segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

PARTE 02


Naquela manhã Rose, depois de Stan, ainda teve duas aulas. Uma delas foi prática. Era uma matéria que abordava técnicas de defesa. Eu fui ao ginásio, novamente assistindo a performance dela, da sala de musculação, onde eu tinha a observado, mais cedo. Mais uma vez, Rose foi massacrada pelos seus colegas. Ela era muito, muito rápida e bastante forte, mas precisava de técnica e de condicionamento físico. Ela tinha pouca resistência, se cansando rápido. Mas era obstinada. Não se rendia facilmente e, quando lutava, era uma brava guerreira. Isso tudo já era um bom começo. Era como uma pedra bruta que precisava ser lapidada.
Quando chegou a hora do almoço, eu me dirigia para o prédio do guardiões quando avistei Rose andando desengonçadamente pelo campus, indo em direção a área comum dos alunos. Segui um impulso, e fui até ela, sem saber exatamente o que falar. Isso era algo raro de acontecer comigo, já que eu sempre fui ciente de todos os meus gestos e atitudes, tudo que eu fazia sempre era bem pensado e planejado, mas naquela hora, tive necessidade de falar com ela, qualquer coisa. Com passos largos, a alcancei rapidamente, e comecei a caminhar ao seu lado.
“Suponho que você tenha visto o que aconteceu na aula de Stan?” Ela perguntou, antes que eu pudesse pensar em alguma coisa para falar.
“Sim.”
“E você não acha que ele foi injusto?”
“Ele não estava certo? Você achar que estava inteiramente preparada para proteger Vanilisa?” Eu esperava que ela esbravejasse, mas ela simplesmente olhou para o chão. Cheguei a conclusão que eu realmente não a conhecia.
“Eu a mantive viva” ela falou com uma voz quase inaudível.
“Da mesma forma de como você foi lutando com os seus colegas hoje?” Eu sabia que era uma pergunta maldosa, mas precisava ser feita. Rose era muito autosuficiente e ela precisava entender que não se podia brincar quando vidas dependeriam dela. Ela não respondeu nada. Na verdade, eu não estava a provocando. Eu, de fato, só queria ajudar. Eu só queria que ela enxergasse isso.
“Se você não consegue lutar contra eles-“
“Sim, sim, eu sei” ela me cortou impacientemente. Ela andava mancando, mas se esforçava para acompanhar meus passos. Eu me retardei, para acompanhá-la.
“Você é forte e rápida por natureza. Você só precisa se manter treinada. Você não praticou nenhum esporte enquanto esteve fora?” Aquilo era uma coisa que eu realmente precisava saber. Se eu ia treiná-la, eu precisava saber se eu teria que começar do zero ou continuar de onde ela teria parado. Se ela tivesse praticado algum tipo de atividade física, eu poderia tentar retomar de onde ela estava. Eu tinha esperanças disso, apesar de ter certeza que ela passou longe de qualquer exercício.
“Claro” ela mentiu descaradamente, dando de ombros “aqui e ali.”
“Você não se juntou a nenhuma equipe?”
“Muito trabalho. Se eu quisesse treinar tanto, eu teria ficado aqui.”
Aquela foi uma resposta infantil e se tinha uma coisa que me irritava muito era imaturidade. Eu a olhei de uma maneira nada amigável. Naquela hora, ela se mostrou a criança que ainda era. Assumi minha postura dura e imparcial.
“Você nunca vai ser capaz de proteger a Princesa se não aperfeiçoar suas habilidades. Você sempre ficará para trás.”
“Eu serei capaz de protegê-la”ela falou ferozmente.
“Você não tem nenhuma garantia de que será designada para ela – seja no seu campo prático ou depois da formatura.” Falei baixo, de forma fria e calma “ninguém quer quebrar essa ligação de vocês – mas ninguém vai dar ela um guardião inadequado. Se você quiser ficar com ela, então terá que se esforçar para isso. Você tem suas aulas. Você tem a mim. Use-nos, ou não. Você é a escolha ideal para proteger Vasilisa, depois que vocês duas se formarem – isso se você conseguir provar que é digna disso. Espero que você consiga.” Eu, de fato, acreditava nela. Logo percebi que não consegui me manter com raiva dela por muito tempo. Eu tinha necessidade de ajudá-la, ainda que fosse somente com palavras. Ela me olhou e quando eu pensei que ela fosse contra argumentar as minhas palavras, ela simplesmente falou “Lissa. Chame-a de Lissa.”
Realmente Rose era difícil, como muitos disseram. Eu apenas a estudei por poucos momentos e sem falar mais nada, virei as costas e me afastei, com os sentimentos confusos. Eu não sabia se sentia raiva, irritação ou simplesmente decepção. Eu era o único naquela Academia inteira que tinha a defendido e de verdade, estava se preocupando com o futuro dela e tudo o que ela fazia era me tratar com grosseria e mau humor. Ela não demonstrava nem um pouco de gratidão. Eu tinha uma sólida carreira como guardião e podia estar colocando tudo a perder por causa de uma garota arrogante. Mas agora eu não tinha mais nada a fazer do que treiná-la e ela não teria escolha a não ser ter aulas comigo. Se ela estava mancando agora por causa de duas simples aulas práticas, ela não conseguiria se quer se mexer depois da minha primeira aula.
Voltei ao meu caminho anterior e segui para área comum dos guardiões, fui direto ao refeitório e almocei, sem conversar com ninguém. Aos poucos, senti meu humor melhorar. À tarde, fui para as turmas onde eu dava aulas. O tempo passou rapidamente e logo, o dia escolar tinha terminado. Mas não para mim. Era hora de treinar Rose. Segui para o ginásio e preparei alguns aparelhos para as séries que ela faria. O tempo foi passando e nada dela chegar. Eu checava as horas a todo o momento e não podia acreditar que ela estava tão atrasada ou pior, que não viria. Em seu primeiro dia, ela já estava desobedecendo uma das principais condições impostas por Kirova para sua permanência na Academia. Se a diretora desconfiasse disso, não pensaria duas vezes antes de expulsá-la definitivamente. Resolvi ir buscá-la e não tive nenhuma dificuldade em encontrar. Rose estava conversando com Lissa, próximo a uns arbustos do jardim.
“Liss, e você vai ficar...” Rose falava, quando me aproximei.
“Louca?” Lissa completou antes que ela pudesse falar qualquer coisa. Eu tive um impulso de interromper a conversa das duas, mas a curiosidade falou mais alto. Elas podiam estar falando sobre a fuga delas e isso era algo que me interessava muito, então, fiquei ouvindo por um momento.
“Eu não quis dizer...” Rose tinha uma voz levemente constrangida.
“Tudo bem. Está bem. Nós ficamos e eu vou me manter distante de tudo isso. Nós vamos seguir a correnteza, como você quer. Andar com Natalie, eu acho.”
“Tudo bem,” Rose falou após pensar um pouco “vamos ver como as coisas vão. Se alguma coisa der errado – qualquer coisinha – nós partimos, sem discussão.”
Elas estavam entrando em um acordo sobre algo e eu queria mesmo ter ouvido o começo da conversa. Elas iriam fugir se alguma coisa desse errado. De repente, olhei para mim. Isso era ridículo. Eu estava praticamente escondido, ouvindo a conversa de duas garotas. Comecei a andar novamente, dando a volta para o lado do arbusto onde elas estavam.
“Rose?” perguntei tranquilamente, mantendo minha neutralidade de sempre. Elas se viraram como uma, ao som da minha voz “você está atrasada para o treino.” Olhei para Lissa e lhe dei um pequeno aceno “Princesa”. Uma olhou para outra e sem despedidas ou qualquer palavra, se separaram. Comecei a andar para o ginásio e Rose me seguiu, silenciosamente.
Quando passávamos pelo pátio principal, que ligava os prédios do campus, Rose parou abruptamente. Eu demorei pouco tempo para perceber que ela não estava mais andando ao meu lado, me virei e vi que ela estava imóvel, como uma perfeita estátua. Que brincadeira era aquela? Será que ela nunca se cansava de agir como uma criança? Senti uma grande irritação tomar conta de mim. Andei até ela.
“O que houve?” perguntei, tentando manter minha paciência, mas ela não respondeu. Eu me abaixei um pouco e a olhei com mais atenção. Ela estava parada, seu olhar estava perdido e a respiração quase suspensa. Passei a mão no ar, em frente aos seus olhos e ela nem se quer piscou. Eu olhei em volta, desejando que ninguém presenciasse aquilo. O pátio estava ficando cada vez mais vazio e os poucos alunos que ainda passavam por ali, estavam tão preocupados com seus próprios afazeres que não nos olhavam. Os horários da Academia eram muito severos e as regras eram rígidas. Depois das aulas, os estudantes se apressavam para os seus quartos para se prepararem para o jantar.
“Rose? O que está acontecendo?” perguntei mantendo minha voz neutra. Ela não respondeu e não se mexeu. Eu a encarei e fiquei olhando fundo nos seus olhos por um bom tempo. Ela não teve reação alguma. Aquilo não estava parecendo uma brincadeira. Rose não estava ali. Seus olhos eram vazios. Senti uma estranha preocupação tomar conta de mim, eu não sabia explicar aquele sentimento e nem porque eu estava sentindo, mas eu sabia que era mais que uma preocupação. Era medo. Isso. Muito medo. Eu a segurei pelos ombros e sacudi um pouco.
“Rose? Rose?”
Desta vez funcionou. Ela começou a piscar rapidamente e a respirar de forma pesada. Ela me olhou como se estivesse acordando de um transe.
“Você está bem?” perguntei, ainda analisando cada gesto dela, tentando descobrir o que tinha ocorrido. Eu nunca tinha visto algo assim.
“Eu... Sim. Eu estava... estava com Lissa...” ela respondeu, colocando a mão na testa, onde saíam pequenas gotas de suor “eu estava em sua cabeça.”
“Sua... cabeça?”
“Sim, faz parte da nossa ligação mental.” Ela respondeu com ar de pouca conversa. Percebi que ela não estava querendo aprofundar o assunto.
“Ela está bem?” falei sem saber ao certo o que perguntar. Eu tentei agir com naturalidade, mas minha cabeça estava girando tentando enxergar tudo logicamente. Definitivamente eu precisaria estudar sobre ligações mentais.
“Sim, está...” Ela hesitou por um momento e eu não conseguia para de olhar para ela, enquanto tentava descobrir, pela sua expressão, se tudo estava realmente bem “Ela está bem.” Ela falou por fim.
“Você pode continuar?”
Os olhos de Rose passaram pelo meu rosto, como se analisasse cada traço das minhas feições. Eu poderia dizer que vi um traço distante de admiração em sua expressão, mas que se desmanchou rapidamente. Logo, ela desviou o olhar, visivelmente constrangida. Eu ainda estava preocupado com aquela cena que eu havia acabado de presenciar, e a cada vez eu a entendia menos. Rose tinha atitudes imprevisíveis a todo tempo. Atitudes que eu não conseguia ler com clareza. Ela olhou para o lado, começando a caminhar novamente.
“Sim, eu estou bem.” Ela respondeu baixo.
Chegamos ao ginásio e eu lhe mostrei o armário que eu tinha separado, mais cedo, para ela. Um Moroi, que trabalhava no ginásio da Academia, tinha providenciado umas roupas de ginástica para Rose, como eu havia solicitado. Ela tinha passado o dia inteiro nas aulas práticas usando calça jeans e camiseta. Estes não eram trajes próprios para treino. Ela foi ao vestiário trocar de roupas enquanto eu fui para sala de musculação. Em pouco tempo ela chegou, seus cabelos estavam presos em um rabo de cavalo, no alto de sua cabeça e ela estava vestindo um top e calças justas, que mostravam bem seu corpo. E que corpo. Tive que usar muito do meu autocontrole para me mostrar indiferente para ela, apesar de ser bem difícil ignorá-la. Realmente, eu não sabia o que estava acontecendo comigo. Ela era apenas uma garota, minha aluna agora, e não era a primeira vez que eu me pegava admirando sua beleza. Isso não era certo, eu sabia disso e repetia para mim mesmo, mas não estava conseguindo evitar.
“Sabe o que eu estava pensando?” Rose falou, trazendo minha mente de volta à sala de ginástica “quem sabe você poderia me dispensar do treino, só por hoje?”
Eu fingi um sorriso. Apesar do seu tom divertido, eu sabia que ela não estava brincando e sim sugerindo que eu fizesse isso mesmo. Ela realmente não me conhecia. Eu podia fazê-la treinar a madrugada inteira, se quisesse. Sua expressão irritada me mostrou que eu estava certo.
“O quê é engraçado?” ela perguntou séria, cruzando os braços.
“Oh,” falei, imediatamente fechando o rosto “você falou sério?”
“É claro que eu falei! Veja bem, eu estou tecnicamente acordada há dois dias. Porque nós temos que começar a treinar agora? Deixe-me ir para a cama. É só por uma horinha.”
Eu cruzei os meus braços e a olhei seriamente, forçando-me a entrar no modo negócios. Eu não podia me deixar levar por ela. O treinamento era algo importante e que ela estava precisando muito. Além do mais, eu não era uma pessoa de relaxar. O certo, agora, era treinar e era isso que ela faria. Um guardião não tem que escolher seus horários. Isso já fazia parte do treinamento.
“Como você se sente agora? Após as aulas que você teve mais cedo?” perguntei duramente.
“Eu me sinto quebrada.”
“Você vai se sentir pior amanhã.”
“E daí?”
“E daí que é melhor você entrar de cabeça no treinamento agora, enquanto você não se sente... tão mal.”
“Que lógica estranha é essa?”
Eu não respondi, apenas a acompanhei para o lado da sala onde estavam os aparelhos de musculação. Eu mostrei as séries que eu queria que ela fizesse e cada aparelho que ela deveria usar. Eu não considerava aqueles exercícios duros, mas como ela estava sem treinamento há dois anos, seu corpo reclamaria muito, eu sabia disso, mas tudo tinha que ter um começo. Ela se sentou em uma das estações de ginástica e começou a levantar peso. Eu fui para uma das cadeiras que estavam ali e peguei o livro que eu estava lendo. Eu sentia que precisava manter minha mente longe dali por alguns momentos. Eventualmente, eu corrigia a sua postura e ajustava os seus movimentos. Mas me esforçava para não olhar muito para ela, enquanto fazia isso.
Quando ela terminou todas as séries, fui para o lado dela e demonstrei alguns alongamentos. Ela copiou os meus movimentos e me olhava com ar travesso. Algo viria dela, em breve.
“Como você acabou se tornando guardião de Lissa? Você não estava aqui, alguns anos atrás. Ao menos, você foi treinado nesta escola?”
Aquela pergunta dela me pegou desprevenido. O máximo que eu conversava com as pessoas eram assuntos de trabalho ou corriqueiros. Com alunos, então, somente falava assuntos da própria aula. Era bem verdade que eu não dava às pessoas abertura para que elas me questionassem sobre a minha vida. Eu organizei as minhas idéias, escolhendo as palavras para responder à sua pergunta. Então, optei pelo óbvio.
“Não. Freqüentei uma escola na Sibéria.”
“Nossa! Esse deve ser o único lugar pior que Montana.”
Era engraçado ela falar aquilo, até porque eu não achava nenhum dos dois lugares ruim. Eu dei um pequeno e fechado sorriso. Estranhamente, ela estava fazendo com que eu me sentisse bem e relaxado.
“Depois que me graduei, trabalhei como guardião de um lord da família Zeklos. Ele foi morto recentemente.” Falei estas últimas palavras, perdendo todo divertimento que sentia antes. Eu sentia falta de Ivan e ainda não conseguia me perdoar pelo que tinha acontecido com ele. Tentando disfarçar meus sentimentos tristes, me foquei na primeira pergunta dela sobre ser guardião de Lissa.
“Fui mandado para cá porque eles necessitavam de guardiões extras no campus." Não era exatamente uma mentira, já que a Academia precisava mesmo de guardiões. Eu estava, apenas, invertendo a ordem dos acontecimentos.
"Quando a Princesa foi encontrada, eles me designaram para ela, já que eu estava por perto. Não que ela precise disso, até que ela deixe o campus.” Contei uma história que seria convincente para ela, omitindo os detalhes dos interesses políticos da rainha e da preocupação que todos tinham por Lissa ser a última Dragomir. Eu não podia dizer a Rose assuntos que eram privativos da alta administração Moroi. Ela era apenas uma adolescente colegial, provavelmente não entenderia a necessidade de preservar uma pessoa de uma família real tão rara.
“Esse lord morreu durante o seu turno?” Ela perguntou se focando na minha história. Aquilo me deixou um pouco sem jeito. Eu realmente pensava que ela iria querer saber mais sobre a minha designação para Lissa e não sobre a minha vida pessoal.
“Não. Ele estava com seu outro guardião. Eu estava longe.” Falei simplesmente, sentindo aquela nostalgia tomar conta de mim novamente. Era um assunto que me entristecia muito. Os olhos dela me analisaram por alguns momentos. Seu rosto era cheio de compreensão. Se Rose não fosse uma garota de apenas dezessete anos, com pouquíssima experiência de vida, e que eu conhecesse há tão pouco tempo, poderia dizer que ela estava compreendendo cada palavra que eu falava, e também que eu omitia, sobre a perda de Ivan. Mas era loucura minha pensar isso. Não era possível que esse entendimento viesse dela. Então, achei melhor pensar que ela estava apenas sendo solidária e educada.
“Ei,” ela falou de forma descontraída “foi você que ajudou a fazer aquele plano que nos trouxe de volta? Aquilo foi muito bom. A força bruta e tudo mais.”
Ela forçou uma mudança repentina de assunto, claramente percebendo o meu incômodo em falar de Ivan. Mas o novo assunto que ela tinha puxado me surpreendeu. Era um elogio. Nossa, ninguém da Academia tinha me elogiado por ter conseguido resgatar a Princesa. Agora, justamente Rose estava fazendo isso. Ela, de todas as pessoas. Eu levantei uma das minhas sobrancelhas, abaixando a outra, com eu sempre fazia quando algo me interessava ou intrigava.
“Você está me elogiando por isso?”
“Bem, foi bem melhor que a tentativa anterior deles.”
“Tentativa anterior?” Do que ela estava falando? Não tinha havido tentativa anterior.
“Sim. Em Chicago. Com um monte de psi-hounds.”
“Esta foi a primeira vez que encontramos vocês. Em Portland.”
Ela parou de se alongar e sentou, cruzando as pernas “Hum, eu não acho que imaginei psi-hounds. Quem mais poderia tê-los enviado? Eles só respondem aos Morois. Talvez ninguém tenha lhe contado.”
Impossível. Os relatórios sobre elas eram extremamente complexos. Em momento algum mencionava psi-hounds. Muito menos que elas haviam sido localizadas de uma outra vez. Ao mesmo tempo, Rose não parecia estar inventando uma história.
“Talvez.” Falei finalizando aquela conversa. Não queria demonstrar para ela a minha curiosidade por aquilo que ela tinha falado, mas eu iria tentar investigar se era realmente verdade. Eu a dispensei da aula, e ela foi para o seu dormitório. Eu permaneci ali, na sala de ginástica. Peguei um peso de mão em cada lado e comecei a flexionar os braços, repassando mentalmente a recente conversa que eu tinha tido com Rose.


Naquela noite dormi pesadamente. Eu estava acordado há mais de dois dias e me sentia exausto. Na manhã seguinte, levantei cedo e fui ao ginásio para treinar Rose. Exatamente como eu tinha previsto, ela chegou se queixando de muitas dores musculares. Claro que isso aconteceria, ela não se exercitava há muito tempo, era natural que seu corpo reclamasse. Novamente ela queria ser liberada dos treinos, mas eu não cedi, antes, mandei que ela repetisse toda a série que eu tinha ensinado na aula anterior e complementei mandando que ela corresse pelo campus. Ela reclamou, como esperado, mas não teve outra escolha, a não ser obedecer.
Em um horário livre que eu tive, passei direto para a sala dos instrutores da Academia com o relatório sobre Lissa e Rose do serviço de inteligência dos guardiões em baixo do braço. Passei o resto da manhã relendo atentamente aquelas folhas, não que eu já não tivesse feito isso, mas achei melhor ler novamente, algo podia ter passado despercebido. Como eu já sabia, nada era mencionado sobre Chicago ou psi-hounds. Se Rose o que Rose estava falando era verdade, quem havia enviado psi-hounds até ela? Se não tinha sido a segurança da Academia e nem a segurança da Corte, quem mais teria interesse em capturá-las?
Estas eram perguntas que, por hora, ficariam sem respostas.
O restante da semana passou, dentro do normal. A vida de Rose e Lissa rapidamente absorveu a rotina da Academia e, aos poucos, o retorno delas deixou de ser uma novidade para os alunos. Quando chegou o domingo, fui até a igreja como eu sempre fazia, quando podia. Eu não seguia práticas religiosas, mas tinha o costume de freqüentar a igreja e meditar um pouco sobre a minha vida. Sempre sentia necessidade de parar um pouco, desconectar do mundo e tentar me encontrar. Quando entrei no salão do templo, meus olhos imediatamente varreram cada pedaço do local. Avistei, para minha surpresa, Rose sentada ao lado de Lissa, no canto direito de um dos bancos laterais. Nunca imaginei que Rose fosse religiosa. Definitivamente, não era algo que combinava com ela. Senti os seus olhos em mim, então me mantive imparcial a ela e sentei em um dos bancos do fundo. Tudo que eu queria era não chamar a atenção para mim. Assisti toda a missa serenamente, aproveitando para refletir sobre as palavras do padre. O sermão, como sempre, girou em torno de St. Vladmir, o que era natural, já que a escola levava o seu nome. Mas o padre sempre conseguia extrair uma nova mensagem das histórias tão repetitivas.
“... e assim foi com a Anna Shadow-Kissed.” Ele concluiu. Estas últimas palavras dele fez com que Rose levantasse a cabeça e olhasse para frente.
Quando a missa terminou, Rose falou algo com Lissa, saiu por entre as pessoas e foi de encontro ao padre. Observei a tudo disfarçadamente. Era outra surpresa. Como se não bastasse que ela estivesse na missa, ainda ia conversar com o padre no final. Era, no mínimo curioso. De onde eu estava, não dava para ouvir o que eles falavam, mas a conversa demorou pouco. Logo, o padre saiu e voltou com um livro, que entregou a Rose.
Em um ímpeto, caí em mim. Eu estava em pé, no meio da capela, olhando para Rose. Não conseguia entender porque ela estava chamando tanto minha atenção. Cada gesto, cada atitude dela me interessava de uma maneira diferente. Sacudi minha cabeça e sai rapidamente dali, sem olhar ou falar com ninguém.
Andei rápido em direção ao meu quarto. Quando entrei no dormitório, dois guardiões estavam conversando próximo à recepção. Quando entrei, eles se voltaram para mim.
“Ah, Belikov! Venha, venha, se atualizar com as novidades do dia!” Mark falou sorrindo.
“Novidades?” perguntei sem demonstrar interesse. E realmente eu não tinha interesse em fofocas.
“Uma grande. Está todo mundo comentando, esta manhã. Você conhece o Guardião Gavril?” eu respondi que sim com a cabeça e ele continuou “ele se demitiu. Sabe para quê? Pasme. Para se casar. Com outra guardiã.”
Isso era mais do que uma fofoca. Um verdadeiro escândalo, na verdade. Morois e dhmpirs tinham um acordo, há séculos, que se resumia em os dhampirs darem proteção aos Morois, enquanto estes garantiam que os dhampirs continuem existindo, por assim dizer. Com o passar dos anos, esse acordo começou a perder um pouco de sentido para os dhampirs. Uma gritante desigualdade começou a crescer entre as duas raças e então, cada vez menos, os dhampirs têm seguido a carreira de guardião. Até aí tudo bem. Mas uma vez que eles se graduam como guardiões, eles fazem a promessa e recebem a marca em sua nuca, e têm, por obrigação, manter seus Morois protegidos. E isso era feito ao custo de praticamente abdicar de sua vida pessoal. Era raro um guardião partir para ter sua própria família. Era um verdadeiro absurdo, até.
“Eles já adquiriram uma casa e pretendem arranjar um emprego entre os humanos.”
Eu permaneci com eles ali, por mais alguns momentos, ainda ouvido as opiniões daquela história. Para mim, que tinha vindo de uma comunidade dhampir, não era muito estranho isso, mas não era algo que eu aprovasse.
Fui para o meu quarto. Andei até a janela e observei o pátio. Os estudantes se socializavam, rindo e conversando. Mas a imagem de Rose conversando como padre estava mesmo me intrigando. Resolvi voltar a capela e falar com o padre. Quando cheguei lá, tudo já estava tranqüilo, todos já haviam se retirado, mas o padre Andrew ainda arrumava algumas coisas, próximo ao altar.
“Com licença, padre.” Falei entrando. Ele se virou com o rosto paciente, então continuei, enquanto me aproximava dele “sem querer lhe incomodar, tem uma pergunta que preciso lhe fazer. Como já deve saber, sou mentor de Rose agora. Por isso, devo estar atendo para o que ela anda fazendo. Então...” Hesitei por um tempo, buscando as palavras certas “vi que ela lhe procurou, depois da missa. O que ela lhe falou era algo relevante?”
O padre sorriu “vocês têm medo que ela tente fugir novamente? Entendo. Mas ela não queira nada demais. Somente queria saber um pouco mais sobre a Anna, guardiã de St. Vladmir. Você acha que isso é relevante?”
Eu neguei com a cabeça “creio que não. De qualquer forma, obrigado, padre.” Sai rapidamente da igreja. Eu já tinha estudado sobre a vida de St. Vladmir, sua guardiã que tinha uma ligação metal com ele. Provavelmente, da mesma forma que Rose e Lissa. Segui direto para o prédio dos guardiões. Lá, tínhamos uma pequena biblioteca para algumas consultas rápidas, com livros bem específicos. Passei pelas estantes e encontrei um que falava justamente sobre ligações psíquicas. Apesar de conhecer histórias sobre isso, eu não sabia bem como funcionava. Sentei em uma das mesas e comecei a folhear o livro. A biblioteca estava completamente vazia. Os guardiões que não estavam em serviço, saíam da Academia para aproveitar seu dia de folga. Biblioteca era o último lugar que alguém pensaria para se divertir.
Passei o resto do dia, compenetrado na leitura. Se eu ia conviver com Lissa e Rose, era melhor entender bem como funcionava esse laço que as unia.
As semanas seguintes correram dentro do padrão de normalidade escolar. Os meus dias se resumiam em treinar Rose, dar aulas nas turmas que Kirova tinha me dado e os turnos de guarda da Academia. Raramente eu tirava um dia de folga.
Eu seguia minhas aulas com Rose, tentando manter minha mente focada na tarefa de deixá-la pronta para guardar Lissa. Praticamente sem perceber, eu tinha erguido uma parede entre mim e ela, de forma que as nossas conversas somente se resumiam a própria aula. Eu realmente queria evitar que ela voltasse a fazer perguntas sobre a minha vida pessoal. Não que eu não tenha gostado de falar com ela sobre Ivan, muito pelo contrário. Eu tinha me sentido à vontade demais, até. Era justamente isso que me assustava e que eu evitava. Eu não podia me sentir assim, não com uma aluna.
Quanto a Rose e Lissa, estas me surpreenderam. Elas entraram completamente na rotina, participando de poucas atividades sociais e se aprofundando nos estudos. Isso era bem diferente do que eu tinha ouvido falar sobre elas. Antes da fuga, Lissa era a garota mais popular da escola, com muitos amigos e pretendentes apaixonados. Todos faziam questão de estar perto dela e de terem a sua presença em eventos. Rose também era igualmente popular, mas sua popularidade não era graças ao carisma, como Lissa. A beleza que enlouquecia os garotos e a sua irreverência faziam dela um belo atrativo para as ocasiões festivas.
Agora não, olhando o comportamento delas, eu podia jurar que os relatórios eram exagerados. Lissa se contentava em manter amizade com sua prima Natalie e seu círculo comum de amizade. Enquanto Rose, apesar de ainda flertar com garotos e fazer piadinhas nas aulas, seguia compenetrada nos treinos e bastante dedicada. A cada dia, seu corpo ganhava mais resistência e condicionamento. Ela estava se recuperando bem rápido de todo tempo perdido na fuga, o que muito era devido a sua grande força de vontade. Ela queria ser guardiã de Lissa mais do que qualquer outra coisa, e isso era um fator motivador para que ela treinasse cada vez com mais afinco.
Raramente, ela se atrasava e sempre seguia a todos os exercícios sem reclamar muito, se considerássemos a sua rebeldia. Pouco a pouco, ela parecia me tratar com mais respeito, mas sem diminuir suas piadas engraçadinhas. Eu mantive a mesma linha de treinamento, concentrando tudo em exercícios que desenvolvessem sua força e rapidez. Ela precisava trabalhar nisso, para compensar seu pouco peso e tamanho. Eu sabia que ela estava ansiosa para começar a lutar, mas ainda não era tempo. O inverno estava chegando e o frio, típico de Montana, se intensificava. Rose precisava ter resistências a baixas temperaturas, por isso eu a mandava correr pelo campus, principalmente, nas primeiras horas do dia. Ela sempre resmungava, mas eu não me deixava ceder.
Exatas três semanas depois do retorno de Rose à Academia, quando eu cheguei ao ginásio, percebi que algum professor, de uma aula anterior, tinha deixado um cd-player portátil ali. Mecanicamente, me abaixei para recolher e guardar, mas parei com a idéia de ouvir um pouco de música. Liguei em uma rádio especializada em tocar hits dos anos 80. Eu adorava este tipo de música, era bem melhor que estas atuais, em minha opinião. Eu me deitei em um dos colchonetes, lendo um dos meus livros, enquanto aguardava o horário do treino. Eu sempre levava um livro comigo, para que minha mente não me traísse. Era algo estranho que acontecia comigo. Eu não conseguia parar de observar Rose, se eu a olhasse. Então, era melhor ler e me distrair com as histórias do velho oeste, que eu tanto amava.
Eu fiquei tão compenetrado entre a minha leitura e na música que tocava, que nem percebi Rose entrar. Isso era péssimo para um guardião.
“Whoa, Dimitri,” ela falou soltando sua mochila no chão, perto de mim, me tirando do meu mundo particular, eu não demonstrei surpresa, ao contrario, permaneci ali, na mesma posição. Ela continuou “eu entendo que, atualmente, este é o hit do momento no Leste Europeu, mas você não acha que podíamos ouvir alguma coisa que não tenha sido gravada antes que eu nasci?”
Eu a olhei rapidamente, me mantendo na mesma posição. Eu tinha feito um pacto comigo mesmo de não entrar nas brincadeiras de Rose, mas também não conseguia ser grosseiro com ela. Ao contrário, no fundo eu até gostava de sua descontração. Apesar de ser bastante sarcástica, ela tinha uma forma inteligente de humor. Eu gostava disso.
“No que isso é importante para você? Sou eu que vou ficar aqui ouvindo isso. Você vai estar lá fora, correndo.” Falei calmamente. Ela fez uma careta para mim e começou a se alongar em uma as barras.
“Ei, qual é a da corrida, afinal de contas? Quero dizer, eu entendo a importância de ter força, e tudo mais, mas eu não deveria estar tendo algo mais para o lado da luta? Eles ainda estão me matando nas práticas de grupo.”
Eu me recusei a olhar para ela, como eu tinha proposto em fazer e continuei olhando para as letras do livro, já sem me concentrar no que estava escrito ali.
“Talvez você devesse bater mais forte.” Falei secamente, tentando cortar a conversa. Mas eu já deveria saber que, em se tratando de Rose, isso era inútil.
“Eu falo sério!” Ela respondeu indignada.
“É difícil dizer a diferença.” Eu abaixei o livro, mas permaneci deitado, olhando para ela. Já que eu não poderia evitar de conversar com ela, então achei que era uma boa deixa de dar uma aula sobre a importância de se manter treinado. “Meu trabalho é preparar você para defender a Princesa e lutar contra as criaturas das trevas, certo?”
“Certo.”
“Então me diga uma coisa: supondo que você consiga fugir novamente com ela e ir para um shopping. Quando vocês estiverem lá, um Strigoi ataca vocês. O quê você vai fazer?”
“Depende da loja em que estivermos.” Ela não podia deixar de fazer uma piada. Eu a encarei seriamente. Não era hora de brincadeiras. Ela entendeu perfeitamente meu olhar.
“Certo. Eu o apunhalaria com uma estaca de prata.”
Resposta errada, Rose. Eu me sentei rapidamente, cruzando minhas pernas. Olhei para ela, arqueando as minhas sobrancelhas. Ela me olhava de forma compenetrada.
“Oh, e você tem uma? Ao menos, sabe como usar uma?”
Eu sabia que aquela pergunta faria com que ela se sentisse uma boba. Mas era melhor que ela se sentisse assim na minha frente do que diante de um idiota como Stan. Ela deveria saber a importância do que ela fala, principalmente quando se trata de proteger vidas. Uma estaca de prata era a arma mais mortal que um guardião poderia ter contra um Strigoi. Com lâminas afiadas e encantada com a magia Moroi, podia matar um Strigoi imediatamente, se fosse cravada em seu coração. Aprendizes não tinham estacas de prata e os alunos veteranos ainda estavam começando a aprender como manusear uma. Rose fez uma cara feia enquanto tirava os olhos de mim.
“Ok. Eu iria cortar a cabeça dele fora.”
Outra resposta óbvia, mas patética, considerando o contexto. Essa era considerada a forma mais difícil de se matar um Strigoi. Guardiões com larga experiência, não se arriscavam a isso.
“Ignorando o fato de que você não tem uma arma para fazer isso, como você compensaria o fato dele provavelmente ter uns trinta centímetros a mais que você?”
Ela endireitou seu corpo, parando o alongamento, soando profundamente irritada. “Certo. Então eu iria colocar fogo nele.”
“De novo, com o quê?”
“Certo, eu desisto. Você já tem a resposta e só esta brincando comigo. Eu estou em um shopping e vejo um Strigoi. O quê eu faço?”
Eu olhei para ela, sem piscar “você corre.”
Ela respirou fundo e eu tive a impressão que ela iria jogar alguma coisa em mim, de tão brava que ficou. Mas ela não fez isso, apenas continuou se alongando, sem mais olhar para mim. Eu reprimi uma vontade de sorrir e continuei a observando se alongar. Quando ela terminou começou a caminhar na direção da saída do ginásio, para sua corrida.
“Espere. Eu vou com você.” Falei, obedecendo a um impulso, e ela me olhou com uma grande surpresa. Eu nunca tinha corrido com ela.
Nós saímos correndo pelo campus, em uma noite fria de outubro. Estava anoitecendo, mas para o horário vampírico, era apenas o começo do dia. O ar frio fazia a nossa respiração mais pesada, fazendo o pulmão trabalhar ainda mais e isso requeria mais resistência do organismo. Eu comecei a correr no meu ritmo natural, mas logo percebi que Rose não conseguia me acompanhar. Ela não era tão rápida e o fator altura contava um pouco. Meus passos eram mais largos que os dela. Então, diminui um pouco, para que pudéssemos correr lado a lado. Percebi que ela não tinha gostado dessa minha atitude, pois ela forçou seu corpo a aumentar o ritmo e conseqüentemente, a nossa corrida.
Quando estávamos na penúltima volta, passamos por um grupo de rapazes dhampirs, aprendizes que seguiam para a aula que Rose também estaria, assim que terminássemos. Ela atraiu as atenções de todos eles, que se voltaram para olhá-la. Aquilo me deu um profundo incômodo.
“Bom desempenho, Rose!” Mason, um dos aprendizes, amigo dela torceu. Ela sorriu e acenou para ele, em retribuição. Senti meu incômodo crescer ainda mais, se tornando uma irritação.
“Você está ficando mais lenta.” Falei rispidamente, com uma dureza que nem eu percebi que sentia, até que as palavras saíram “É por isso que seus tempos de corrida não melhoram? Você se distrai facilmente?”
Ela não falou nada, apenas respondeu aumentando seu ritmo e me deixando para trás. Quando terminamos, eu chequei o tempo da sua corrida. Tinha melhorado consideravelmente.
“Nada mau, hum?” ela falou, enquanto entrávamos no ginásio. “Parece que eu poderia correr até a divisa do país, antes que os Strigois me pegassem no shopping. Só não tenho certeza como Lissa faria.”
Eu a olhei e não pude deixar de achar aquilo divertido. Eu me preocupei tanto em dar uma aula a Rose que esqueci completamente que, no exemplo dado por mim mesmo, Rose estaria em um shopping com Lissa. Era um furo na minha lógica, já que Rose não poderia simplesmente sair correndo e deixar Lissa para trás. Rose era realmente inteligente.
“Se ela estivesse com você, ela estaria bem.”
Ela me olhou surpresa, não esperando um elogio vindo de mim. Eu continue olhando para ela, achando engraçado como uma pequena frase a deixou feliz. Mas por pouco tempo. De repente, algo estranho aconteceu.
Rose se contorceu como se estivesse sentindo uma intensa dor e logo depois, ficou paralisada. Eu me abaixei até ela, chamando seu nome, mas ela parecia não me ouvir. Agora eu já sabia o que era. Era a ligação que ela tinha com Lissa. Algo estava acontecendo. E a mim, só me restava esperar o que viria. Lembrei dos relatos que eu tinha lido nos livros e de como as pessoas falavam que não adiantava tentar tirar pessoa do transe. Isso duraria o tempo que a própria ligação determinasse.
Inesperadamente, Rose voltou a si e sem falar qualquer palavra, saiu correndo dali. Como não podia deixar de ser, eu a segui, mas ela estava incrivelmente rápida. Ela subiu o campus em direção ao dormitório Moroi, pouco se importando de sua proibição em entrar ali.
“Rose! Rose! O quê está acontecendo? O quê há de errado?” eu gritava atrás dela, enquanto tentava a alcançar, mas ela não respondia. Antes que pudéssemos chegar ao prédio, Lissa nos encontrou no caminho, aos prantos. Rose parou abruptamente, segurando-a pelos braços, igualmente em pânico. Eu podia ver claramente que o desespero de Lissa tinha sido transmitido para Rose.
“O quê está errado? O quê aconteceu?” ela perguntou, enquanto chacoalhava os seus braços. Lissa não respondeu, apenas, abraçou a amiga, chorando muito. Eu rapidamente olhei os arredores, tentando buscar uma explicação para o que estava trazendo tanto sofrimento a ela. Eu não sabia dizer se era algo físico ou mental, então me coloquei em alerta, para o que viesse. Rose permaneceu abraçada a ela, enquanto repetia, incansavelmente, que tudo ficaria bem, que tudo já estava acabado. Algum tempo depois, Lissa conseguiu se recompor e dizer que tinha encontrado algo terrível em seu quarto. Assumindo que não teria perigo iminente ali, fui acionar outros guardiões do campus e a Diretora da escola, para que pudéssemos averiguar o que tinha acontecido.
Entramos no quarto que Lissa dividia com sua prima Natalie – filha de Victor Dashkov. Lá, havia uma raposa morta em cima do travesseiro de Lissa, com a garganta cortada. Tinha sido isso que tinha trazido tanto terror a ela. Quem tinha interesse em assustá-la de uma forma tão macabra? E por quê?
Passei cuidadosamente a vista pelo quarto. O contraste entre o lado de Natalie e o de Lissa era gritante. Mais uma vez, as teorias levantadas para explicar a fuga dela e de Rose era derrubada. Se elas tinham fugido para usar a sua herança, porque elas viviam de forma simples e com tão poucas posses? O lado de Natalie e coberto de fotografias, quadros, com uma cama luxuosa. O lado de Lissa era bem humilde. A única coisa que chamava a atenção era uma foto dela com Rose, ambas fantasiadas de fadas. Ambas sorriam singelamente e felizes. Olhei aquela fotografia, me perguntando por quanto tempo elas teriam conseguido viver ilesas pelo mundo, se nós não as tivéssemos trazido de volta.
A cama estava completamente coberta com o sangue da raposa. De repente, Lissa fez um gesto em direção ao animal morto, mas foi impedida por vários braços, que a seguraram.
Lissa se aproximou de Rose e elas começaram a conversar muito baixo. Meus ouvidos dhampir se afiaram para tentar escutar o que elas falavam. O quarto era pequeno, não seria muito difícil conseguir isso.
“Ela ainda estava viva, quando a encontrei. Por muito pouco. Ela estava se contorcendo. Oh, Deus, ela deve ter sofrido tanto.” Lissa cochichou.
“Você-” Rose começou a falar algo, mas Lissa a interrompeu.
“Não... Eu queria... Eu comecei...”
“Esqueça sobe isso. É estúpido. É só uma brincadeira estúpida de alguém. Eles vão limpar tudo e até mesmo lhe dar um quarto novo, se você quiser.”
“Rose... Você se lembra... Aquela vez...”
“Pare com isto. Esqueça. Não é a mesma coisa.”
“E se alguém viu? E se alguém sabe?”
Rose apertou seu braço, quase cravando as unhas na sua pele. “Não. Não é a mesma coisa. Não tem nada a ver com aquilo, você me entendeu? Vai ficar bem. Tudo vai ficar bem.”
Eu as olhava fixamente. Existia algum fato antigo que elas estavam associando a este. Talvez fosse sobre isso. Elas podiam estar se referindo ao que motivou a fuga delas. Quando retornou, Rose mencionou que Lissa estava em perigo. Eu tinha quase certeza que elas estavam falando sobre isso.
“Limpe isso.” Kirova ordenou para uma Moroi que trabalhava como inspetora do dormitório “E descubra se alguém viu algo.” Então ela olhou em volta do quarto, seus olhos parando em Rose.
“O quê você está fazendo aqui? Quebrando as regras?”
“Ela veio comigo.” Falei, antes que Rose tentasse se pronunciar “Ela sentiu o que estava acontecendo, pelo laço, e me trouxe até aqui.”
“Não existe mais nada para ser feito aqui, a não ser uma boa limpeza. Leve-a daqui.” Ela ordenou a mim. Rose começou a protestar, mas eu lhe dei um olhar que ela já conhecia bem. Não tinha nada para discutir naquela hora. Eu a acompanhei até o dormitório dos aprendizes.
“Você sabe de alguma coisa. Alguma coisa sobre o que aconteceu. Foi isso que você quis dizer, quando falou a Diretora Kirova que Lissa estava em perigo?” Perguntei casualmente, ainda juntando as peças em minha mente.
“Eu não sei de nada. É só uma brincadeira doentia.”
“Você tem idéia de quem faria isso? Ou por quê?”
Ela ficou em silêncio por um tempo. Ela não sabia, mas para mim aquele silêncio era como se ela tivesse respondido ‘sim’ a pergunta que eu tinha acabado de fazer.
“Não. Nenhuma idéia.”
“Rose. Se você sabe de algo, me conte. Nós estamos do mesmo lado. Nós dois queremos protegê-la e isso é sério.” Insisti, não me dando por satisfeito. Aquilo pareceu acender a raiva dela. Ela se voltou para mim, com os olhos brilhando de fúria.
“Sim, isso é sério!” Ela gritou para mim “É tudo sério! Você me faz dar voltas pelo campus todos os dias, enquanto eu deveria estar aprendendo a lutar e a defendê-la! Se você quer ajudá-la, então me ensine alguma coisa! Me ensine a lutar! Eu já sei como fugir.”
De jeito nenhum eu entraria em uma discussão naquela hora com ela. Os meus métodos de ensino eram estes e continuariam sendo assim. Era apenas o começo do treinamento e ela tinha muito o que recuperar. No futuro, ela veria que eu estava certo.
Por hora, tomei aquela explosão dela como um desabafo. Ela realmente precisava colocar seus sentimentos para fora. Tinha sido uma cena terrível que ela tinha acabado de presenciar, aliada a grande cobrança por resultados que ela vinha sofrendo.
Eu ouvi a tudo serenamente, sem me pronunciar. Quando ela terminou de falar, eu a olhei por alguns momentos e depois continuei a andar, como se nada tivesse acontecido.
“Vamos lá” falei normalmente “você está atrasada para a aula.”
Rose se apressou em ir pegar suas coisas e ir para a aula, naquele dia. A notícia daquela brincadeira macabra correu toda escola e todos comentavam, já criando histórias a respeito disso. Logo agora, que Lissa e Rose já estavam quase caindo no esquecimento dos alunos, voltaram a ser notícia. Eu fui para a sala de ginástica, observar a aula de prática de Rose, eu sentia necessidade de acompanhá-la de perto, depois do ocorrido.
Fiquei em frente ao vidro, sem me preocupar em ser notado, mas nenhum dos alunos olhou para mim, durante o treino. Rose estava uma verdadeira máquina de guerra. Finalmente, após quase um mês, ela ganhou a sua primeira luta corpo-a-corpo. Tinha batido com muita força, mas com pouquíssima técnica.
Sai da sala de ginástica e fui para o meu turno de guarda. Eu estaria em plantão o dia inteiro, tomando conta dos arredores da Academia. Isso era sempre uma tarefa cansativa e monótona, já que consistia basicamente em caminhar pelo campus, checando as wards e as entradas. Quando o dia terminou, passei pela sala dos instrutores para pegar alguns planos para a aula que daria no dia seguinte, e encontrei com a Diretora Kirova em um dos corredores.
“Ah, Guardião Belikov. Estava mesmo querendo lhe falar. Você saberia dizer se aquele garoto, Christian Ozera, tem alguma amizade com Vanilisa?”
“Eu não sei dizer. Nunca os vi juntos.”
“Estranho. Hoje ele colocou fogo em um colega de classe que zombou da Princesa por causa do incidente com a raposa. Foi expulso da sala, é lógico, e passei o restante do dia tentando obter algo dele, sem sucesso.”
“É, no mínimo, curioso ele usar a magia para defender alguém que não conhece.” Ponderei.
“Seja como for, é inadmissível um Moroi usar magia contra outro Moroi, qualquer que seja o motivo.” Ela falou, iniciando um discurso.
Eu realmente não estava com muita paciência para assuntos da administração escolar, mas ouvi a tudo que Kirova falava, sem perder a serenidade da minha expressão. Quando ela terminou, fui para o meu quarto, agradecido, por aquele dia ter terminado. Tomei um banho e sentei, espalhando os papéis dos meus planos de aula em cima da pequena escrivaninha que tinha ali. Eu estava completamente compenetrado na preparação das aulas do dia seguinte, quando o telefone tocou.
“Guardião Belikov?” a voz chamou do outro lado da linha.
“Sim?”
“Somos da inspetoria do dormitório dos aprendizes. Existe algo que precisamos lhe reportar. É sobre sua aluna. Rose Hathaway.”
“Ok. Estarei ai em um minuto.”
Eu fechei os meus olhos, apertando os cantos internos com os dedos, enquanto tentava imaginar o que ela teria feito. Estava demorando, mas eu sabia que mais cedo ou mais tarde ela aprontaria. Eu tinha feito um acordo com o pessoal da inspetoria do prédio de Rose para que eles ficassem de olho nela e reportassem a mim, qualquer transgressão que ela fizesse, antes de levar para as instancias superiores da Academia. Eu sabia que ela não seria perdoada e queria intervir, de imediato, caso algo ocorresse. E agora era a hora.
Troquei apressadamente de roupa e desci as escadas rapidamente, passando para a ala dos aprendizes. Na sala da inspetoria, encontrei a chefe do turno, uma Moroi de meia idade, que usava pesados óculos de grau e cabelos curtos, com o zelador que prestava serviço naquele horário.
“Guardião Belikov.” Ela falou, estalando os dedos, assim que entrei “desculpe lhe incomodar, mas nós não podíamos deixar de reportar isso. Joe viu sua aluna, com um garoto Moroi, em um dos quartos desativados do quarto andar.” Sua voz era muito cautelosa. “Na verdade, até onde Joe viu, eles estavam apenas conversando, mas nós sabemos que isso pode muito bem ser feito na área comum. Se eles estão em um lugar tão isolado, é porque não estão com boas intenções...”
Ela realmente tinha razão. Se queriam apenas conversar, que fizessem isso nas áreas comuns. Eu esperava que Rose tivesse aprontado qualquer coisa. Uma nova tentativa de fuga, uma escapada para alguma festa clandestina, consumo de bebida alcoólica, até danos ao patrimônio da escola. Qualquer coisa mesmo, menos isso. Jamais passou pela minha cabeça que ela pudesse ter um encontro romântico com um rapaz. Como eu fui tolo, em pensar isso. Completamente tolo. Eu senti uma enorme fúria crescer dentro de mim, tanto que minha visão ficou turva e minha respiração se tornou extremamente pesada. Eu tentei me controlar, mas era algo que parecia impossível, àquelas alturas, não estava mais conseguindo pensar racionalmente. A inspetora me olhou preocupada, provavelmente se perguntando se tinha sido uma boa idéia reportar aquilo a mim. Talvez, aos olhos dela, Kirova fosse mais calma para tratar essa questão, por mais absurdo que parecesse.
“Muito obrigado, Sra. Kaster.” Falei ainda tentando, inutilmente, me controlar “vou tomar providências em relação a isso, agora mesmo.”
Ela e o zelador me olhavam com o pânico irradiando pelos olhos. Eu devia estar mesmo muito transtornado. Eu sentia isso, na verdade.
“Ah, acho que não preciso dizer que não é necessário que outras pessoas saibam desse ocorrido.” Falei, antes de sair pela porta. Eles apenas acenaram.
Passei pelos corredores me segurando para não correr. Eu não queria despertar a atenção de ninguém. Enquanto andava, lutei para controlar meus instintos. Subi pelas escadas, pulando os degraus. Quando cheguei ao quarto andar, parei diante do corredor e me forcei a respirar fundo. Eu me conhecia quando estava com raiva e sabia que eu era completamente destrutivo, quando estava assim. Eu ainda não sabia como encontraria Rose e nem se a encontraria. Comecei a percorrer pelas portas, chegando perto de cada uma, tentando ouvir algo suspeito. Na quinta porta, pude ouvir vozes. Uma delas eu conhecia muito bem. Era Rose.
“Eu não sou uma meretriz de sangue.” Seu tom era extremamente gentil. Senti meu coração apertar. Na verdade, eu estava torcendo para não encontra-la.
“Mas você quer. Você gosta. Toda garota dhampir gosta.” O garoto falou, fazendo meu sangue ferver. Definitivamente, eu odiava quando homens Morois se aproveitavam de garotas dhampirs. Aquilo me tirou ainda mais do sério, se isso era possível.
“Pare.” Rose falou docemente e um turbilhão de sentimentos passou dentro de mim. Ouvir sua voz, em um tom tão carinhoso provocou algo que eu não sabia explicar. Eu fechei os olhos, sentindo a fúria me tomar por completo. Ela continuou “Eu já falei que não sou assim. Mas se você quiser fazer alguma coisa com a sua boca, eu posso lhe dar algumas ideias.”
“É? Como o q-“
Todo resto de controle que eu ainda tinha, se esvaiu. Abri a porta com um chute e entrei como uma verdadeira tempestade. Ainda tive tempo de ver os dois se afastando rapidamente. Sem mais controlar meus instintos, atravessei a sala como um raio e peguei o Moroi pela gola da camisa, colocando-o em pé, quase levantando ele do chão. A vontade que eu tinha era de acabar com ele. Mas eu não podia. Ele era um Moroi e eu tinha por obrigação proteger os Morois e não destruí-los, seja por qual motivo fosse.
“Como é o seu nome?” Gritei.
“J-Jesse, senhor. Jesse Zeklos, senhor.”
Um Zeklos...
“Sr. Zeklos, você tem permissão para estar nesta parte do dormitório?” Não ele não tinha permissão e eu sabia disso. Eu perguntei aquilo, buscando segurar minha raiva. Além de Moroi, ele ainda era da família de Ivan. Muita sorte dele.
“Não, senhor.” Ele respondeu apavorado.
“Você conhece as regras sobre os relacionamentos entre os sexos feminino e masculino por aqui?”
“Sim, senhor.”
“Então, eu sugiro que você saia daqui o mais rápido que puder, antes que eu lhe entregue para alguém que possa lhe punir de acordo. Se eu lhe encontrar mais uma vez desse jeito.” Apontei para o lado do sofá, onde eles estavam “Eu mesmo vou punir você. E vai doer. Muito. Você entendeu?”
Ele me olhava com os olhos arregalados, inundados de pavor. Eu já tinha visto este garoto pela Academia. Ele gostava bastante de se vangloriar e contar vantagens. Agora, estava prestes a desintegrar de tanto medo.
“Sim, senhor.”
“Então, vá!” rugi para ele, enquanto o soltava. Ele saiu correndo, tropeçando nos móveis do quarto escuro, sem sequer olhar para trás.
Eu me voltei para Rose. Era sua vez agora.
Eu me virei para Rose, ainda sentindo uma grande raiva arder em mim. Era inadmissível que uma aluna minha fizesse algo tão repugnante. Ela teria que escolher o que ela queria ser. Uma guardiã renomada ou uma meretriz de sangue? Olhei profundamente para ela, sentindo toda desaprovação e desprezo por aquela atitude passar por meu rosto. Percorri meus olhos, analisando a cena que eu via. Foi quando me dei conta do que estava vendo. Rose estava encolhida em um canto do sofá, como um animal acuado, usando apenas calças jeans e sutiã. Um sutiã preto.
Comecei a estudar cada traço do seu rosto, que estava completamente assustado, mas não deixava de ser o rosto mais lindo que eu já tinha visto. Passei minha vista para o restante do seu corpo, olhando o colo dos seus seios bem delineados, e as perfeitas linhas das curvas da sua cintura. Seu corpo era incrivelmente perfeito. Ela era linda, tão linda que doía em meus olhos. Senti uma grande onda de desejo passar por mim, e uma quase incontrolável vontade de pegá-la em meus braços foi tomando conta dos meus sentidos. Eu nunca havia me sentido assim por nenhuma outra mulher, não com essa intensidade, não dessa forma.
“Você vê algo de que goste?”
Foi como acordar de um transe. Aquelas palavras dela bateram em mim com força. O que eu estava fazendo? Por que me sentia assim? Isso era loucura, eu não podia querer Rose dessa maneira. Mas eu a queria muito. E como eu queria.
Eu estava a desejando. Era algo que eu não podia, não devia sentir, mas não conseguia dominar aquele calor que queimava dentro de mim. Em uma luta interior terrível, coloquei meus instintos para dentro, trancando todo aquele desejo dentro de mim. Autocontrole era uma coisa que eu tinha aprendido a ter, com o passar dos anos, mas nunca tinha sido tão difícil me dominar. Estar diante dela ali, sem poder tocá-la era uma verdadeira tortura pela qual eu tinha que passar sem demonstrar qualquer reação.
“Vista-se.” Falei duramente, colocando meu rosto frio e imparcial de sempre, mas por dentro, a vontade de puxá-la para mim e beijá-la ainda se sobressaia a qualquer pensamento coerente. Tentei trazer de volta as razões que tinham me levado até ali, tentei trazer de volta o meu foco. Rose vestiu, imediatamente a sua blusa, visivelmente constrangida.
“Como você me encontrou? Estava me seguindo para ter certeza que eu não fugiria?”
“Fique quieta” eu falei, me abaixando para poder encará-la, de forma que nossos rostos ficaram frente a frente, no mesmo nível. “Um zelador viu você e relatou isso. Você tem ideia do quão estúpido isso foi?” Eu não devia responder aquela pergunta dela, mas eu estava tão tomado de por uma mistura estranha de sentimentos que não conseguia elaborar nenhuma outra resposta e nem simplesmente ficar calado.
“Eu sei, eu sei. É por causa de toda aquela coisa de condicional, não é?” ela falou, quase soando de forma despreocupada. Senti minha irritação crescer.
“Não é só isso. Estou falando da estupidez de ser encontrada neste tipo de situação, em primeiro lugar.” Soltei quase sem pensar no que eu estava dizendo. Existia sim toda transgressão ao que Kirova tinha imposto como condição para permanência de Rose na Academia, o que era realmente grave, mas para mim, só estava importando o fato dela estar aos beijos - e tudo mais - com um garoto.
“Eu fico neste tipo de situação o tempo todo, camarada. Não é grande coisa.” Sua voz era raivosa, mas não deixou de soar infantil para mim. Ela quis passar que era uma garota experiente com aquelas palavras, mas para mim era claro que ela não sabia sobre isso, principalmente pela forma que ela reagiu ao meu olhar: ela tinha ficado vermelha e bastante envergonhada, revelando que não sabia o que era estar seminua diante de um homem de verdade. Eu podia perceber isso claramente. Essa não era uma reação de uma mulher experiente.
“Pare de me chamar disso. Você nem sabe do que está falando.”
“Claro que eu sei. Eu tive que fazer um trabalho sobre a Rússia e a R.S.S.R. no ano passado.”
Quando eu disse que ela não sabia sobre o que estava falando, eu me referia a primeira frase dela, sobre estar com um rapaz. Ela entendeu que eu me referia ao apelido que ela sempre usava comigo. ‘Camarada’ era um termo usado, de forma irônica e pejorativa, por soldados americanos quando se referiam aos russos, durante a guerra fria, já que originalmente, era um cumprimento amistoso entre os simpatizantes comunistas e militares da antiga U.R.S.S. Seja como fosse, não era algo que eu gostava de ser chamado.
“U.R.S.S.” Eu corrigi “É uma grande coisa para um garoto Moroi ficar com uma garota dhampir. Eles gostam de se gabar.”
“E daí?”
“E daí?” Senti um profundo desgosto tomar conta de mim. Eu não podia acreditar que Rose fosse esse tipo de garota. Eu não podia aceitar isso nela. Todos sabiam o destino que as mulheres dhampir tinham quando iam para este caminho e de como todos descriminavam isso. “Você não se respeita? Pense em Lissa. Você faz com ela mesma pareça fácil, quando age assim. Você vive exatamente como as pessoas pensam de uma garota dhampir e isso se reflete nela. E em mim.” Falei, já sentindo a minha racionalidade retornando. Rose não poderia viver como se somente ela fosse sozinha no mundo. Ela tinha pessoas que sofreriam rebatimentos por suas atitudes.
“Ok. Entendi. É sobre isso que estamos falando? Estou ferindo o seu grande e forte orgulho masculino? Você está com medo que eu arruíne a sua reputação?”
Não. Rose não estava entendendo e nem podia entender, eu ainda não estava conseguindo expressar meus pensamentos de forma coerente. Eu não estava preocupado comigo, em momento algum pensei em mim mesmo. Minha preocupação estava nela. Somente nela. Eu tinha crescido em uma comunidade dhampir e tinha visto muitas garotas arruinarem suas vidas desta forma. Exatamente assim, como ela estava fazendo. Eu não queria isso para ela. Eu não podia imaginar esse destino para Rose.
“Minha reputação já está formada, Rose. Eu defini minhas metas e batalhei por elas há muito tempo. O que será da sua, ainda está por vir.” Eu já podia sentir toda raiva que senti por ela indo embora. Então, endureci novamente minha voz, falando forma autoritária, lembrando da cena que eu tinha acabado de presenciar, há pouco. “Agora volte para o seu quarto – se é que você consegue fazer isso sem se atirar em alguém pelo caminho.” Falei sem pensar.
“Este é o seu jeito sutil de me chamar de vadia?”
“Eu ouço histórias entre os alunos. Eu ouvi histórias sobre você.”
Eu não tinha a menor intenção de ofendê-la, mas eu precisava ser duro com ela. Rose estava confirmando cada insinuação, cada comentário que eu tinha ouvido sobre ela. Apesar de internamente eu saber que ela não era nada do que falavam, eu também sabia que Rose era imatura e rebelde e isso a levava agir por impulso, que sempre podia resultar nisso que tinha acabado de acontecer. Ela me olhou como se o meu desapontamento significasse muito para ela. Sua expressão se tornou triste e arrependida. Apesar dela tentar engolir o choro, seus olhos se encheram de lágrimas.
“Por que é tão errado... não sei, se divertir? Eu tenho dezessete anos, sabe. Eu queria poder aproveitar isso.”
Eu senti meu coração apertar, diante de suas lágrimas, mas eu não podia ceder. O futuro de Rose estava sob a minha responsabilidade, eu já tinha assumido isso como sendo meu papel. Eu realmente a entendia, eu já tinha me sentido dessa forma, anos atrás. Eu também já senti necessidade de ter uma vida considerada normal. De fato, é muito difícil abdicar de sua própria vida em prol de outra pessoa. Mas não podemos ter tudo. Se quisermos seguir essa carreira, é assim que tem que ser e temos que aprender a conviver com isso.
Eu a olhei por um momento. Ainda podia sentir um resquício da onda de desejo em mim, mas já estava conseguindo controlar meus sentidos. Também não conseguia mais sentir raiva dela por nem por aquela atitude e nem por qualquer outra coisa.
“Você tem dezessete anos e, em menos de um ano, a vida ou a morte de alguém estará em suas mãos.” Eu tentava manter o meu tom firme, mas não podia evitar de me sentir afeiçoado a ela “se você fosse uma humana ou uma Moroi, poderia se divertir. Você poderia fazer as coisas que as outras garotas fazem.” Falei, tentando me manter imparcial, depois de todo o meu descontrole. Ela tinha percebido que eu a olhei de maneira diferente e eu precisava desmanchar qualquer conjectura que ela pudesse fazer sobre isso.
Na verdade, eu falava aquilo tentando fazer com que parecesse uma realidade para mim mesmo. Ela era uma garota e era natural querer namorar. Mas eu não estava querendo que ela fizesse isso e nem que ela sentisse necessidade disso.
“Mas você está dizendo que eu não posso.” Ela constatou.
Naquele momento ela me lembrou uma pessoa: a mim mesmo. Eu não fui estoico e ponderado a minha vida toda. Eu já fui tempestivo e impulsivo, mas quando entendi o dever de ser um guardião, trabalhei para que estas características minhas fossem superadas. Ainda hoje, várias e várias vezes eu sinto este meu temperamento querendo voltar, mas eu tenho conseguido ser mais forte que ele. Na idade dela, eu ainda estava construindo isso. Coincidiu de eu cursar algumas matérias na mesma classe de Ivan, nesta época. Nós já nos conhecíamos de vista, mas só no último ano da Academia ficamos amigos.
“Quando eu tinha dezessete anos, eu conheci Ivan Zeklos. Não éramos como você e Lissa, mas nos tornamos amigos e ele me requisitou como seu guardião, depois que me formei. Eu era o melhor aluno da minha escola. Eu prestava a atenção em tudo nas minhas aulas, mas no final das contas, não foi suficiente. É assim que funciona essa vida. Um deslize, uma distração...” Eu suspirei “É tarde demais.”
Eu queria passar mais uma lição para Rose mas acabei revivendo a dor e a culpa pela perda de Ivan. E tudo era em dobro por ele ser meu protegido e meu amigo.
“Jesse é um Zeklos.” Ela falou, constatando que meu ataque de raiva tinha sido em cima de um possível primo distante Ivan.
“Eu sei.” Falei duramente, sem querer reviver novamente a cena que eu tinha protagonizado.
“Isso incomoda você? Ele faz você lembrar de Ivan?”
“Não importa como me sinto. Não importa como nenhum de nós se sente.” Na verdade, aquele garoto Zeklos tinha me incomodado de várias formas. O fato dele ser parente de Ivan só fez com que eu me segurasse e não batesse nele. Rose me olhava com olhos que pareciam vasculhar minha alma.
“Mas isso incomoda você. Você sofre. Todos os dias, não é? Você sente falta dele.” Ela insistiu no assunto.
Uma grande surpresa tomou conta de mim. Como ela sabia daquilo? Como ela podia saber tão bem como eu me sentia sobre isso? Era algo que eu tinha trancado dentro de mim, algo só meu, não era possível que ela pudesse enxergar isso em mim. Ninguém via isso, ninguém se importava com isso, na verdade. Naquele momento, aquela garota imatura de antes tinha desaparecido e dado lugar a uma mulher incrível que podia ler a minha alma. Ela estava conseguindo ver todas as razões para a minha forma de viver e me comportar. Aquilo era assustador.
Novamente, eu estava me deixando levar por ela. Fechei meu rosto, sem querer prolongar aquela conversa “não importa como eu me sinto. Eles vêm primeiro. Devemos protegê-los.”
“Sim. Eles vêm” ela concordou, pensativa.
Um longo silêncio pairou entre nós. Eu comecei a lembrar de Ivan e de todos os planos e sonhos que ele tinha para sua vida. Pensar que ele foi impedido de realizá-los por causa de um ataque de Strigoi, me consumia. Quase fazia minha vida perder o sentido. Quase me fazia sentir totalmente incapaz. Quase. Uma outra motivação estava tomando conta de mim, ultimamente. Transformar Rose em uma renomada guardiã. Isso me revigorava e me impedia de cair em desespero. As horas de culpa pela more de Ivan estavam sendo gradativamente substituídas por horas em pensamento em Rose. Não sabia o que mais me preocupava.
“Você disse que quer lutar, realmente lutar. Isso ainda é verdade?”
“Sim. Totalmente.”
“Rose... eu posso lhe ensinar. Mas eu tenho que acreditar que você vai se dedicar. Se dedicar de verdade. Eu não posso ver você distraída com coisas como estas.” Eu gesticulei ao redor da sala. “Eu posso confiar em você?”
Eu a olhei firmemente. Eu queria poder confiar nela e queria que ela se dedicasse aos treinos e esquecesse essa vontade que ela tinha de ‘se divertir’. Ela me olhou e eu tive a impressão que ela voltaria a chorar. Mas ela não fez isso, antes, se tornou ainda mais firme.
“Sim, eu prometo.”
Eu senti a empolgação tomar conta de mim, de forma inexplicável. Se eu pudesse, começaria o treino naquela mesma hora.
“Muito bem, eu vou lhe ensinar, mas preciso que você seja forte. Eu sei que você odeia a corrida, mas é necessário. Você não tem ideia de como os Strigois são. A escola tenta preparar vocês, mas até você ver o quão forte e rápido eles são... Bem, você não pode imaginar, ainda. Então, eu não posso parar com a corrida e o condicionamento. Se você quiser apender sobre luta, precisamos aumentar os treinamentos. Eu vou tomar mais do seu tempo. Você terá pouco tempo para os deveres de casa ou qualquer outra coisa. Você ficará cansada. Muito cansada.” Era a desculpa que eu queria para ocupar todo o tempo livre de Rose e deixá-la distante destas situações.
“Isso não importa. O que você disser para eu fazer, eu farei.” Ela falou sem pensar um segundo. Uma obstinação tomava conta do seu rosto, misturada com a clara vontade de aprender. Eu gostava muito daquilo nela. Era uma das coisas que mais me impressionava nela. A capacidade de entender o dever.
“Começaremos amanhã.” Falei por fim.
Entrei no meu quarto, minha respiração era difícil. Andei de um lado para o outro tentando colocar meus pensamentos em ordem. Passei e repassei diversas vezes cada minuto do que tinha acabado de ocorrer. Ao mesmo tempo em que eu me perguntava o que estava acontecendo comigo, eu sabia exatamente qual a resposta e negava o tempo inteiro que isso fosse mesmo verdade. Eu me sentia atraído por Rose. Pior que isso. Eu temia que pudesse estar apaixonado por ela. Como eu pude ser tão fraco? Como eu pude me deixar levar por um sentimento tão insano? Ela era apenas uma garota, que estava começando sua vida agora. Eu era seu mentor, bem mais velho e tinha por obrigação ser racional, não podia deixar isso crescer em mim.
Lutei para cortar aqueles pensamentos, mas nada parecia adiantar. O rosto assustado de Rose e seu corpo perfeito passavam a toda hora na minha frente como um filme. Por mais que eu tentasse afastar da minha mente, não conseguia. Quanto mais eu tentava, mais aquela sensação se firmava.
Foi uma noite longa com aquela luta interior. Assim que amanheceu, fui ao ginásio treinar, como sempre fazia. Tentei descarregar tudo em séries pesadas de exercícios. Quando Rose chegou para sua aula, eu estava completamente dominado e com meu rosto tranquilo de sempre. Eu tinha decidido que não alimentaria isso e que tentaria disfarçar tudo ao máximo.
No final da manhã, eu recebi um chamado de Kirova para ir até a sua sala. Sem questionar, fui até lá, dando duas batidas na porta, antes de entrar. Quando coloquei o rosto para dentro, vi que ela não estava sozinha. O professor de Artes, o Sr. Nagy Slavic, também estava com ela.
“Você queria falar comigo?” Falei naturalmente, assim que entrei, apesar de ter estranhado a presença dele.
“Sim, Guardião Belikov.” Ela começou com seu mau humor usual “aconteceu algo ontem a noite que você não nos reportou?” Apesar de ser uma pergunta, o seu tom sugeria uma afirmação.
“Sobre o quê?” Mantive meu rosto firme e imparcial, de forma nenhuma permitindo que ela pensasse que podia me intimidar. Eu não sabia exatamente a que ela se referia e não podia dar a ela mais do que ela já sabia.
“O Sr. Nagy Slavic ‘interceptou’ um bilhete que Rose Hathaway trocava com Vanilisa, durante a aula. Nele, Rose contava uma transgressão, digamos, amorosa, que foi flagrada por você. Assim como todos os professores da Academia, o Sr. Nagy conhece todos os termos condicionais para permanência de Rose nesta escola, então achou por bem nos deixar cientes disso.”
“Na verdade,” comecei, escolhendo bem as minhas palavras, de forma que não deixasse margem para que Kirova pensasse que teria que punir Rose “nada chegou a se consumar e eu posso garantir que os envolvidos já foram severamente advertidos por mim. Não vai se repetir.”
“Isso é verdade,” acrescentou o Sr. Nagy “ela mencionou, no bilhete, que o Guardião Belikov lhe deu um ‘puta sermão’ – em suas palavras, digo isso.”
Eu reprimi um sorriso. Era bem típico de Rose falar assim. Kirova o olhou assustada, talvez por ouvir o palavrão sendo chamado por ele, o que não deixava de ser curioso, com o seu sotaque britânico e formal. Depois balançou a cabeça negativamente e, suspirando impacientemente, se voltou para mim.
“Guardião Belikov, a simples intenção de se fazer algo errado já pode ser considerado-“
“Rose é minha aluna, Diretora Kirova.” Interrompi sem mudar o meu tom de voz, mas colocando uma máscara de imponência no meu rosto. De jeito nenhum eu iria deixar que ela me tratasse como um de seus alunos, me dando um sermão e me ensinando como agir. “Como seu mentor, eu já assumi toda responsabilidade por ela, não foi? Então, não se preocupe com seus atos. Eu já a puni”.
Ela me olhou e, apesar de um pouco assustada, eu pude ver um fio de contentamento em seus olhar. Ela devia imaginar que uma punição vinda de mim seria bem severa. Então, ela se voltou para o Sr. Nagy e falou “dê a elas alguns dias de detenção por atrapalhar a sua aula.”
“Err,” ele falou limpando a garganta “eu já apliquei uma detenção dobrada, mas apenas para Vanilisa. Rosemarie não tem mais tempo livre. O Guardião Belikov dobrou as horas de treino, intensificado as aulas extraclasse.”
O rosto de Kirova se iluminou e ela quase sorriu. Provavelmente ela imaginou que aquela minha atitude fazia parte da punição que eu tinha dado a Rose. Eu não chamaria de punição e sim um acordo que fiz com ela. Mas achei por bem deixar que a Diretora pensasse assim e não falei mais nada. O tempo iria dizer que eu estava certo na maneira de lidar com Rose.
Os dias se seguiram na rotina comum da Academia. Inclusive no que se refere ao quesito fofocas estudantis. Atualmente, tudo girava em torno de uma Moroi chamada Amelia Rinaldi – que todos chamavam de Mia. Os alunos a discriminavam pelo simples fato dela ser filha de zeladores de uma das famílias reais. Eles sabiam como ser cruéis. Em todas as escolas, nada nunca mudava.
O comportamento de Rose teve uma melhora considerável e ela estava realmente cumprindo sua parte do combinado. Mas, mesmo assim, mantive minha atenção nela, a observando sempre que eu podia. Quando completou exatamente um mês que Lissa e Rose tinham voltado, a escola estava polvorosa. Era dia de todos os santos e nós receberíamos a visita de vários Morois da alta realeza, inclusive da própria rainha. Equipes de cerimoniais corriam, de um lado para o outro, na arrumação dos ambientes para que tudo parecesse mais aconchegante e apropriado para a Assembleia que seria realizada, logo mais.
Não era um dia muito apropriado para desgaste físico, uma vez que, com tantas pessoas importantes na escola, eu ficaria de plantão praticamente a noite inteira. Mas, ao mesmo tempo, eu detestava aquele agito de gente andando de um lado para o outro, então me isolei no ginásio, praticando alguns exercícios, enquanto Rose não chegava para seu treino. Exatamente na hora marcada, ela entrou calmamente pela quadra, já se preparando para alongar. Eu não podia deixar de achar engraçado como Rose estava aprendendo disciplina, mesmo que inconscientemente. Eu ainda não tinha entrado na parte das lutas, ainda estava mantendo a linha do condicionamento físico com ela. Mas, ao contrário de outros tempos, ela obedecia a tudo, quase sem questionar. Também podia notar que, a cada dia, ela me confrontava menos e me observava mais. Seus olhos atentos não perdiam uma oportunidade de me analisar. Sempre. Às vezes eu via respeito, muito respeito. Outras, uma perigosa admiração neles e, outras vezes, deslumbre.
O meu lado racional repetia para mim mesmo que não era possível aquilo. Rose não podia estar interessada em mim, não dessa forma. Era apenas uma admiração natural de uma aluna para seu professor, no máximo uma paixonite típica de uma adolescente e que logo de dissiparia. Eu tentava acreditar nisso. Provavelmente era isso. Mas o meu lado emocional era alimentado por aquilo e, cada vez mais, eu gostava dela. Era algo que eu não podia admitir, mas eu estava realmente apaixonado por ela.

Um comentário:

  1. Muito feio isso querida plagiar historia alheia viu. Vou postar sua pagina em todos as páginas que tenho e que conheço relacionado a VA e vou pedir para não acessarem. E vou divulga a verdadeira autora. Coisa feia isso dá processo tá querida.


    PS: Segue a página da verdadeira autora com todos os livos.

    https://fanfiction.com.br/u/87279/

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