles. Já que este é um caso especial, ele está nos fazendo um favor e somos nós que estamos fazendo a viagem.” Expliquei.
“Quem é ele?”
“Arthur Schoenberg.”
Rose tirou os olhos da estrada e olhou para mim, surpresa, quase pulando do banco. “O quê?” Ela gritou.
Eu tive vontade de rir da sua reação, mas mantive meus olhos no caminho. Uma curva acentuada se aproximava. Eu entendia o espanto dela. Arthur Schoenberg era um dos mais lendários guardiões que tinha existido. Era extremamente respeitado e, muitas vezes, venerado. As histórias de seus feitos eram contadas como exemplo vivo nas escolas. Todos conheciam a sua fama. Quando mais jovem, ele percorria as Academias e quartéis generais de guardiões dando palestras e repassando seu conhecimento. Ele também era chefe do Conselho dos Guardiões, mas agora estava aposentado e se dedicava apenas a proteger uma família real. Isso parecia uma tarefa comum e, até mesmo, pesada para qualquer guardião, mas acredite, para Arthur Schoenberg era puro descanso.
“Não... tinha mais ninguém disponível?” Ela perguntou com a voz baixa e preocupada. Eu ainda tentava não sorrir, mas estava cada vez mais difícil.
“Você vai se sair bem. Além do mais, se Art aprovar você, será uma grande recomendação para o seu currículo.”
Eu confiava no talento de Rose e tinha falado dela para Art. Eu tinha bastante intimidade com ele. Ele não chegou a ser meu mentor, mas me ensinou muita coisa do que eu sei hoje e, o principal, sempre acreditou no meu potencial e sempre me tratou como igual e com grande consideração, sempre tinha sido, para mim, um grande amigo. Ele sabia ver quando um dhampir tinha vocação para ser um guardião e conseguia enxergar onde aquele guardião podia chegar. Eu confiava na percepção dele e confiava no potencial de Rose.
Ela se afundou no banco, mordendo os lábios e parecendo profundamente preocupada. Um grande silêncio pairou no carro. Aquilo realmente devia significar muito para ela. Eu já estava acostumado com Athur e conhecia bem o homem por trás da lenda. Sabia que não tinha nada o que temer, que ele era bastante justo e correto. Mas lembrei que Rose era apenas uma estudante que ouvia histórias fabulosas sobre ele. Certamente, para ela, a dimensão de tudo isso era maior.
“Você vai se sair bem.” Repeti. “O bom do seu currículo supera o ruim.” Eu olhei para ela, desviando minha atenção da estrada por alguns segundos. Ela também já me olhava e eu, como um garoto bobo, me senti esfriar.
“Obrigada treinador.” Ela falou ironicamente, se voltando para frente. Eu voltei minha atenção para estrada, tentando ouvir a música que tocava no som do carro. Eu e Rose estávamos mantendo a nossa relação mentor-aluna, durante esse período, de forma perfeita, mas não sem muito esforço, pelo menos vindo da minha parte. A cada dia que se passava, meus sentimentos por ela só faziam aumentar mais e mais. Era difícil resistir à sua presença.
“Estou aqui para ajudar.” Respondi, entrando na sua brincadeira.
“Você sabe o que realmente iria me ajudar?”
“Hum?” falei sem saber o que esperar que viria ela. Rose era imprevisível. Poderia ser algo sério ou poderia ser a piada mais banal.
“Se você tirasse essa música ruim e colocasse algo que foi lançado depois da queda do Muro de Berlim.”
Eu soltei uma gargalhada, que saiu quase que involuntariamente. “Suas piores notas são em História, mas de algum jeito, você sabe tudo sobre a Europa Ocidental.”
“Hey, eu tenho que arranjar material para as minhas piadas, Camarada.”
Eu continuei sorrindo. Ela sempre implicava com as minhas preferências musicais. O senso de humor de Rose era algo difícil de se ver em alguém da idade dela. Ela sempre tinha uma tirada inteligente e engraçada para falar. Eu tinha que usar muito autocontrole para não cair na risada toda vez que ela soltava uma de suas piadas.
Só para provocá-la, mudei a estação para uma rádio que só tocava musicas country. Eu realmente não gostava daquele tipo de música.
“Ei! Isso não era o que eu tinha em mente!”
“Escolha, é uma coisa ou outra.” Falei suprimindo um sorriso.
“Volte para aquelas coisas dos anos oitenta.”
Eu retornei para estação anterior e ela cruzou os braços, com o rosto fechado, ficou olhando pela janela, sem dar mais uma palavra sequer. Eu deixei o som da música distrair os meus pensamentos.
Cinco horas de viagem passaram rápido. Rose resmungou um pouco, reclamando que estava com fome, até que ela me convenceu a fazer uma parada para o lanche. Entre isso e uma parada para abastecer, chegamos ao nosso destino em torno do meio dia.
Arthur e a família que ele protegia – os Badicas, viviam em uma casa luxuosa, construída em madeira e com grandes janelas, pintadas de preto para bloquear a luz e não causar incômodo aos Morois, um pouco afastada da cidade grande. Dessa forma, não chamariam muito a atenção do humanos, devido as suas atividades noturnas. Mesmo estando no meio do nada, era o tipo de moradia própria de alguém da realeza.
Nós saímos do carro e nos dirigimos até a porta da frente. Senti minhas botas afundarem nos centímetros de neve que cobriam toda a calçada. Tudo parecia calmo e silencioso, o único som que ouvíamos era o barulho do vento. O sol brilhava no céu, deixando o dia bastante claro, mas era como se ele não estivesse ali, o frio ainda era de fazer tremer o queixo. Nós passamos, escolhendo umas pedras mais altas, que ainda não tinham sido cobertas pela neve. Rose ainda parecia nervosa, mas também um pouco feliz. Eu desconfiava que ela tinha gostado da viagem de carro, como eu.
Rose passou de um canto ao outro lado da calçada, procurando um lugar melhor para pisar, quando escorregou, quase caindo no chão. Praticamente prevendo isso, dei um passo rápido à frente e a peguei pelo braço, a erguendo, sem deixar que ela caísse. Apesar de estarmos cercados por gelo, um calor passou entre nós. Ela me olhou profundamente. Rapidamente a soltei, antes que alguma coisa mais séria acontecesse. Como eu disse, eu vivia em um limite, resistindo a todo desejo que eu tinha por ela.
“Você está bem?” Perguntei, tentando afastar o constrangimento.
“Sim.” Ela respondeu olhando em volta e para a frente da casa coberta de gelo. “Essas pessoas nunca ouviram falar em sal?”
Obviamente, era mais uma das brincadeiras dela, mas de alguma foram acendeu um sinal de alerta dentro de mim. Eu estivera tão distraído que não interpretei, sequer percebi os sinais claros que aquela neve toda ali representava. Não era normal. A nevasca não tinha sido tão intensa assim. Aquela neve era antiga. Estava ali há alguns dias. Isso queria dizer que ninguém tinha saído ou entrado na casa recentemente, o que era muito estranho, considerando o número de pessoas que ali vivia. Eu estudei a neve em volta e depois me concentrei na casa. Nada parecia errado, a não ser por estar quieta demais. Era como se ninguém estivesse ali. Mas não isso não era certo. Eu tinha avisado a Arthur que viria, ele os demais guardiões sabiam da nossa chegada. Olhei a porta de longe, e notei algo errado nela. Não parecia trancada. Fui até ela, e senti Rose me seguindo.
Eu estava certo, a porta estava apenas encostada. Examinei o portal e as trancas que, definitivamente, pareciam ter sido forçadas. Toquei a maçaneta, que estava quebrada. Alguém tinha arrombado aquela porta. Senti meu modo alerta sendo ligado imediatamente, e comecei a me preparar para o que encontraria ali dentro.
“Rose, vá esperar no carro.” Falei baixo, tentando soar calmo.
“Mas eu-“
“Vá!” Coloquei toda autoridade que pude naquela única palavra para que ela entendesse que era uma situação séria e não era hora para piadas ou brincadeiras.
Eu parei em frente a porta e observei quando Rose saiu pisando pela neve, até chegar ao carro. Esperei até que ela entrasse e fechasse a porta. Eu realmente tinha esperança que ela tivesse entendido e ficasse ali, quieta. O carro era um local seguro para se ficar, uma vez que o sol brilhava forte no céu e nenhum Strigoi conseguiria chegar nele facilmente. Sentindo que ela estava, de certa forma, segura, me voltei novamente para porta. Empurrei a porta me preparando para encontrar o pior lá dentro, embora eu ainda não conseguisse imaginar o que seria. Minha mente trabalhava nas mais diversas hipóteses mas todas pareciam improváveis com Arthut Schoenberg em serviço.
Apertei o cabo da minha estaca, mas sem tirá-la da bainha. Quando olhei lá dentro, a cena era de puro terror. Um verdadeiro massacre havia acontecido ali. Havia corpos em todos os lugares. Corpos dilacerados e muito sangue espalhado por toda parte. Homens, mulheres, crianças, ninguém foi poupado. No corredor, perto da entrada de um dos quartos, senti meu estômago revirar quando o vi. Arthur estava morto, com o pescoço cortado. Senti um nó na minha garganta. Como uma pessoa como ele podia ter um fim tão banal desses?
Pelo estado que estavam, tudo indicava que tinham sido mortos há alguns dias. O sangue estava ressecado e um mau cheiro já começava a ser exalado dali. Continuei caminhando pela casa, passando cômodo por cômodo, ainda processando as imagens que eu via. O que aconteceu ali tinha sido terrível.
Eu estava no escritório da casa, quando ouvi uma porta rangendo levemente na cozinha. Um ouvido normal não teria captado aquele barulho, mas eu estava totalmente atento, os meus sentidos dhampirs estavam prontos para captar tudo, até o menor ruído. Alguém estava entrando. Rapidamente, cada músculo do meu corpo entrou em ação. Peguei minha estaca e senti meu pulso acelerado a cada passo que eu dava. Andei mansamente, esperando pegar a pessoa que tinha entrado de surpresa. Mas a surpresa foi minha ao ver quem era. Rose. Eu não podia acreditar que ela tinha desobedecido as minhas ordens para ficar no carro. Ela passou da cozinha pela sala de jantar e foi direto para sala de estar, andando tão movida pela curiosidade que não estudou os arredores, por isso não me viu e nem me sentiu atrás dela. Ao olhar os corpos pela sala, percebi que ela estava prestes a gritar de pânico, então a puxei dali, tapando sua boca com minha mão. A respiração dela estava ofegante. Ela foi capturada por mim, mas poderia ter sido pela mesma pessoa que matou a todos naquela casa.
“Porque você nunca escuta? Você estaria morta se eles ainda estivessem aqui.” Sussurrei no seu ouvido.
Eu a segurava de costas, pela cintura e a arrastei para o lado da sala, perto da porta, ainda tapando a sua boca. Eu ainda não tinha averiguado todos ambientes, não sabia dizer se a casa estava totalmente vazia, se o assassino não estava mais lá. Depois de alguns minutos, retirei a mão de sua boca, mas permaneci a segurando com força. Rose parecia em choque. Seus olhos ficaram vidrados nos corpos, provavelmente sem acreditar no que via. Após observar um pouco mais, ela virou para mim, ficando frente a frente comigo. Seu olhar era de pura incredulidade.
“É dia. Coisas ruins não acontecem de dia.” Sua voz soou desesperada, como se aquilo fosse um pesadelo e pudesse ser desfeito a qualquer momento. Aquilo revelava o quão jovem ela ainda era e como ela sabia pouco da vida. Rose era madura para sua idade, mas ainda tinha muita coisa para ver e viver.
“Coisas ruins podem acontecer a qualquer hora. Isso não aconteceu durante o dia. Provavelmente aconteceu há umas duas noites.”
Rose se esforçou para olhar novamente em volta. Ela estava muito chocada e impressionada com tudo. Os olhos dela param no corpo de Arthur. Eu percebi isso, mas não sabia ao certo se ela o conhecia pessoalmente ou somente suas histórias. Ele era alto e muito musculoso. Bastante forte, mas ali caído, com a garganta cortada, a conclusão que chegávamos era que a força não valia nada diante da falta de concentração. Era a prova de que a mente é mais forte que o corpo.
“Arthur Schoenberg.” Falei, acenando com a cabeça na direção do corpo. O choque no rosto dela se tornou ainda maior, se era possível. Era como se ela não acreditasse no que estava vendo.
“Ele está morto! Como ele pode estar morto? Como um Strigoi pode ter matado Arthur Schoenberg?”
Apesar de ter plena consciência de que as pessoas não são invencíveis, que somos mais vulneráveis do que podemos imaginar, eu também me perguntava a mesma coisa. Eu conhecia toda capacidade de luta de Art e sabia que ele era extremamente letal. Era difícil, também para mim, aceitar aquilo. Eu não consegui responder nada para Rose e apenas a olhei. Foi quando percebi que ela segurava firmemente uma estaca, em sua mão direita. Suavemente, apertei a sua mão.
“Onde você conseguiu isso?”
“Lá fora, no chão.”
Ela afrouxou o aperto e eu peguei a estaca, levantando contra a luz do sol que entrava pela porta. Era uma estaca comum, certamente pertenceu a algum guardião. Era isso. Senti um pequeno frio na barriga quando um pensamento me ocorreu. Teoricamente, estacas encantadas podem quebrar as wards, já que uma mágica anula a outra. Digo, teoricamente, porque Strigois não conseguem tocar em estacas para fazer isso. Ele precisaria da ajuda de Morois, dhmapirs ou humanos. Era improvável que os dois primeiros fizessem isso, mas um humano...
“Foi ela que quebrou as wards.” Falei, ainda processando mentalmente aquilo.
“Um Strigoi não pode tocar nas estacas. E nenhum Moroi ou dhampir faria isso.”
“Um humano poderia.” Falei ecoando um dos meus piores pensamentos. Há algum tempo eu vinha ouvindo algumas histórias contadas por guardiões. Histórias de humanos trabalhando para Strigois. Mas nada disso tinha sido comprovado, todos assumiam que eram apenas suposições. Eu acreditava que não era uma coisa difícil de acontecer e temia por isso.
“Humanos não ajudam Strigois –“ Rose começou a falar, mas foi interrompida pelos seus próprios pensamentos. Aparentemente, os paradigmas dela estavam sendo quebrados naquele momento. Ela estava descobrindo que todas as coisas mudam e em uma velocidade que, muitas vezes, não conseguíamos acompanhar. Mas esta era uma das coisas que eu mais admirava em Rose. Ela era inteligente e tinha uma capacidade de percepção incrível.
“Isso muda tudo, não muda?” Ela perguntou, após um momento de reflexão.
“É. Muda.”
Eu me afastei de Rose um pouco, pegando meu telefone, liguei para Alberta, relatando tudo que tínhamos encontrado. Enquanto aguardávamos reforço, permaneci examinando os ambientes, checando algumas provas que podiam se levantadas. A princípio, Rose me acompanhou, mas em pouco tempo se cansou daquela atividade tediosa, e foi esperar no carro. Como eu disse, ela nasceu para a ação. As tarefas mais teóricas eram maçantes para ela. Examinei a casa por mais algum tempo, mas havia pouco que eu podia fazer para adiantar os trabalhos de investigação, já que eu não tinha trazido recursos para colher evidências. Então, fui até o carro, esperar junto com Rose. Ficamos lá em silêncio, ambos processando mentalmente estes acontecimentos.
O olhar dela era uma mistura de incredulidade, tristeza, revolta. Eu confesso tinha vontade de abraçar Rose e dizer que tudo ficaria bem, mesmo que isso não fosse inteiramente verdade, já que lidaríamos com a morte a todo o tempo, nessa nossa profissão. No fundo, eu também queria que ela me confortasse, eu nunca tinha conseguido aceitar isso com naturalidade. Muitos guardiões agiam friamente e com naturalidade diante destas circunstancias, mas eu apenas trancava tudo dentro de mim, tentando ser imparcial diante da crueldade da morte. Mas a verdade era que a perda de vidas, principalmente vidas inocentes e valiosas, era algo que doía muito em mim. Eu não achava justo e não aceitava o fato de não poder mudar isso. Rapidamente, me censurei por me deixar ter pensamentos tão fracos.
Um tempo depois, umas duas dezenas de guardiões chegaram à casa dos Badicas. Eu saí do carro, e fui recebê-los.
“Você deveria vir ver como isso funciona.” Falei para Rose, antes de fechar a porta. Aquele seria um ótimo laboratório prático para ela. Ela me seguiu em silêncio e até um pouco tímida, diante do time de guardiões que parou na calçada da casa.
“Olá Belikov! Quanto tempo! Não nos vemos desde quando? Desde aquele baile de aniversário da Rainha, há quase um ano, lá na Corte, se não me engano?”
“Exatamente. Boa memória.” Falei, cumprimentando o guardião que chefiava o comboio, chamado Stuart. Ele era prático e eficiente, protegia um dos príncipes do Conselho Moroi. Eu também conhecia os demais guardiões, e acenei em cumprimento para todos eles. “Você reuniu um bom time aqui.” Acrescentei, enquanto caminhávamos para dentro da casa.
“Foi difícil. Essa região tem poucos Morois e, consequentemente, poucos guardiões. Tive que recrutar pelas redondezas. Essa situação diz respeito a segurança de todos.” Ele olhou para Rose e abaixou o tom, de forma que só eu pude ouvir. “O que vocês fazem aqui? Pelo relato da Guardiã Petrov, não é um ambiente para uma noviça.”
“É minha aluna. Eu a trouxe para o teste qualificador com Arthur Schoemberg. Além do mais, acho que já está na hora dela aprender a lidar com a morte, afinal, em pouco mais de seis meses, ela será graduada como guardiã.” Respondi baixo. Stuart não acrescentou mais nada. Ele não pôde, pois se deparou com o massacre dentro da casa. Quanto mais os guardiões analisavam a situação, mas eles olhavam para Rose como se ela fosse uma estranha no ninho. Realmente era algo chocante para alguém tão jovem como ela, mas era necessário.
Eu narrei tudo que já tinha observado. Alguns guardiões tiravam fotos, muitas fotos, outros anotavam tudo, outros recolhiam materiais. Eles agiam mecanicamente e de forma eficiente, sem demonstrar qualquer espécie de sentimento, diante de tudo.
Em certo momento, a única guardiã do grupo se ajoelhou ao lado do corpo de Arthur. Ela aparentava ter perto da minha idade, tinha cabelos pretos e curtos e se chamava Tâmara. Ela tinha sido uma aluna dele. Arthur foi mentor de muitos dhampirs. Um fio de tristeza passou pelo seu rosto. Ela o observou por alguns minutos e deu um suspiro.
“Oh, Arthur. Nunca pensei que veria esse dia.” Ela olhou para Rose que assistia quietamente a cena. “Ele foi o meu mentor.” Tâmara deu outro suspiro, se levantou eu continuou seu trabalho. Um ar de indignação varreu o rosto de Rose, enquanto ela a observava. Eu podia imaginar o que ela estava pensando. Eu podia jurar que Rose estava se colocando no lugar dela. Mas provavelmente, Tâmara não teve envolvimento amoroso com Art, o que a levava a agir daquela maneira, também aprendeu a controlar suas reações, como a maioria dos guardiões. Rose ficou olhando o corpo de Arthur por alguns momentos, ainda muito pensativa.
“Como eles podem ter feito isso?” Ela falou pela primeira vez, em um tom que era pura revolta, chamando a atenção dos que estavam na sala, fazendo com que todos parassem o que estavam fazendo e a olhassem. “Como eles podem ter matado ele?”
Novamente aquela pergunta. Eu a olhei com curiosidade. Muitas vezes eu me impressionava como ela pensava igual a mim. Eu tinha assumido minha postura de guardião estoico diante dos outros, sendo frio e neutro, mas ainda me perguntava mentalmente, como Art tinha se deixado pegar de surpresa daquela forma. Eu também não conseguia aceitar aquilo com tanta facilidade.
Tâmara encolheu os ombros, sem se deixar abalar, falou simplesmente “Do mesmo jeito que eles matam todos os outros. Ele era mortal, assim como todos nós.”
“Sim. Mas ele... você sabe. Era Arthur Schoemberg.” Rose insistiu.
Olhei em volta e percebi que muitos deles a olhavam com ar de piedade. Eu não queria que eles guardassem esse tipo de imagem dela. Eu a conhecia e sabia da sua capacidade. Ela era inteligente e perspicaz. Decidi, então, que era hora de mostrar isso para eles. Mostra o porquê dela estar ali.
“Diga-nos você, Rose.” Falei autoritariamente, assumindo meu papel de mentor exigente. “Você examinou a casa. Diga-nos como eles conseguiram.” Eu lhe lancei um olhar de pura confiança e expectativa. Ela respirou fundo, olhando para cada um dos guardiões que esperavam sua resposta.
“Tem quatro pontos de entrada.” Ela começou, meio hesitante. “Isto significa que havia pelo menos quatro Strigois. Eram sete Morois. A família que aqui vivia, tinha recebido convidados, o que fez do massacre ainda maior. Três das vítimas eram crianças... Tinha três guardiões.” Ela fez as contas em seus dedos, pensativa. “Muitas mortes. Quatro Strigois não poderiam atacar tantos. Provavelmente foram seis, eles atacaram primeiros os guardiões, os pegando de surpresa. A família ficou em pânico, sem poder lutar contra eles.”
Eu podia ver no rosto dos guardiões a admiração, principalmente por ela ainda ser uma aprendiz. Rose tinha praticamente reconstruído sozinha, toda a cena do crime. Aproveitando que ela estava indo pelo caminho certo, fiz outra pergunta não muito fácil de responder, já que guardiões raramente eram surpreendidos, principalmente guardiões experientes, como Arthur.
“E como eles pegaram os guardiões de surpresa?”
Ela pensou por um momento, parecendo que não sabia a resposta, mas logo começou a falar. “Porque as wards foram quebradas. Em uma casa sem wards, provavelmente haveria um guardião vigiando no jardim, durante a noite. Mas eles não se preocuparam com isso aqui.”
Perfeitamente correta. Senti o orgulho passar por mim e fiquei satisfeito com suas respostas. Eu acenei, em um sinal de aprovação, enquanto o grupo retomava o trabalho. Eu continuei com os guardiões a inspeção pela casa, sempre mostrando o que eu tinha observado antes deles chegarem. Rose simplesmente me seguiu.
Mostrei para eles o banheiro, que tinha outro corpo de um homem dilacerado. O sangue tinha jorrado pelo azulejo e um odor horrível vinha dali. No espelho, tinha uma escrita, provavelmente feita com sangue. Rose parou e leu, parecendo que não tinha visto aquilo antes.
Pobres, pobres Badicas. Sobraram tão poucos. Uma família real praticamente destruída. As outras terão o mesmo destino.
Tâmara examinou aquilo, tirou algumas fotos e se afastou. Rose permaneceu olhando por um tempo e depois continuou nos seguindo. Podia ser uma ameaça ou simplesmente um sarcasmo dos Strigois. De qualquer forma, era algo que teríamos que ter um certo cuidado.
Passamos mais algumas horas naquilo, todo trabalho pericial é lento e demorado. Quando finalmente entramos no carro para voltarmos a St. Vladmir, Rose explodiu. Ela bateu a porta com tanta força, que pensei que ele todo fosse se desmontar. Realmente me assustou.
“O quê há de errado?” Perguntei surpreso.
“Você está falando sério?” Ela exclamou furiosa. Eu não estava entendendo nada, a princípio. “Como você pode perguntar isso? Você esteve lá! Você viu aquilo!”
Então era isso. Ela tinha ficado calada e quieta durante todo tempo, o que não era normal para ela. Agora ela estava sentido o peso do que ela tinha presenciado.
“Eu vi.” Concordei, me mantendo calmo. “Mas não estou descontando tudo no carro.”
“Eu os odeio! Todos eles! Eu queria que eles ainda estivessem lá. Eu teria arrancado a garganta deles!” Ela gritou, enquanto colocava o cinto de segurança. Eu estava assustado com aquela reação tão intensa dela. Rose parecia tão controlada dentro da casa. Eu a encarei por um momento, buscando palavras para dizer. Ela estava tão transtornada que não estava percebendo a estupidez do que tinha falado.
“Você acredita mesmo nisso? Você acha que poderia ter se saído melhor que Arthur Schoemberg? Mesmo depois de ter visto o quê os Strigois fizeram lá dentro? Mesmo depois de ter visto o quê Natalie fez com você?”
Ela respirou pesadamente. Eu não queria a diminuir ou humilhar, mas foi necessário. Ela tinha que entender que nem ela e nem ninguém é invencível ou perfeito. Todos têm seu limite e o dela ainda está sendo trabalhado, construído. Ela tinha que entender que se lançar de cabeça no perigo, sem pensar nas conseqüências, não era a atitude correta para um guardião.
Rose fechou os olhos, respirando fundo, claramente tentando se controlar. Eu tinha esperança que ela tivesse entendido onde eu queria chegar, que minhas palavras ensinassem alguma coisa a ela. Quando Natalie a atacou, ela tinha sido recém transformada e não era tão forte e habilidosa como a maioria dos Strigois, mesmo assim, tinha quase acabado com Rose. Se eu não tivesse chagado a tempo, Natalie teria matado Rose sem qualquer esforço. Os Strigois são impiedosos, rápidos e fortes por natureza, mesmo agindo por puro instinto são letais. Aquele tinha sido o único contato dela com um Strigoi e mostrou claramente que ela não estava preparada para lidar com um.
“Eu sinto muito.” Ela falou após vários momentos, sua voz tranqüila e doce, como sempre. Aquela fúria tinha ido embora por completo. Aquela mudança repentina de comportamento foi estranha e eu realmente não tinha entendido nada.
“Está tudo bem.” Eu me inclinei e apertei a mão dela por um instante, mas soltei logo. Aquele tipo de gesto entre nós nunca pode ser demorado. Coloquei a chave no carro e liguei. Ela permaneceu parada, sem se mover, sem falar. Eu a olhei pelo canto dos olhos. No fundo, eu também sentia revolta e também queria ter chegado a tempo de impedir um massacre daqueles. Eu também tinha ficado muito abalado com aquilo e me senti totalmente impotente contra inimigos tão cruéis.
“Foi um longo dia.” Falei enquanto saia com o carro, sentindo todo cansaço físico e mental me tomando. “Para todos nós.”
Quando chegamos à Academia, a notícia do que tinha acontecido com a família dos Badicas já tinha se espalhado por toda parte e, como era esperado, deixou a todos apavorados. Quando passamos pelos portões, um dos guardiões que estava ali, em guarda, fez um sinal para que eu abaixasse o vidro.
“Que coisa terrível vocês encontraram lá. Todos estão em polvorosa. Os guardiões estão reunidos, a Guardiã Petrov pediu para que você se dirigisse para lá, assim que chegasse.”
“Claro. Estarei lá.”
Rose veio ao meu lado falando muito pouco, somente comentando coisas corriqueiras do decorrer do caminho. Todo aquele clima ameno da viagem de ida tinha desaparecido. Ela também parecia muito cansada, o que era compreensivo, já que estava acordada há mais de 24 horas e ainda não estava acostumada com isso. Eu também sentia a fadiga tomar conta de mim, mas estava acostumado com longos turnos de vigia então aprendia a ignorar isso, sem demonstrar sinais de cansaço.
Ela saiu do carro, quieta e aconselhei para que ela fosse direto para o seu dormitório e dormir um pouco, apesar de saber que seria um conselho vão. Apesar de prometer que faria o que eu estava dizendo, eu tinha certeza que ela procuraria Lissa imediatamente, Rose nunca passaria tanto tempo assim fora, sem checar se ela estava bem, ao retornar. Eu segui para o prédio dos guardiões. Entrei em uma das salas de reuniões onde todos analisavam slides que passavam, numa projeção na parede, das fotos da casa dos Badicas. O semblante de todos era vazio, como era normal para os guardiões. Puxei uma cadeira e sentei, assistindo quieto a toda explanação de Alberta, mas sempre opinando quando convinha.
Ao fim da reunião, Alberta deu uma notícia inusitada.
“Como todos sabem, as festividades de final de ano estão se aproximando. Grande parte dos alunos da Academia viaja para comemorar com seus familiares. Depois desse ocorrido, todos ficaram apavorados, obviamente, temendo se tornarem alvos fáceis para novos ataques Strigoi. Principalmente aqueles que têm poucos recursos. Estes não têm sequer guardiões para proteger suas famílias.”
Com a baixa no número de guardiões, a preferência na hora da designação era sempre dada aos Morois da realeza ou aqueles que tinham melhores condições financeiras.
“Pensando nisso,” Alberta continuou falando, andando de um canto a outro da sala, com as mãos para trás, olhando para o chão. “A Rainha solicitou aos proprietários de uma estação de sky, em Idaho, normalmente freqüentada por Morois nobres e ricos, que disponibilizassem o ambiente para os alunos da Academia e seus pais, respectivamente. Com wards e muitos guardiões para proteger o local, eles poderão se confraternizar em segurança, sem pânico. Todos, sem exceção, deverão partir no dia após o natal.”
Para mim, esta época do ano era igual às outras. Quando eu ainda morava na Sibéria, minha mãe costumava fazer uma farta mesa e dar presentes. Depois que eu me tornei um guardião, sempre passei as festas de final de ano, em serviço. Ivan Zeklos, meu antigo protegido, sempre dava ou participava de grandes festas com muitos convidados, e isso exigia bastante atenção minha. Eu realmente não pretendia comemorar o natal, talvez até solicitasse a Alberta para pegar um plantão extra nesse dia. Assim, eu não teria tempo de lembrar do que eu realmente queria fazer, com quem realmente eu qugostaria de estar.
Depois de algumas perguntas, os guardiões retornaram para seus afazeres. No entanto, Alberta pediu que eu ficasse um pouco mais. Ela tinha uma aparência dura, na maior parte do tempo, mas vi seu semblante se suavizar um pouco. Ela sentou em uma das cadeiras, se apoiando na mesa, ficando bem na minha frente.
“Como Rose se saiu nessa operação toda?” Ela perguntou sem rodeios.
“Bem, muito bem, na verdade. Alguns guardiões achavam que ela não devia ter presenciado aquela cena - que era jovem demais para tudo aquilo, mas eu achei que ela estava preparada e a deixei participar de tudo.”
“Ela teve um grande progresso. É uma aluna brilhante, devo reconhecer. E você tem feito um belo trabalho com ela. Você já lhe mostrou como utilizar uma estaca?”
Eu me perguntava onde Alberta queria chegar com toda aquela conversa. Mas segurei a minha curiosidade, me limitando a responder o que era perguntado.
“Ainda não. Mas começaremos em breve. Ela precisa entender que armas devem ser utilizadas de forma responsável.”
Alberta deu o que seria a sombra de um sorriso. Então, ela pegou uma caneta que estava em cima da mesa e a estudou por alguns momentos, em silêncio. Por um momento, Alberta parecia ter ido para algum lugar distante dali. Eu apenas a observei, pacientemente, até que ela falou novamente “Nós estamos recebendo, nos próximos dias, alguns guardiões como reforço para esta viagem. A Guardiã Hathaway está entre eles. Janine... mãe da Rose...” Ela fez uma pausa pensativa. “Não sei se é do seu conhecimento, mas elas não têm uma boa relação. Raramente, ela vem à Academia. Rose se ressente disso.”
“É, eu sei. Mas acho que vai ser bom para ela ter a mãe por perto. De qualquer forma.”
“Sim, será... principalmente por causa de outra notícia que eu recebi, esta manhã. Com esse ataque Strigoi, o Conselho dos Guardiões está revendo algumas prioridades nas designações. Alguns membros da realeza solicitaram mais proteção.” Ela fez uma pausa e me olhou. “Uma pessoa lhe solicitou como guardião.”
Usei muito autocontrole para esconder a onda de choque que passou dentro de mim. Eu podia ter uma nova designação? De repente nada mais fazia sentido, foi como se tudo tivesse saído do meu controle. Definitivamente, eu não esperava por aquilo.
“Eu? Mas eu já sou guardião da Princesa Vasilisa. Não estou disponível.” Lutei para manter minha voz em um tom seco.
“Sim, a Princesa tem uma condição, digamos, especial. Mas ela, por enquanto, ainda tem a proteção da Academia, que é bastante segura. Tecnicamente ela não precisa de um guardião 24 horas por dia-“
“Justamente por isso, eu tenho outras atividades aqui na Academia.” Eu a interrompi, ainda tentando manter meu controle.
“Sim, Belikov. Sua presença aqui é bastante valiosa. Não sou a favor que você vá, mas essa não é coisa onde eu possa opinar. É você quem decidirá, já que não é nenhum noviço, não é algo que lhe será imposto.”
“Você ao menos sabe quem me solicitou?”
“Claro. Lady Natasha Ozera.”
A onda de choque se tornou um maremoto dentro de mim. Cada milímetro de força que eu tinha foi utilizado para me manter controlado, calmo e sereno. Alberta me olhava com expectativa, provavelmente sem conseguir ler nada na minha expressão.
“Eu pensei que a família Ozera não tivesse preferência nas designações. É assim, desde que os pais de Christian se tornaram Strigois.”
“Não, mas como eu disse, ela é da realeza. O Conselho dos Guardiões está revendo as prioridades. Ela tem, legalmente, o direito de solicitar proteção.”
Natasha Ozera é tia de Christian e responsável por ele, desde que os pais dele se tornaram Strigois, por vontade. Quando ele era criança, ela o defendeu de um ataque Strigoi o que resultou em uma terrível cicatriz no rosto. A partir daí, a família deles sofreu várias restrições, entre elas, a ordem de prioridade na hora de ter seus guardiões. Isso a forçou a treinar luta e aprender a se defender sozinha. De acordo com as últimas notícias que eu tive, ela dava aulas de defesa pessoal e eu não imaginava o motivo dela ter solicitado um guardião. E justamente eu. Atualmente, ela era uma grande amiga e eu a admirava muito, por sua força e determinação. Eu a conheci em uma das reuniões, na casa de Ivan, há muito tempo atrás, e teve uma época que ela tentou, quase que incansavelmente, ter um envolvimento amoroso comigo. Eu não pude levar adiante, pois o meu único foco e objetivo era a proteção de Ivan. Como guardião, eu jamais poderia ter um relacionamento sério, com quem quer que fosse. Depois disso, ela pareceu se conformar somente com a minha amizade, mesmo assim, em encontros ocasionais e muito raros. Realmente isso tudo era, no mínimo inusitado.
“De qualquer forma, ela está vindo à Academia também.” Alberta acrescentou. “Ela comunicou a Diretora Kirova que irá passar o natal aqui com o sobrinho e o acompanhará a estação de sky. Acho que ela também aproveitará para conversar com você sobre isso.”
Eu ainda estava sem palavras, mas me forcei a falar. “Que seja, então. Mas eu não pretendo aceitar.”
Alberta assentiu, se levantou e caminhou até a porta. Antes de sair, ela virou e falou. “Sei que conselhos nunca são bons, mas... eu aconselho você ouvir a proposta dela, antes de dar qualquer resposta. Avalie bem tudo. Não se precipite. Nem em ir e nem em ficar.”
Com estas palavras, ela saiu e eu fiquei sozinho pensando em tudo aquilo.
Sai da sala tentando não pensar no que Alberta tinha me falado. Decidi que não ia me preocupar com isso, até que Tasha chegasse à Academia. Assumi que deveria ouvir dela mesma o que ela pretendia com tudo aquilo, mas eu já tinha uma desconfiança do que seria. E ainda não tinha decidido se seria bom ou ruim.
Um pouco antes do começo do treino, fui ao ginásio preparar a aula para Rose. Eu tinha ficado bastante intrigado com a possibilidade de ser guardião de Tasha, mas outro pensamento não me deixou. Aquele ataque na casa dos Badicas. Ele nos trazia fatos que não podiam ser ignorados: humanos trabalhando para Strigois e estes trabalhando em grupo. Isso era algo raro de se ver. Strigois jamais conviviam harmoniosamente com ninguém, principalmente com outros da sua espécie. Tinha que ter uma mente maior por trás de tudo isso. Eles tinham que ter um líder que os forçassem a isso. Pensando em todos esses ocorridos, resolvi que era hora de começar a mostrar a Rose como usar estacas. Se eu pudesse, deixaria isso para um momento mais distante, mas algo me dizia que o tempo poderia não nos permitiria isso.
Arrumei, em uma das salas do ginásio, vários bonecos de prática, que usávamos para treinar golpes de luta e com estacas. Olhei para o relógio de parede. Novamente, Rose estava atrasada. Fui até uma sala de suprimentos, pegar umas garrafas de água. Quando voltei, ela já estava lá, conversando com um de seus colegas de classe, Mason Ashford. Aliás, eu estava vendo bastante eles dois juntos. Realmente eu não gostava daquilo, mas não podia evitar que Rose tivesse suas amizades.
Rose me olhou, enquanto eu me aproximava e eu vi quando Mason falou algo para ela, antes de sair. Ainda sorridente, ela virou para mim e me acompanhou, sem falar nada. Quando entramos na sala de treinamento, o rosto dela se iluminou de felicidade quando viu os bonecos arrumados na parede do canto. Felicidade essa que aumentou quando ela viu o que eu passava de uma mão para outra: uma estaca. Eu sabia que ela iria adorar aquilo e fiz aquele gesto para provocá-la.
“Legal!” Ela exclamou, com os olhos vidrados, quase que em transe. “Por favor, me diga que eu vou aprender a usar isso hoje!”
“Você vai ter sorte se eu deixar você segurar ela hoje.”
Como sempre, tive que suprimir um sorriso. Rose era muito espontânea e, a maioria das vezes, contagiante. Era difícil me manter sério perto dela, principalmente quando esse seu lado encantador, que eu adorava tanto, se mostrava. Fazia a vida parecer mais leve do que realmente era. Se eu me deixasse levar por ela, definitivamente estaria perdido, mesmo assim, não resisti e joguei a estaca para cima, que deu alguns giros no ar, antes que eu a pegasse novamente. Os olhos dela seguiram cada movimento, quase que em câmera lenta. Era claro que aquilo era algo que ela queria muito. Ela me olhou irritada, colocou a mochila no chão e começou a tirar o casaco. Ela usava calças folgadas de moletom, os cabelos presos com um elástico no topo da cabeça e um top curto e justo, que me fazia lembrar bem do corpo incrível que ela tinha. Desde aquele feitiço de luxúria, lançado por Victor, tem sido difícil não lembrar disso a todo momento. A imagem dela, completamente sem roupa na minha frente era algo que eu jamais esqueceria.
“Você quer que eu lhe diga quanto tempo elas vão durar, porque eu tenho que ter cuidado quando estiver com uma.”
Eu ainda estava girando a estaca, tentando manter meus pensamentos nada puros, longe. Então parei e a olhei, levantando as sobrancelhas fingindo surpresa. Como eu disse, era difícil não me contagiar com seu humor. Ela sorriu, percebendo isso.
“Anda, a essas alturas, você acha que eu não sei como você funciona? Nós estamos fazendo isso há quase três meses. Você sempre me faz falar sobre segurança e responsabilidade antes de fazer qualquer coisa divertida.”
Era realmente impressionante como ela já me conhecia nos mínimos detalhes. Aquilo era verdade, tinha sido a única pessoa que consegiu me entender perfeitamente. Aquilo me assustava e encantava ao mesmo tempo.
Eu realmente acreditava que lutar, por lutar simplesmente não era algo correto a ser feito, tornava tudo gratuito. Tínhamos que ter razões, propósitos, por isso sempre fazia Rose entender isso. Eu achava que ela não levava a sério, mas agora via que ela prestava mesmo atenção a tudo.
“Entendo,” falei fingindo um tom casual. “Bom, eu acho que você já tem tudo sob controle. Por favor, continue com a aula. Eu vou ficar ali, até você precisar de mim de novo.” Guardei a estaca na minha bainha e me encostei na parede, colocando as mãos dentro dos bolsos. Ela me olhou abismada por um tempo. Eu a encarei, esperando que ela começasse a falar. Vendo que não teria escolha, ela deu de ombros e começou a dizer tudo que sabia sobre estacas. Eu confesso que não esperava que fosse tanto.
“Prata tem sempre um grande efeito em qualquer criatura mágica – pode ajudá-los ou feri-los, se você colocar poder suficiente nela. Essas estacas são realmente poderosas pois são necessários quatro Morois diferentes para encantá-las. Cada um usa um dos elementos, forjando-a.” Ela fez uma pausa, pensativa, franzindo a testa. “Bem, exceto o espírito. Então, elas são superpoderosas e são praticamente a única arma que causa dando ao Strigoi, não exigindo que ele seja decapitado - mas para matá-los, é preciso atingir diretamente o coração.”
Eu a olhava, ouvindo cada palavra do que ela dizia, ao mesmo tempo que estudava suas feições perfeitas. As linhas do seus rosto, o contorno de seus olhos e lábios. Rose era linda e, também, bastante inteligente. As pessoas tinham uma imagem muito distorcida dela. Ela era esforçada e dedicada naquilo que lhe interessava e ser uma grande guardiã era o seu objetivo.
“Elas não vão lhe machucar?” perguntei quando vi que ela fez uma pausa. Eu realmente gostava de a ouvir falar. Sua voz era suave e feminina.
“Não. Bem, quero dizer, sim, se você empalar meu coração. Mas não vai me machucar como machucaria a um Moroi. Arranhe um Moroi com ela e isso irá machucá-lo - mas não com tanta força quanto machucaria a um Strigoi. Elas também não machucam os humanos.”
Ela continuou falando e eu não pude deixar de pensar que tinha uma proposta de ir embora da Academia. Senti meu coração apertar e a olhando, senti que eu não podia deixá-la. Pelo menos não enquanto ela não tivesse pronta, não era certo deixar seu treinamento pela metade. ‘Nunca pode deixá-la, Dimitri, nunca’. Uma voz falou dentro de mim. Eu não podia continuar vivendo assim, não podia. Sentindo que aqueles pensamentos conflituosos estavam querendo tomar conta de mim, me concentrei no que Rose estava falando, fazendo perguntas ocasionais e concordando com a cabeça de vez em quando. Eu deixei que ela falasse quase a aula inteira. Quando faltava cerca de dez minutos para o fim, eu a chamei até um dos bonecos, da ponta. Puxei a estaca e mostrei a Rose.
“Onde você vai colocar isso?”
Eu percebi que Rose conhecia profundamente a teoria sobre estacas, mas também sabia que a prática era diferente. Ela me olhou totalmente irritada, como se tivesse sido ofendida.
“No coração. Eu já disse isso a você um monte de vezes. Você pode me dar ela agora?”
Eu não consegui segurar um sorriso. Rose era engraçada, mesmo com raiva. E sabia que a minha próxima pergunta a irritaria ainda mais.
“Onde é o coração?”
Ela me deu um olhar estupefato. Eu usei de muito autocontrole para não soltar uma grande gargalhada. Então, simplesmente dei de ombros. Ela esticou o braço e num gesto dramático, apontou o peito esquerdo do boneco. Como eu pensei. Brincadeiras à parte, ela não sabia corretamente onde estava o coração e isso poderia ser fatal quando ela estivesse diante de um Strigoi.
“Não é aí onde o coração fica.”
“Claro que é, as pessoas colocam a mão no coração quando fazem o Juramento da Bandeira ou cantam o hino nacional.”
Eu a olhei, esperando que ela respondesse seriamente a minha pergunta. Ela virou para o boneco e o avaliou por alguns momentos.
“É aqui?” Ela falou tocando no centro do peito do boneco. Não estava errada, mas ela precisava ter certeza disso. Ela tinha que saber precisamente onde era o coração do seu inimigo, sem duvida alguma. Eu arqueei as sobrancelhas.
“Eu não sei. É?”
“É isso o que eu estou lhe perguntando!” Sua voz saiu profundamente irritada.
“Você não deveria me perguntar isso. Vocês não têm aulas de fisiologia?” Eu sabia que era uma pergunta maldosa, que ela não estava na Academia quando os alunos da turma dela tiveram aquela aula, mas era necessário que ela entendesse que ainda tinha muito o que recuperar.
“Sim, estas são aulas para os calouros. Eu estava de ‘férias’ lembra?” Ela apontou para a estaca, ansiosa. “Posso tocá-la? Por favor!”
Eu peguei a estaca e guardei novamente. Confesso que eu tinha vontade de dar a estaca para ela usar um pouco e matar a sua ansiedade, mas este era um assunto sério, eu não queria que ela encarasse como uma brincadeira.
“Eu quero que você me diga onde fica o coração, da próxima vez que nos encontrarmos. Exatamente onde. Eu quero saber o que tem no caminho dele, também.” Senti minha voz sair seca e dura. Ela me deu um olhar feroz e saiu sem se despedir.
Eu me virei sorrindo e fui guardar os materiais.
Quando sai do ginásio, recebi um chamado de Alberta, pedindo para passar em seu escritório, antes de seguir para minha próxima aula. Caminhei apressadamente pelo campus, percebendo que muitas pessoas estavam chegando, Morois com seus guardiões e alguns poucos dhampirs, para passar o final de ano com os filhos e irem com eles até a estação de sky.
Cheguei ao seu escritório, dando uma leve batida na porta, entrei. Lá, sentada em uma cadeira com Alberta, estava Janine Hathaway, mãe de Rose. Eu a olhei, surpreso. Janine era uma das mais renomadas guardiãs da atualidade. Era uma das poucas também. Cada vez menos, as mulheres deixam seus filhos para se dedicar a carreira. Eu a admirava por isso. Ela tinha escolhido o caminho mais honroso que uma dhampir podia seguir, tanto para ela, como para Rose. E, certamente, Rose tinha herdado muito dela. Exceto nas características físicas. Elas não pareciam mãe e filha. Sequer pareciam parentes. Janine era uns quinze centímetros mais baixa que Rose e tinha cabelos curtos, encaracolados e ruivos.
Elas se voltaram para mim, quando entrei. Outros dois guardiões, que não eram da escola estavam com elas, em pé, logo atrás. Eu acenei cumprimentando a todos.
“Ah, Belikov, desculpe tirar você de suas atividades.” Alberta falou, daquela forma rápida e eficiente dela. “Mas a Guardiã Hathaway acabou de chegar. Ela irá dar uma palestra, juntamente com o Guardião Straus e Guardião Paker, na sala dos alunosveteranos, logo mais, durante a aula do Guardião Alto.” Alberta enfatizou a palavra ‘veteranos’ e eu entendi que seria a turma de Rose. “Você poderá acompanhá-los?”
“Claro.” Eu sabia o que Alberta queria. Era se certificar que Rose se comportaria bem, diante da mãe.
Janine olhou para mim e deu um pequeno e quase nulo sorriso.
“Guardião Belikov, eu soube que você é o mentor da minha filha e que tem feito grandes progressos com ela. Fico grata por dedicar parte do seu tempo para treiná-la. O quê ela fez – fugindo daquela maneira – foi imperdoável. Espero que consigam reaver o tempo perdido e que ela consiga se formar no final do semestre, com os demais.”
“Rose é uma aluna dedicada e determinada. Está conseguindo alcançar o mesmo nível de seus colegas rapidamente.” Falei sem demonstrar qualquer sentimento, com o mesmo tom que ela utilizou, como se tratasse apenas de negócios. Era impressionante a frieza dela ao falar da filha. Mesmo para uma guardiã.
“Ela tem um bom mentor aqui.” Alberta falou surpreendentemente acolhedora. “Tem sido um grande exemplo para Rose.”
“É ela tem sorte por tê-lo. Uma pena que não será por mais tempo.” Janine tornou a olhar para mim. “Soube que você foi requisitado pela Lady Natasha Ozera.”
Eu lancei um olhar para Alberta que fez um leve sinal de não com a cabeça. Eu já devia saber que uma notícia dessa nunca seria sigilosa. Eu tinha um importante posto tanto na Academia, quanto entre os guardiões. Ser guardião de uma Princesa é uma grande honra que trás um certo status. Principalmente se tratando de uma Dragomir, ou melhor, da última Dragomir. Eu ter sido solicitado para deixar estes postos era um assunto que até os mais reservados guardiões comentariam.
“Não recebi nada oficial ainda, Guardiã Hathaway. Ainda permaneço normalmente nas minhas atividades.” A minha voz saiu mais dura do que eu queria, deixando claro que eu não queria falar sobre isso.
Ela acenou, provavelmente entendendo e logo mudou de assunto, perguntando sobre o ataque aos Badicas. Novamente, tive que narrar passo a passo os acontecimentos. Ficamos ali conversando sobre aquilo, até a hora de seguirmos para a sala de Stan. Quando chegamos, poucos alunos já estavam lá, olhei rapidamente em volta, mas Rose ainda não tinha chegado. Os três foram falar com Stan e permaneceram ali na frente da sala, aguardando o início da aula. Eu me coloquei nos fundos. Outros guardiões da escola tinham vindo ouvir as histórias que eles tinham para contar, então, me juntei a eles.
Pouco tempo depois, Rose chegou novamente acompanhada de Mason. Assim que entrou, sentou na sua carteira de sempre e pareceu congelar. De onde eu estava, não podia ver seu rosto, mas eu tinha certeza que ela tinha visto a mãe de imediato. Janine, ao contrário, pareceu não ver a filha em meio aos outros estudantes. Eu podia até arriscar dizer que ela não se lembrava espontaneamente que tinha uma filha. Aquilo me surpreendeu. Era realmente um tratamento diferente do que eu conhecia de mãe e filho.
Stan começou a aula, apresentando os guardiões visitantes e justificando a presença deles ali.
“Eu sei que isso é incomum. Guardiões visitantes raramente têm tempo para passar em nossas aulas. Nossos três visitantes, no entanto, arranjaram tempo para vir conversar conosco, devido ao que aconteceu... devido ao que aconteceu, nós pensamos que seria melhor fazer vocês aprenderem com aqueles que atualmente já trabalham no campo.” A turma se agitou em excitação.
O primeiro a falar foi Straus, o mais velho. Ele contou uma história impressionante de um ataque Strigoi quando o protegido dele estava em um restaurante. Obviamente, todos saíram são e salvos.
O segundo, Paker, tinha perto da minha idade. Ele também tinha uma história impressionante, que arrancou muitos suspiros impressionados da sala. Ele dramatizava com as mãos os golpes que tinha dado, fazendo a história parecer ainda mais emocionante do que realmente era. Eu poderia jurar que eles tinham carregado um pouco nos detalhes para parecer interessante aos jovens noviços.
Por fim, foi a vez de Janine. Ela se colocou à frente, assumindo uma postura que inacreditavelmente camuflava sua altura. Apertei meu maxilar, torcendo mentalmente para que Rose permanecesse quieta e controlada.
Janine começou contando de um acontecimento, quando o Lord Szelsky, seu protegido, foi a um baile promovido por outra família real. Vários Strigois estavam à espreita, só esperando para atacar, Janine, é claro, descobriu tudo, matando um dos Strigois e alertando aos demais guardiões, que caçaram e mataram o restante. O tom de voz dela não sugeria uma vaidade e sim um mero cumprimento do dever.
“Não foi fácil. Tinham mais três no perímetro. Naquele tempo, isso era considerado um número incomum trabalhando juntos. Isso pode ser considerando pouco agora, considerando o massacre dos Badicas. Nós tivemos que nos livrar dos Strigois restantes o mais rápido e silenciosamente possível, para não alertar os demais. Se nós tivermos o elemento surpresa, o melhor jeito para acabar com um Strigoi é chegar por trás, quebrar seu pescoço, e empalar ele. Quebrar o seu pescoço não vai matá-lo, é claro, mas os confunde e lhe permite empalá-lo antes dele fazer qualquer barulho. A parte mais difícil na verdade é pega-los desprevenidos, porque a audição deles é muito boa. Já que eu sou menor e mais leve que a maioria dos guardiões, eu posso me mover bem silenciosamente. Então eu acabei matando dois dos três.”
A turma estava absurdamente silenciosa, ouvindo a tudo atentamente. Ela continuou sua história fascinante. Quando terminou, Stan franqueou a palavra para a classe e vários alunos ergueram a mão, ansiosos para fazerem suas perguntas. Os três responderam pacientemente a cada uma, até que Rose ergueu a sua mão.
Janine olhou impressionada para Rose. Eu não sabia dizer que ela estava surpresa por Rose estar ali, ou por encontrar a filha depois de taanto tempo. Sinceramente, eu não podia acreditar que ela só estava notando a própria filha naquela hora. Se não fosse como mãe, pelo menos sendo uma guardiã tão experiente como ela, tinha obrigação de ter visto que Rose estava ali esse tempo todo. Certamente, ela estava bem diferente desde a última vez que tinham se encontrado, de acordo com os registros da Academia, há mais de cinco anos que Janine não visitava Rose e ela ainda devia ter a sua imagem ainda como uma criança, mas uma mãe nunca se esquece de como sua filha é. Bem, pelo menos teoricamente. Eu tinha que dar um ponto a Rose. Ela tinha alguma razão para ter tanta mágoa.
“Então, Guardiã Hathaway.” Rose começou falando firmemente. Toda a classe se virou para olhar para ela. Eu podia sentir a expectativa de todos, inclusive dos guardiões que estavam ao meu lado, todos conheciam bem a fama de ambas. “Porque vocês não deram segurança ao lugar?”
“O quê você quer dizer?” Janine perguntou, franzindo as sobrancelhas.
“Eu não sei. Mas me parece que vocês fizeram besteira.” Rose respondeu, se inclinando casualmente para trás. Eu resisti ao impulso de levar a mão ao rosto, em exaspero. Tá certo que Janine é sua ausente mãe, mas também é uma guardiã excepcionalmente boa e respeitadíssima, tanto por seus feitos, como por suas técnicas, questionar seus métodos em público assim, podia ser até considerado uma grande afronta. E eu acho que era isso mesmo que Rose queria, então continuou. “Porque vocês não averiguaram o local e se certificaram que não tinha nenhum Strigoi no lugar, para começo de conversa?”
Eu sabia que Rose estava sendo impertinente, que só queria provocar sua mãe, mas eu tinha que admitir que aquela era uma pergunta bem inteligente. Todos que estavam ali ficaram tão entretidos com o final feliz da história contada por ela, que não se deram conta desse lapso.
“Se nós não tivéssemos passado por todos estes problemas, tinham sete Strigois andando pelo mundo e aqueles outros Morois estariam mortos ou transformados agora.” Janine estreitou os olhos e suas palavras saíram fortes, mas devo reconhecer que não responderam a pergunta feita por Rose.
“É, é, eu entendi que vocês salvaram o dia e tudo mais, eu quero dizer, isso é uma aula de teoria, certo?” Rose a olhou para Stan que a encarava com o rosto totalmente fechado. “Então, eu só quero entender o quê deu errado, para começo de conversa.” A voz dela ela quase que inocente, mas eu a conhecia bem. Rose sabia das respostas e estava querendo constranger a sua mãe.
Janine estava perfeitamente controlada, a não ser por um leve franzido em seus lábios, que indicava que ela estava se irritando. Se fosse minha mãe, provavelmente teria ignorado o fato de eu ser um guardião formado e teria corrido atrás de mim para me dar umas boas palmadas. Mas a mãe da Rose estava longe de se parecer com a minha. Então, ela se limitou a responder.
“Não era tão simples. O local tinha uma planta extremamente complexa. Nós a percorremos e, inicialmente, não encontramos nada. Acreditamos que os Strigois chegaram depois que a festa tinha começado - ou que talvez tivesse passagens e cômodos escondidos, que não sabíamos.”
A turma soltou um ‘oh!’ quando ela mencionou ‘quartos escondidos’. Rose não se intimidou e ainda não se dando por satisfeita, continuou.
“Então, o que você está dizendo é que vocês ou falharam em os detectar em sua primeira varredura, ou eles atravessaram a ‘segurança’ que vocês montaram para a festa. Parece que alguém fez besteira de qualquer forma.” Mas uma vez eu tinha que admitir que Rose estava certa e era uma análise que podia ser considerada brilhante do caso contado por Janine. Mas o contexto não era propício. Todos só estavam olhando para uma adolescente rancorosa descontando seus traumas na sua mãe, em público. A desaprovação era clara no rosto de todos.
“Nós fizemos o melhor que podíamos em uma situação incomum. Eu compreendo que alguns de vocês não são capazes de entender os problemas que eu descrevi. Mas quando vocês aprenderem o suficiente além da teoria, vocês verão como é diferente quando estão lá e vidas dependem de você.” O rosto de Janine ainda era controlado e sua voz saiu extremamente fria.
“Sem dúvida. Quem sou eu para questionar seus métodos? Eu quero dizer, faça o que for necessário para conseguir mais tatuagens molnija, certo?”
Não,para mim, agora Rose tinha perdido a razão. Será que tudo que eu lhe ensinava esse tempo todo não adiantou nada? Várias e várias vezes eu lhe disse que nenhum guardião tem em mente a luta só para sua própria vanglória. Strigois representavam vidas destruídas. Pessoas que se transformaram em monstros. Monstros cruéis, capazes de coisas terríveis para seu próprio prazer. E era o que nos diferenciava deles. Não buscávamos a morte por prazer e sim por dever.
“Srta. Hathaway!” Stan bradou soando altamente irritado. “Por favor, pegue suas coisas e vá esperar lá fora, até o final da aula.”
“Você está falando sério? Desde quando há algo errado em fazer perguntas?”
“Sua atitude é que está errada.” Ele apontou para a porta. “Vá!”
Um silêncio sepulcral tomou conta da sala. E sabia que tinha que me sentir indignado com Rose, mas não conseguia, ela não estava, de todo, errada. Ela só não tinha maturidade para lidar com a situação, só isso. Mas parecia que todos só esperavam por algo assim para poder expô-la.
Rose não se intimidou com a expulsão. Ela se colocou em pé, endireitou sua postura. Pegou sua mochila e saiu olhando diretamente para a porta, sem encarar ninguém. Eu resisti a vontade de ir atrás dela. Janine a observou, seu rosto sem demonstrar nada. A turma permaneceu em silêncio por mais uns segundos. Stan olhou em volta e forçou um sorriso.
“Bem, alguém tem mais perguntas pertinentes?” imediatamente, vários braços se ergueiram e a aula continuou como se nada tivesse acontecido. Cerca de cinco minutos antes do fim da aula, Janine cochichou algo com Stan e saiu. Eu permaneci ali, junto com os demais guardiões, imaginando o que estava se passando lá fora.
Quando sai, Stan já estava lá fora falando com Rose e não tinha mais sinais de Janine. Resolvi que não iria intervir. Conversaria com ela em outro momento. Quando estava a caminho do ginásio uma voz familiar, mas que eu não ouvia há muito tempo me chamou. Senti uma enorme alegria tomar conta de mim.
“Dimka!”
Olhei para o lado e vi Tasha que se aproximava sorrindo. Esse era o apelido russo para o meu nome. Poucas pessoas me chamavam assim, inclusive ela. Fazia tempo que eu não a via, mas ela ainda parecia a mesma. Seus olhos extremamente azuis, pareciam duas pedras de tão brilhantes. Seus cabelos negros estavam presos com um rabo de cavalo, deixando a terrível cicatriz do seu rosto ainda mais evidente.
Ela deu uma leve corrida e praticamente se atirou nos meus braços. Confesso que fiquei meio desconcertado com aquilo. Nós éramos amigos há muito tempo, mas eu não era acostumado a cumprimentos tão informais.
“Tasha, olha para você, não mudou nada.” Falei quando nos afastamos.
“Você também, Dimka. Continua o mesmo.” Ela falou sorrindo abertamente. Era outra coisa que eu nunca me acostumava. A maior parte dos Morois costumava rir de um jeito que escondia as suas presas. Tasha não. Ela sorria mostrando todos os dentes. Particularmente, não era uma visão que eu gostava muito de ter, por mais perfeito que fosse seu sorriso, as grande e afiadas presas deixavam tudo estranho.
“Eu acabei de chegar, ainda nem me instalei, vim logo lhe ver. Me disseram que você estaria aqui no ginásio.”
“É eu tenho uma aula daqui há pouco. Eu dou aulas extras particulares a uma aluna. Rose Hathaway.”
“É eu também ouvi falar sobre isso.” Os olhos dela me avaliaram por alguns momentos e eu me perguntava o que ela tinha ouvido falar. Eu a conhecia há muito tempo, mas de alguma forma, não me senti à vontade para falar sobre Rose com ela.
“Eu encontro você depois da aula,” eu disse, apontando para o ginásio “lhe procurarei na ala dos hóspedes.”
“Não, eu nunca me hospedo lá. Prefiro ficar em uma das antigas cabanas de observação. Você sabe, os Ozera não são muito bem vistos e, além do mais, eu sempre fico mais à vontade lá.” Um leve traço de tristeza passou pelos seus olhos, mas durou poucos segundos. “Você poderia passar lá, a gente pode colocar a conversa em dia, temos muito o que atualizar.”
“Não sei se seria bom, Tasha. Você acabou de chegar, ainda vai estar se instalando, porque não deixamos para outro dia?” A ideia de ficar sozinho com ela não me agradou muito. Mas tentei não demonstrar isso.
“Imagina Dimka! Christian trará Lissa para me apresentar. Bem, eu já a conheço, mas agora eles são namorados... Seria legal que você também viesse.”
“Tudo bem, tentarei estar lá.” Falei com um pequeno sorriso, sentindo que não conseguiria escapar daquilo tão fácil. “Em qual cabana você está?”
“Aquela perto do lago. Pretendemos patinar um pouco nele, inclusive, o quê você acha?”
“Bem, parece divertido para vocês... eu não prometo nada, se der, eu irei.”
Depois de me despedir de Tasha, segui para o ginásio. Preparei rapidamente a sala para aula com Rose, ao mesmo tempo em que me preparava para enfrentar o seu temperamento agressivo, depois de tudo que tinha se passado com a sua mãe. Eu ainda estava terminando de montar um dos bonecos, quando a porta abriu e Rose entrou, praticamente correndo.
“Aqui.” Ela exclamou batendo com os punhos fechados no centro do peito de um dos bonecos que já estava pronto. “O coração está aqui. E o esterno e as costelas estão no caminho. Posso pegar minha estaca agora?” Ela cruzou os braços e me encarou, sabendo que estava certa. Eu me limitei a olhá-la como se ela não tivesse feito nada além de sua obrigação. E, de fato, não tinha feito.
“E como você faz para atravessar o esterno e as costelas?”
Ela me olhou com expressão incrédula. Percebendo que ela não sabia a resposta, eu fui até ela e lhe ensinei várias manobras e algumas maneiras de como fazer isso. Ela me observou com muita atenção e surpreendentemente calma. Quando terminei de demonstrar, estendi a estaca e a entreguei. O rosto dela se iluminou como um belo dia de verão.
“Você está dando ela para mim?” Rose olhava para a estaca e para mim, seus olhos se movendo rápido. Eu não quase não acreditei naquela reação dela. Eu esperava que ela a tomasse da minha mão e empalasse um dos bonecos imediatamente. Mas como eu sempre digo, Rose é imprevisível e isso era uma das coisas que me faziam gostar muito dela.
“Eu não acredito que você está se segurando. Eu pensava que você ia pegá-la e sair correndo.” Falei, tentando não sorrir.
“Você não está sempre me ensinando a me segurar?”
“Não com tudo.”
“Mas em algumas coisas.” A voz dela saiu carregada de duplo sentido. Pela sua expressão, ela tinha escapado aquilo quase que de forma inconsciente, como um ato falho. Ela ficou um pouco desconcertada em ter dito aquilo e eu me forcei a manter a naturalidade. Não era só ela que tinha que se segurar. Muitas vezes eu tinha que convocar toda força, até aquela que eu nem sabia que tinha, para me controlar perto dela.
“É claro.” Falei e me senti satisfeito por perceber que minha voz tinha saído com a mesma neutralidade de sempre, não revelando o que eu sentia. “É como todo resto. Temos que balancear. Saber quais coisas você deve perseguir – e quais coisas deve deixar em paz.” Eu a olhei profundamente, para que ela entendesse que essa era a lição que eu estava procurando seguir e que ela deveria fazer o mesmo. Encontrar os olhos dela fez meu coração disparar. Eram momentos simples como estes que eu constatava que eu não estava fazendo um bom trabalho. Eu simplesmente não conseguia deixar estes sentimentos em paz dentro de mim. O que eu sentia por ela parecia ter vida própria e cada vez mais se apresentava maior. Rose mal podia imaginar que por tantas vezes eu estive prestes a ir jogar tudo para o alto e me entregar aqueles sentimentos. Cada vez mais se tornava impossível fingir que eu não sentia nada. Isso requeria muito esforço meu e me deixava, muitas vezes, arrasado.
Ela desviou os olhos do meus e olhou novamente para a estaca que eu ainda segurava. Depois de alguns momentos pensativa, ela a pegou e a estudou por algum tempo. Então, tornou a olhar para mim.
“O quê eu devo fazer primeiro?” ela perguntou, com a voz baixa e humilde.
Eu me aproximei dela e lhe dei algumas explanações sobre como a segurar, a melhor forma de se colocar e posicionar suas mão. Ensaiei pacientemente vários ataques com ela, corrigindo a sua postura e posição, quando era necessário. Mas Rose queria muito ser uma boa guardiã e quando se tratava disso, ela agia com seriedade e dedicação. Ela não demonstrava cansaço e nem preguiça quando o assunto era treino. As repetições nunca eram demais para ela. Partimos para treinar diretamente nos bonecos e a mesma determinação dela se manteve.
“Deslize para cima, através das costelas.” Eu a orientei, enquanto ela tentava encaixar um golpe. “Será mais fácil, já que você é mais baixa do que a maioria dos seus agressores. E mais, você pode tentar acertar a parte mais baixa da costela.” Falei demonstrando um movimento. Ela repetiu, ainda com dedicação. Os movimentos dela eram precisos e rápidos, com mais um pouco de treino, se tornariam perfeitos. Ela tinha uma técnica própria que fugia às teorias e era bastante eficiente. Era difícil de se ver isso em um guardião. Muito raro mesmo.
“Bom, muito bom.” Soltei, quando a aula terminou e eu pegava novamente a estaca.
“Verdade?” Ela perguntou, com o rosto surpreso. Era verdade que eu não a elogiava muito, mas isso não queria dizer que eu não achava que ela fosse muito boa naquilo que fazia.
“Você fez como se estivesse fazendo isso há anos.”
Ela sorriu satisfeita, enquanto saíamos do quarto de prática e caminhávamos para o ginásio. Eu fui até um armário pegar meu casaco. Estava muito frio lá fora.
“Eu posso empalar aquela ali, da próxima vez?” Ela perguntou apontando para uma boneca que tinha os cabelos curtos, vermelhos e encaracolados, como os da sua mãe. Eu rapidamente entendi aquilo.
“Eu não acho que isso seria saudável.” Falei, enquanto vestia o casaco.
“Seria melhor do que fazer diretamente nela.” Ela colocou a mochila e saíamos. Eu tinha achado melhor não comentar nada do que tinha acontecido durante a aula de Stan. Eu já tinha percebido que Rose gostava muito das aulas práticas e que, muitas vezes, se sentia bastante à vontade comigo. Então tinha optado por não causar mais aborrecimento a ela. Mas agora, ela estava trazendo aquele assunto para mim.
“Violência não é a solução para o seus problemas.”
“É ela quem tem problemas. Eu pensei que toda a minha educação era motivada para responder com violência.”
“Apenas para aqueles que a trazem primeiro. Sua mãe não está lhe agredindo. Vocês duas são muito parecidas, só isso.”
Ela parou de andar e me olhou com indignação. “Eu não me pareço nada com ela! Eu quero dizer... nós meio que temos os mesmos olhos, mas eu sou muito mais alta. E o meu cabelo é muito diferente.” Ela apontou para sua própria cabeça. Era como se compará-la com a mãe lhe fosse uma ofensa.
Eu tentei não cair na tentação de provocá-la. Rose ficava muito divertida quando estava assim irritada por nada. Ela sabia que não estávamos falando de características físicas e sim de temperamento. Rose estava apenas tentando desviar a conversa.
“Eu não estou falando de aparências físicas e você sabe disso.” Eu tentei soar como o mentor ponderado. Eu não sabia dizer exatamente como, mas eu entendia Rose melhor do que ela mesma, eu arriscaria dizer. Ela e a mãe, em muitos pontos, dividiam os mesmos objetivos e os mesmos pensamentos. Eu tinha que admitir que Rose era muito mais intensa que Janine e mais sensível, também, mas essencialmente, as duas tinha os mesmos valores.
“Você acha que eu tenho ciúmes?”
“Você tem? E se sim, então do que você tem ciúmes exatamente?”
Ela me olhou, sabendo que podia desabafar comigo e eu senti uma grande cumplicidade correr entre nós. “Eu não sei. Talvez eu tenha ciúmes da sua reputação. Talvez eu tenha ciúmes por ela gastar mais tempo com a carreira do que comigo. Eu não sei.”
Aquele era o ponto. Rose só queria passar mais tempo com a mãe, sentir que a Janine gostava dela e se importava com ela. Era uma carência que ela tinha, uma falta que ela sentia.
“Você não acha que o quê ela fez foi incrível?”
“Sim. Não. Eu não sei. Só que soou como se fosse algo... eu não sei... como se ela estivesse se gabando. Como se ela tivesse feito tudo aquilo para ter glória.” Ela fez uma careta e acrescentou “Pelas tatuagens.”
“Você acha que vale apena enfrentar Strigois somente pelas marcas? Eu pensei que você tivesse aprendido alguma coisa na casa dos Badicas.” Eu realmente sabia que o que Rose tinha falado não era exatamente o que ela tinha sentido. Mas eu queria mostrar para ela que, nem por brincadeira, ela podia pensar daquele jeito, que a vida não deveria ser arriscada somente para alimentar a vaidade.
“Não é isso – “
“Vamos.”
Ela parou de andar. “O quê?”
Nós estávamos indo na direção do dormitório. Eu realmente não estava com vontade de ver Tasha, mas decidi que seria um bom aprendizado para Rose conhecer alguém que tenha uma história relacionada a Strigois, como a dela. Eu apontei com a cabeça para o lado oposto do campus.
“O quê foi?” Ela perguntou, ainda sem entender.
“Nem todas as marcas são medalhas de honra.”
Rose me olhou de forma confusa, enquanto eu apontava para o lado oposto do dormitório. Eu fiz questão de não falar nada a ela, até porque eu pensei que ela pudesse sentir que Lissa estaria ali pela ligação. E também eu queria que ela mesma tirasse suas próprias conclusões sobre Tasha e sua história com Strigois. Realmente, eu esperava que Rose me enchesse de perguntas curiosas durante todo caminho e me surpreendi por ela ter me seguido, de forma obediente e sem dar qualquer palavra. A cabana onde Tasha estaria ficava dentro da floresta, próxima a fronteira da Academia, por isso tivemos que caminhar por um bom tempo. Uma nevasca tinha caído, cobrindo todo o solo e o frio era intenso. O sol estava nascendo e nem isso era suficiente para esquentar o vento que soprava. Várias vezes, tive que diminuir meus passos para que Rose pudesse me acompanhar. Isso sempre acontecia, não só com ela, mas com quase todas as pessoas. Por ser tão alto, meus passos eram mais largos e eu era acostumado a andar rápido.
“O quê é isso?” Rose perguntou, quando finalmente pudemos avistar a cabana. Ela era construída de madeiras e seu estado de conservação não era dos melhores.
“Um antigo posto de vigília. Os guardiões costumavam ficar nas fronteiras do campus, mantendo a vigilância contra os Strigois.”
“Porque eles não fazem mais isso?”
“Porque não temos mais guardiões o suficiente. Além do mais, os Morois reforçaram a magia de proteção em volta do campus e a maioria das pessoas achou que não era mais necessário ter alguém de guarda.”
À medida que nos aproximávamos, podíamos ouvir vozes e risadas. Pela expressão de Rose eu pude perceber que ela havia sentido a presença de Lissa ali, somente naquele momento. Quando demos a volta e avistamos o lago, pudemos ver Tasha, Lissa e Christian patinando nele.
“Rose!” Lissa gritou feliz, assim que paramos na margem do lago. A expressão de Rose ainda era intrigada. Eu sabia que ela estava buscando entender sozinha tudo aquilo. Christian fez uma careta, claramente não aprovando a chegada dela. Lissa se aproximou, se equilibrando nas pontas dos patins. Eu poderia dizer que ela não era muito boa nisso. “Eu pensei que você estava ocupada. Isso é um segredo, de qualquer forma. Nós não deveríamos estar aqui.”
Apesar do tom alegre de Lissa, Rose ainda parecia desconfortável. E tudo piorou quando Tasha se aproximou com Christian.
“Você trouxe penetras, Dimka?” Tasha perguntou sorrindo, em um tom de brincadeira. Mesmo assim, percebi que Rose ainda permaneceu séria, como se estivesse hipnotizada com aquela cena. Eu realmente esperava que Rose gostasse do que ia encontrar e ficasse mais descontraída. Mas não. Ela se limitou a observar tudo, principalmente Tasha.
“É impossível manter Rose longe de lugares onde ela não pode ir. Ela sempre os encontra.” Falei em um tom ameno, observando Rose cautelosamente, mas ela permaneceu estudando a situação. Tasha se inclinou para ela estendendo sua mão.
“Tasha Ozera. Eu ouvi muito a seu respeito, Rose.” Ela falou, sorrindo, com sua habitual educação e simpatia. Rose lançou um olhar afiado para Christian. Tasha percebendo isso, acrescentou “Somente coisas boas.”
“Não, não foram.” Christian completou rapidamente. Tasha balançou sua cabeça rapidamente em exaspero.
“Honestamente, eu não sei onde ele conseguiu essas horríveis habilidades sociais. Garanto que ele não aprendeu isso comigo.”
“O quê vocês estão fazendo aqui?” Rose perguntou, falando pela primeira vez.
“Eu queria passar um tempo com esses dois. Mas eu não gosto de ficar perto da escola. Eles não são muito hospitaleiros.” Tasha disse, franzindo as sobrancelhas.
“Por causa... Por causa do que aconteceu.” Rose falou, ainda muito pensativa.
Tasha deu de ombros. “É assim que as coisas são.” Ela esfregou as mãos “mas não vamos ficar parados aqui. Não quando podemos fazer uma fogueira lá dentro.”
Eles saíram do lago e nós começamos a caminhar para a cabana. Rose nos seguiu logo atrás, olhando para o lago. Eu me perguntava se ela queria ainda ficar ali fora por mais tempo. Quando entramos, dei uma olhada rápida pela cabana. Era impressionante que Tasha preferisse ficar ali. A Academia tinha uma ala própria para visitantes, com apartamentos bem equipados, confortáveis e luxuosos. No entanto, a cabana era extremamente rústica e simples. Com poucos armários e uma pia do lado direito. No lado esquerdo tinha uma cama de casal e algumas cadeiras, próximas de uma lareira a qual acendemos rapidamente. Ainda falando alegremente, Tasha abriu uma das sacolas de compras que estava no balcão da pia e trouxe um saco de marshmellows. Nós nos sentamos em cadeiras perto do calor das chamas. Rapidamente Tasha e eu começamos uma conversa sobre alguns conhecidos nossos dos quais eu não tinha notícias há um bom tempo. Eu tinha muitos assuntos comuns com ela e sempre me sentia à vontade com Tasha. Eu a conhecia há muito tempo e nunca precisei forçar qualquer comportamento com ela. Meus gestos e atitudes viam de forma espontânea, eu ficava realmente relaxado.
Eu não tinha percebido que dois pares tinham se formado e deixado Rose de fora, até que ela falou, se inserindo na conversa. Eu me surpreendi dela ter ficado quieta, só observando por tanto tempo. Embora eu estivesse distraído com os assuntos levantados por Tasha, minha atenção também estava em Rose, que estava sentada ao meu lado. A presença dela não era algo que eu conseguia ignorar.
“Então, você vai para a estação de esqui?” Rose perguntou a Tasha, de forma simpática.
Tasha acenou, dando um longo bocejo e se espreguiçando. “Eu não esquio há séculos. Eu não tempo. Estava aguardando minhas férias para isso.”
“Férias? Você tem... um trabalho?” Rose parecia surpresa.
“Infelizmente sim. Eu dou aula de artes marciais.” Tasha respondeu com voz desanimada e eu tive a impressão que o queixo de Rose quase caia no chão. Era compreensivo o seu espanto. Morois da realeza raramente trabalhavam. E com alguma coisa que envolvesse lutas, isso era ainda mais improvável de acontecer.
“O quê você acha, Rose?” Christian perguntou, notando sua surpresa. “Acha que você poderia com ela?”
“Difícil dizer.” Rose respondeu baixo, ainda em choque. Ela realmente me surpreendia. Eu esperava que ela fosse se exaltar, contando sobre sua capacidade de luta, mas não, ela se manteve cautelosa e humilde. Eu tive vontade de rir daquela reação dela, mas me contive. No entanto, Tasha que não era tão reservada, riu alto.
“Você está sendo modesta. Eu já vi o quê vocês podem fazer. Isso é só um hobby meu.”
Eu dei uma leve risada. De alguma forma, Rose e Tasha estavam sendo cautelosas uma com a outra. Eu sabia que Tasha tinha se tornado uma boa lutadora. E também sabia que não era apenas um hobby, tinha sido uma necessidade. Sem guardiões, ela tinha que arranjar uma maneira de se defender.
“Agora é você que está sendo modesta. Você poderia ensinar para metade dos alunos daqui.”
“Dificilmente, eu ficaria bem embaraçada se apanhasse de um bando de adolescentes.”
“Eu não acho que isso aconteceria.” Eu falei, lembrando de um fato que aconteceu há muito tempo atrás, que Tasha usou seus conhecimentos de auto defesa, contra um Moroi pedante da realeza que lhe passou uma cantada barata. “Eu me lembro de você fazer um belo dano em Neil Szelsky.”
“Jogar minha bebida no rosto dele não foi um dano de verdade – a não ser que você esteja considerando o dano que eu fiz em seu terno. E todos nós sabemos como ele é com relação às suas roupas.” Tasha riu e eu não pude deixar de rir daquela lembrança. Para um sujeito vaidoso como ele, ter seu terno caríssimo manchado de vinho era um insulto.
“Você começou a lutar depois do que aconteceu com seu rosto?” A pergunta de Rose cortou imediatamente a nossa risada. Eu não podia acreditar que ela tinha falado aquilo assim tão diretamente.
“Rose!” Lissa exclamou, provavelmente dividindo o mesmo constrangimento que eu. Tasha parecia lidar tranquilamente com aquilo.
“Sim. O quanto você sabe?”
Rose olhou para Christian. “O básico.”